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Estado de Minas CARNAVAL

Minha carne é de carnaval, meu coração é igual

Que nestes cinco dias, não terminemos em cinzas, mas em cores que explodem para este novo ciclo que começa agora


16/02/2023 16:00 - atualizado 16/02/2023 17:14

Montagem de duas fotos. À esquerda, Jéssica, uma mulher branca, gorda, usa uma tiara escrito 'gorda' e segura uma bandeira onde se lê 'Não à Gordofobia'. À direita, uma foto do letreiro escrito 'A vida vai ressurgir copulando só afetos'
(foto: Reprodução)

“A vida vai ressurgir só copulando os afetos”. Chegou a hora de abrir a coluna com a Conceição Evaristo. E nada melhor para isso do que o carnaval. Depois de um hiato pandêmico, um país em luto - e luta - coletivo, por que não sairmos às ruas? E não tem essa de “Qual o melhor corpo para o carnaval”. Corpo bom é o que a gente tem e nos permite viver tudo que quisermos. Que nos permite vestirmos nossas fantasias e nossas lutas, incorporadas numa festa que é de carne e coração, sem igual, tal qual a canção dos Novos Baianos. 

A folia é a permissão para botarmos nosso bloco na rua e sermos felizes. Com nossas dissidências todas expostas, brilhantes, escamosas de glitter, plumas e luz, como deve ser nossas existências, às quais esses pequenos prazeres podem ser negados, mas que devemos retomar, exatamente como numa revolução. 

Chegou a hora de a gente colocar bell hooks e Lacan em prática. Do amor tomar conta e da gente copular e descolonizar os afetos. A rua é para todos, todas e todes. O carnaval também. 

Que neste feriado, nosso amor próprio seja nossa primeira pele, exposta, bem como nossos desejos, intensos, desfilando nas avenidas dos corações que queremos atravessar - e que atravessem os nossos. Que possamos, sem julgamentos, celebrar nossas existências, nossa sobrevivência a tempos e governos tão duros e a nossa liberdade de, minimamente, existirmos. 

Que nestes cinco dias, não terminemos em cinzas, mas em cores que explodem para este novo ciclo que começa agora. Vai lá, escolhe sua fantasia - psíquica ou literal - e vá pra rua, curtir seu bloquinho, sua escola de samba favorita, seu retiro, seu filminho em casa. Simplesmente vá. Use seu corpo para além da proposta cristã e capitalista, de culpa e trabalho. Só não esqueça de beber água. E de que não, é não. Depois dele, tudo é assédio. 

Mas é importante lembrar: o tempo não para. Depois de quase três anos sem carnaval, a hora é agora. Cair pro jogo e celebrar os corpos dissidentes como um ato de resistência. Queremos pessoas gordas, trans, com deficiência, pretas, indígenas e LGBTQIA+ existindo, felizes. A festa tá dobrando a esquina, e não há tempo: nem para ter medo, nem para perder sem se curtir, se divertir, aproveitar o mundo em sua intensidade e totalidade. Inclusive, já escrevi sobre essa urgência quando falei do disco do Don L, também nesta coluna. 

O corpo que você tem, seja ele com estrias, celulites, a barriga chapada, a barriga caindo, o cabelo rebelde, as pernas que ficam assadas no meio etc., é o único que pode te proporcionar todas as emoções que você quer e precisa viver nessa vida. Que neste carnaval, lembremos que nosso corpo - e nós - somos uma festa. 

Que no nosso estandarte das avenidas seja nossa própria subjetividade alçada à liberdade. Que nunca mais, ninguém nos diga que não possamos. Que a principal lembrança desses dias seja tudo que for possível. 

Para ser intelectual antes de esquecer meu próprio nome e quem eu sou nas minhas marchinhas favoritas pelas ruas, por que não fingir sabedoria e citar Deleuze sobre a tristeza dos corpos. “O poder requer corpos tristes. O poder necessita de tristeza porque consegue dominá-la. A alegria, portanto, é resistência, porque ela não se rende. Alegria como potência de vida, nos leva a lugares onde a tristeza nunca nos levaria.”

Sendo assim, que a tristeza seja só pela saudade que o carnaval deixa. Que nossa carne seja festa nas ruas. Que nossos afetos sejam sim, copulados através da alegria de existir nos corpos que habitamos. Que nós, os ‘estropiados’ e monstruosos possamos ter o direito à alegria coletiva, aos afetos copulados, às celebrações: ao carnaval. 

Fica então o convite para a vida. Minha carne é de carnaval. O meu coração é igual. 

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