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As lições da quarentena, por Pedro Aihara

Cada um de nós foi obrigado a ressignificar profundamente a própria vida, defende o tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais


postado em 21/04/2020 04:00 / atualizado em 20/04/2020 19:40

Diário da quarentena  

O manifesto do abraço

Por Pedro Aihara
Tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais

A quarentena nos lembrou a que viemos neste mundo. Nunca estivemos tão necessitados de um abraço. Do contato físico, do olho no  olho, do cheiro específico do amaciante de roupas daqueles que amamos, do encaixe perfeito entre queixo e pescoço quando do movimento do enlace.

Um vírus com nome curioso fez com que, enfim, reparássemos naquilo que nos cerca. Em tempos de quarentena, cada ida ao supermercado ou à farmácia é uma pequena aventura. Cada metro de liberdade da rua é desfrutado com avidez. Passamos a reparar que há árvores bonitas nas ruas, descobrimos os detalhes do prédio que sempre esteve em frente à nossa casa, vislumbramos a magia que existe, para nossa surpresa, na banalidade do cotidiano.

Em casa, fomos obrigados a conviver mais com aqueles que dividem o mesmo teto. E nos surpreendemos quando vimos que dividir o mesmo teto não significa conhecer completamente alguém.

Quantos de nós não descobriram um talento escondido no irmão ou no filho? Quem não se pegou fazendo uma prece inédita, agradecendo por ter aquela pessoa ao lado neste momento tão difícil? Qual não foi a pessoa que, com o excesso de convivência provocado pela pandemia, não renovou com fé ou abandonou, decepcionado, a ideia que construiu daquela pessoa que parecia tão familiar?

Que atire a primeira pedra aquele que nesta crise não tenha lançado um novo olhar a si mesmo e àqueles que nos cercam.

Quando o medo escancara o que temos de mais humano, somos obrigados a usar novos óculos para enxergar a realidade. E que, de fato, possamos enxergar a partir de agora. Não somente ver. Que possamos enxergar as linhas bonitas de expressão que surgiram em nossas esposas e esposos, mas que só descobrimos durante a última tarde entediante da semana passada. Que possamos enxergar que nossos filhos, que achávamos que ainda eram crianças até o início do mês passado, já conversam com as namoradas por videoconferência, como descobrimos durante aquela manhã em que estávamos em casa por conta do home office.

Sobretudo, que possamos enxergar que somente o amor, aquele que vem em forma de uma xícara de café entregue por quem amamos no meio das intermináveis reuniões de trabalho por videochamadas, ou nas linhas rebuscadas dos desenhos de nossos pequenos filhos, apenas esse amor será capaz de nos alentar, acolher e tornar estes dias de isolamento, pela COVID ou qualquer outro motivo, desafios possíveis.

Amanhã, quando siglas de vírus e doenças desaparecerem de nossos noticiários e toda essa tensão parecer uma lembrança distante, não joguemos os novos óculos no lixo.

Mantenhamos, ainda que seja tarefa difícil, essa visão tão recentemente reprogramada, que percebe a beleza do grande e do pequeno amor, do gesto nobre e do ato diário, do que resplandece gigantesco, mas também do que reside nos detalhes.

Seremos cobrados, quando as gerações futuras lerem nos livros sobre este momento histórico que se estabelece, não somente pelo que estamos fazendo agora, mas por como transformamos (ou não) indigestas lições em um legado de ressignificação de valores humanos.

Se conseguirmos ressurgir de toda essa escuridão ressignificados, ainda que novas pandemias e outros vírus surjam e nos coloquem isolados fisicamente, estaremos completamente conectados nas infinitas perspectivas do amor, da colaboração e da solidariedade humana. E aí o futuro diário da eterna quarentena será muito mais suave.

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