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Estado de Minas Coluna

O espectro do "golpismo legal" ronda a democracia

Um poder não pode convocar as Forças Armadas a intervir para restabelecer a ordem institucional entre os poderes


22/06/2020 04:00 - atualizado 22/06/2020 07:21

O presidente da República acalenta o sonho delirante do autogolpe na linhagem de
O presidente da República acalenta o sonho delirante do autogolpe na linhagem de "intervenção militar com Bolsonaro" (foto: EDU ANDRADE/FATOR PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)


As semanas de 8 a 21 de junho deixaram-nos boas e más notícias. Nesses dias, as corajosas ações do Supremo descortinaram o caminho institucional e ofereceram ao Poder Legislativo e à sociedade civil o rumo político para que, afinal, a nação emancipe a Constituição de 1988 e a democracia brasileira do jugo ideológico-autoritário de um presumido “poder moderador” que as Forças Armadas atribuem-se a si mesmas. O presidente da República acalenta o sonho delirante do autogolpe na linhagem de “intervenção militar com Bolsonaro”.

O espectro do “golpismo legal” ronda a democracia brasileira desde a promulgação da Constituição de 1988. O chamado “poder moderador” atribuído pelo autoritarismo ideológico às Forças Armadas e por elas a si próprias, é uma criatura crepuscular. Por partenogênese ideológica, no governo Bolsonaro irrompeu das meninges palacianas, civis e militares.

O discurso do “poder moderador” político-palaciano-militar oferece singular e interessada interpretação do artigo 142 da Constituição: em situação de crise institucional ou de eventual situação de grave conflito entre o Poder Executivo e qualquer dos dois outros poderes, o Executivo disporia da prerrogativa constitucional de convocar as Forças Armadas à intervenção militar como um “poder moderador”.

Em decisão liminar, a exame do pleno do Supremo, o ministro Luiz Fux sepultou o “argumento” da ameaça: não há Poder Moderador e um poder não pode convocar as Forças Armadas a intervirem para restabelecer a ordem institucional entre os poderes.

Esse é o discurso da velha ordem da ameaça, agora em versão e prática fascista-bolsonarista. Esse discurso tem sido reiteradamente vocalizado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelos ministros palacianos e generais de Exército Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos. A eles associou-se, por cooptação, o ministro da Defesa, o também general de Exército Fernando Azevedo e Silva. Em 19 de abril, Bolsonaro e Azevedo sobrevoaram ato antidemocrático do bolsonarismo extremista em Brasília.

Os manifestantes exibiam enorme faixa com a inscrição “Intervenção militar com Bolsonaro”. Na ocasião, os poderes Legislativo e Judiciário não exigiram a demissão do ministro. Erraram. Bolsonaro e o ministro cometeram crime de responsabilidade. Passaram ilesos pela provocação. O presidente e o bolsonarismo tudo fazem para estabelecer a simbiose entre governo e Forças Armadas. Bolsonaro visita quarteis, fala em nome das Forças Armadas, emite notas com conteúdo de confrontação com o Supremo e respalda-se nas Forças Armadas. Determinado e obsessivo, minou as resistências iniciais dos generais palacianos e do ministro da Defesa, antes refratários à simbiose governo-Forças Armadas.

De algum tempo para cá, eles mesmos se fizeram protagonistas desse jogo autoritário de um governo que a cada dia exibe-se como uma ordem da ameaça que deseja impor, pelo autogolpe, a ordem da aniquilação da democracia e do republicanismo. Ativamente, auxiliaram o presidente a alojar, até agora, 2.716 membros das Forças Armadas no aparelho de Estado.

A cooptação em larga escala é uma de duas manobras do bolsonarismo de cerco estratégico palaciano às Forças Armadas. A outra é o envolvimento sistemático dos ministros de origem militar na confrontação com os demais Poderes, patente nas diversas notas palacianas assinadas por eles e pelo presidente. Feitas as habituais lambanças contra os Poderes, segue-se a falácia da “busca do diálogo”, a tal “bola no chão”, até as cenas do próximo capítulo. Cooptação e confrontação são o “martelo” e a “bigorna” que o capitão Bolsonaro usa ao acionar, à exaustão, os cercos imediatos e táticos até alcançar o cerco estratégico das Forças Armadas pelo poder palaciano. Precisa da simbiose para o autogolpe legal. Precisa da apropriação hermenêutica do artigo 142 da Constituição para dar voz à fabulação sobre o Poder Moderador.

Em ato, no dia-a-dia o presidente e o “gabinete do ódio” familista e ideológico promovem, em escalada semelhante a uma “guerra de atrito” contínua, conflitos com os Poderes Judiciário e Legislativo, a imprensa e a sociedade civil. A intencional ação político-militar presidencial de geração de crises com os demais Poderes e de “guerra cultural” permanente contra a sociedade civil e a imprensa nutrem a violência e a intolerância das legiões mobilizadas do bolsonarismo contra a democracia. O encadeamento retrógrado entre as organizações da violência coordenado pelo bolsonarismo militante inclui de grupos paramilitares às milícias organizadas no Rio de Janeiro. Estende-se a setores das polícias-militares, instigados pelo apoio presidencial a irromperem em motins contra governadores, como se viu no Ceará no início desse ano.

Contudo, a destemida resistência do Supremo à irresponsabilidade do governo da ordem da ameaça despojaram, na última semana, o presidente e o bolsonarismo do escudo da onipotência e da arrogância ao exibir a ordem da ameaça semelhante a uma ordem da farsa. Bolsonaro e o bolsonarismo sectário encontram-se sob investigação e contenção legal: inquérito das fake news, inquérito que investiga suposta interferência presidencial na Polícia Federal, inquérito de apuração dos atos antidemocráticos como o de 19 de abril em Brasília, inquéritos em andamento no TSE sobre eventuais crimes eleitorais cometidos pela campanha da chapa Bolsonaro-Mourão, seguindo-se a quebra do sigilo bancário e as operações de busca e apreensão nos domicílios de 20 líderes do bolsonarismo, solicitadas pelo procurador-geral da República. Entre eles, contam-se 10 deputados federais e um senador.

Para culminar, prossegue, célere, o inquérito a cargo do Ministério Público estadual e da Polícia Civil do Rio de Janeiro que investiga prováveis crimes cometidos pelo senador Flávio Bolsonaro. A quinzena terminou com a prisão do “faz-tudo” da família Bolsonaro, o ex-policial militar Fabrício Queiroz, operador financeiro do esquema das “rachadinhas” montado no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

A esposa de Fabricio Queiroz está foragida. O advogado Frederick Wassef, que presta serviços profissionais ao senador e ao presidente da República, apelidado “Anjo”, há um ano abrigava e ocultava Fabricio em residência de sua propriedade na cidade paulista de Atibaia. O vice-presidente dirá que as investigações e os processos estão “atravessando a linha”? As cumplicidades entre os Bolsonaro, Fabricio Queiroz e Wassef, ao fundo as milícias, começam a insinuar uma “venezuelização” do Palácio do Planalto. “Bola no chão”, vice-presidente e ministros militares?



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