(none) || (none)

Continue lendo os seus conteúdos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/mês. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas DIáRIO DA QUARENTENA

Nestes tempos de pandemia, a arte salva!

No 'Diário da quarentena', a psicanalista Juliana Marques Caldeira Borges revela que Paulinho da Viola, Chico Buarque e Aldir Blanc são alguns de seus aliados nestes dias de isolamento


postado em 16/06/2020 04:00

(foto: Quinho)
(foto: Quinho)


A arte salva!

Juliana Marques Caldeira Borges
Psicanalista

“Olá, como vai? Eu vou indo, e você, tudo bem? Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro, e você? Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo, quem sabe?”

Ouço a voz do Paulinho ecoar pela sala e me pergunto: há 76 dias quem sabe o quê? Quem consegue algum sono tranquilo? 76 dias hoje em que tranquei algo em mim. Ainda não sei o que foi e devo descobrir só no futuro, se lá conseguir pegar meu lugar. Estará reservado? Serei uma das sobreviventes desta catástrofe? O Brasil terá sobrevivido a este tempo? No início veio uma estranheza, depois medo, perplexidade, indignação, medo, solidariedade, medo, preocupação... medo. Eu poderia escrever aqui dezenas de nomes dos sentimentos que entram e saem pelo meu corpo, e o medo estaria tecendo uma costura infinita entre eles.

Tenho que bordar palavras nessa costura, tecer uma mistura de texto com a coragem de olhar o mundo lá fora e enxergar os acontecimentos horríveis que surgem com essa pandemia. Preciso entendê-los para seguir... Juro que tento. Penso em como Freud lidaria com tudo isso, lembro-me de O mal-estar na civilização, seu texto tão atual, e em sua resposta a Einstein em Por que a guerra?, nos dizendo que só o amor pode dar conta da pulsão de morte!

Tento manter alguma emoção mais equilibrada que não atropele minha razão. Afinal, temos uma psicanalista se lançando nas ondas da web e se colocando a trabalho, nessa travessia longa, por vezes insuportável, compartilhada com clientes, amigos e família no plano virtual. É, Lacan, do real ao simbólico, preciso não me afogar no mar imaginário de uma COVID-19, que como significante já tem feito estragos em demasia, alguns até piores do que como vírus!

Digo pra minha angústia que preciso acreditar nos homens, na ciência e na arte. Nos homens, ficando cada vez mais difícil... Na ciência, nessa ainda faço algumas apostas... Na arte? Ah, a arte...! Essa tem funcionado como ancoradouro que abriga meu barco e não o deixa à deriva. A arte salva? Salva! Um pesar esse vírus ter começado a levar dela uns muito bons, levou nosso bêbado com chapéu-coco e muitos outros. Tem levado também anônimos, tanta gente em um país onde sobreviver já era uma luta diária, agora o fim dessa luta dobrou em números incontáveis... Ainda assim, tento me entregar a esta frase todos os dias, quase como um mantra: A arte salva... A arte salva...

Respiro, repito, busco um livro, um disco, um filme, busco me cercar do que faz meu inconsciente desejar a vida, podendo estar on-line quando e onde sou chamada a trabalho. Quero “plantar meus amigos” perto de mim e pra eles recito poemas, tentando trocar o afeto que nos enlaça nessa distância inesperada. Escrevo pra desenhar palavras de sossego e enquanto penso novamente que “a arte salva”, me lembro das lives diárias que nos livram de todo mal, amém.

Sinto notas e canções fazendo o amor circular, como Freud recomendou, e agradeço! Fico entre Teresas, Cristinas, Mônicas, Odilons, Verônicas, Sérgios, Affonsos, Rosinhas, fico nesse apego e não solto o acorde de ninguém... Fico com meu mantra rezando pra ser salva, esperando o dia de dizer “pra semana talvez nos vejamos, quem sabe?”.

Quero acreditar que haverá saída ao final de tudo. E, se findar, desejarei ter feito como na canção do Chico, “amores serão sempre amáveis, futuros amantes quiçá se amarão sem saber com o amor que um dia deixei pra você”... Até lá, continuo por aqui, contando meus dias, minhas noites, abrindo a tela do divã, repetindo meu mantra, recitando poemas, revendo letras do Aldir e pensando em como ele, genialmente, imortalizou tão antes o que me salva agora, “a esperança, equilibrista, sabe que o show de todo artista tem que continuar”...

A arte... salva. A esperança... também!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)