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Em Floripa, o artista plástico João Pedro Nemer aprende a se isolar

'O aguardo tem efeitos da maresia e um ar que vem do oceano', revela ele no 'Diário da quarentena', série da Coluna Hit


postado em 18/04/2020 04:00 / atualizado em 17/04/2020 22:15

João Pedro Nemer
Artista plástico



Aquela parte entre a dobra debaixo do cabo da panela, a poeirinha que resta na taça de vinho, quase límpida.

O fio cego das facas, a colherzinha certa para medir o tempero.

As roupas, estrategicamente separadas e posicionadas, algumas já de molho e outras esperando.

A tampinha de rosca da água sanitária, a alça do balde que sempre solta quando está pesado. O pano de chão preferido e o de prato também. O ritmo e a dança da máquina de lavar roupas.

Cada fio de cabelo na faxina do banheiro, o tapetinho.

As variadas formas de entretenimento; no espelho, por exemplo, já estive de barba, cavanhaque – e agora só me resta o bigode.

Todas as folhinhas que não cessam de cair da árvore do quintal e entrar pela casa. Feliz por ter um quintal. O colchão de fazer exercício, aquela mancha no muro que reparo toda vez que deito no tal colchão para fazer flexões. O barulho da corda batendo no chão enquanto estou pulando. Os recordes pessoais batidos por nunca ter me exercitado tanto dentro de casa.

As dobras do edredom sobre a cama e a variação dos reflexos de luz que entram pela porta do quarto, marcando a tela da TV.

Não é nada que incomode, mas no trigésimo primeiro dia de quarentena percebo que o padrão de importância das minhas percepções anda um pouco alterado.

Minha vida mudou bastante nos últimos tempos, não somente pelas consequências da qua- rentena. Menos de um mês antes de iniciar o isolamento social, havia me mudado para Florianópolis com a Paulinha, minha namorada, companheira de quarentena e de vida.

Nos mudamos por motivos profissionais, mas também movidos pelo desejo antigo de morar perto do mar. Aproveitamos por alguns dias, depois nos recolhemos e voltamos a inundar nosso imaginário num aguardo que agora tem efeitos da maresia e um ar que vem do oceano.

Minha rotina de trabalho não sofreu tanta alteração como a da maioria das pessoas, tenho um ateliê improvisado dentro de casa e mantenho minha produção durante a quarentena. Neste momento, com três trabalhos em processo: um desenho, uma aquarela e um vídeo de animação. Entretanto, o “mundo da arte” está parado, como tudo mais: editais adiados, eventos desmarcados, exposições fechadas. Isso gera insegurança, então volto a desenhar, tentando minimizar seus efeitos.

No mais, sigo bem. Tocado pelo esforço dos profissionais da saúde, grato por todos que seguem trabalhando para tentar garantir que as necessidades básicas sejam supridas. E preocupado com a situação de grande parte da população brasileira, que já não tinha as necessidades básicas supridas mesmo antes da pandemia. Tento ajudar como posso.

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