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Estado de Minas COLUNA HIT

Tainá Müller: 'O inimaginável aconteceu, a novela parou'

No 'Diário da quarentena', atriz relata como deixou de trabalhar pela primeira vez, em 20 anos de profissão


01/10/2020 04:00

Diário da quarentena

O dia em que a novela parou

Tainá Muller
Atriz

Era uma sexta-feira quando entrei empolgada num Uber para chegar no que seria a última leitura e ensaio de elenco da série Mal secreto, que começaria a gravar na segunda-feira seguinte para a Globoplay. Àquela altura, diferentemente de dois dias atrás, já não nos abraçávamos nos cumprimentos. Uma batida de pé entre os atores em meio a risinhos nervosos indicava que algo estava fora do lugar. Porém, por mais que as notícias do vírus chegassem aos borbotões e ele já estivesse entre nós, a realidade de viver um isolamento social parecia estranhamente distante.

Lembro-me de que, imersos nos personagens da série, uma hora cogitou-se a possibilidade de as gravações não começarem na segunda, o que despertou breves reações de incerteza, mas que logo foram deixadas de lado para voltarmos ao trabalho.

Diferentemente do que andam dizendo por aí, atores gostam, sim, de trabalhar. Gostam tanto que o vazio entre safras pode causar até depressão. Talvez por isso, algo dentro da gente dizia que não, não pararíamos. Lembrei-me de todas as vezes em que fiquei doente enquanto gravava novela e mesmo assim nem cogitei faltar ao trabalho, já que o compromisso de exibição diária não permite fazer a máquina parar.

Certa vez, gravando Em família, me senti muito mal e fui prontamente atendida por uma ambulância estacionada na porta do estúdio. Depois de duas horas no soro, voltei para gravar as cenas que faltavam para completar o dia. Nosso trabalho tem tanta gente envolvida que se torna prioridade absoluta em nossas vidas, a ponto de não haver espaço para que qualquer contratempo pessoal atrapalhe o fluxo de gravações. Em 20 anos de trabalho na televisão, eu nunca faltei ao trabalho um dia sequer.

Pois bem, tudo isso me fez ter uma certeza ingênua, maluca talvez, de que o Brasil até poderia parar, mas as produções audiovisuais não. “A gente não para”, pensei. Por um momento, a ideia de trabalhar na pandemia me despertou um certo medo, mas que logo afastei, da mesma forma que afastava a ideia de não ir filmar por causa de uma febre. Não tem jeito, temos que trabalhar. Como se o entretenimento estivesse no mesmo patamar de serviços essenciais, como a medicina ou a alimentação. Hoje, confesso ter uma certa ternura pelo nível de inocência da pessoa que eu era até março de 2020.

Bem, como devem supor, não começamos a gravar a série Mal secreto na segunda-feira. E nem na terça. E nem depois dos 15 dias previstos como adiamento do projeto. Logo nos primeiros dias de quarentena, aconteceu o fato que fez cair a ficha da gravidade da situação: a novela parou. Como assim? O inimaginável aconteceu, a novela parou.

Foi só aí que entendi o caráter tão supérfluo quanto essencial da minha profissão. Supérfluo porque, sim, ninguém vai morrer “se a novela parar”. Mas essencial porque estaríamos ainda mais pirados se não fossem os filmes, as séries e todas as formas de manifestações artísticas que nos salvaram neste período de confinamento.

No início disso tudo me perguntei se algum dia voltaria a trabalhar, se teria que mudar de ofício, se daria certo talvez fazer aquele curso on-line de pão artesanal, pensando em algo que nunca deixaria de ser produzido mesmo no fim do mundo. Passada essa fase de angústia inicial, relaxei. Entendi que, como o pão, a arte será devorada até o fim dos dias. A gente só tem que aprender a se adaptar para continuar oferecendo esse alimento da alma.

Por ora, enquanto não volto a estar num set de filmagens, me dedico ao lançamento de outra série que, ufa, deu tempo de gravar antes disso tudo. Bom dia, Verônica chega pra me relembrar o quanto gosto de ser atriz. E o quanto eu quero que, no dia do grande retorno à cena, meus olhos tragam consigo a autenticidade de toda a inocência perdida nesse tempo, algo que jamais aconteceria caso a novela-mundo não tivesse parado naquela fatídica segunda-feira.

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