Aconteceu. A maior tragédia possível do futebol mineiro. Não foi a derrocada de qualquer um. Foi a queda do único gigante. Não pelos adversários, mas por nós mesmos, que, iludidos e enganados em algum momento recente da história, negligenciamos a essência da alma cruzeirense.
Entender onde e quando isso ocorreu é o primeiro passo para a reconstrução. De um lado, batemos palma para a mediocridade de jogadores e gestores do futebol. Por outro, terceirizamos a um Conselho Paquiderme Deliberativo a expectativa de que, a qualquer momento, resolveriam a presença vexatória de dirigentes temerários e parasitas, sem nos atentar para o fato cristalino de que era na inércia desse “grupo de senhores e senhoras” e no arcaico estatuto do clube que os sustentam onde estava o nascedouro da tolerância ao malfeito.
Ao não defendermos com unhas e dentes o modo de ser da torcida cruzeirense, dentro e fora do campo, nos igualamos a clubes da parcela nefasta da elite social. A história não perdoou. Balizando pelo limite do fundo do poço, ela nos levou ao encontro deles.
O Cruzeiro só se manteve vivo até então porque fomos diferentes. Quem sempre oprimiu e vive a sonhar em ser gigante como ele chama isso de arrogância. Já nós que aprendemos desde pequeno a valorizar o suor do trabalho e das conquistas por meio dele, sabemos o nome correto: “exigência”. É crescer respeitando o passado, sabendo de onde viemos, o que somos e, principalmente, por que somos.
A história do Cruzeiro não se construiu por juízes, políticos, mecenas, falcatruas ou choros. Ela se fez pelo nosso nível elevado de exigência das arquibancadas. Ultimávamos, de um lado, futebol-arte, e, de outro, caráter e respeito à lisura do clube feito pelo povo. Graças a esse DNA de cobrança, nós, torcedores, somos os reais autores do Cruzeiro gigante e multicampeão.
Por termos nos esquecido disso em algum momento recente, a tarefa de reerguer a instituição será a mais árdua dos seus 100 anos de existência. Mas é algo intransferível. Uma missão exclusivamente nossa. Porque, agora, voltamos a entender o sentido da alma do cruzeirense: somos só nós por nós.
A bandeira deve ser única. A da obsessão por recuperarmos a essência cruzeirense de não se contentar com o pouco, o imoral ou o ilegal. Transformar sofrimento em perseguição inexorável até que essa horda se sinta envergonhada de ocupar cargos, confrarias e conselho. Tampouco pisar em qualquer estrutura arcada com o dinheiro da torcida e dos sócios.
Não se faz diferente com as mesmas pessoas e métodos iguais. Chegou a hora de os sócios do clube se rebelarem e encabeçarem a tão sonhada revolução estatutária. Para encorajá-los, reunamos os colegas das letras, da crônica esportiva, das comunicações e das artes. Cá de fora, inspirados em mestres embaixadores, como Samuel Rosa, passemos a dar suporte motivacional e midiático aos que lutarem pela mudança radical lá dentro.
Em paralelo, incentivemos grupos voluntários e sem viés eleitoral, como a Associação dos Grandes Cruzeirenses (AGC), a reunirem outros tantos em torno de um novo projeto de gestão: moderno, democrático, ousado, financeiramente viável e responsável e principalmente, “extraconfrarias”.
Entoemos nossos cânticos por Tostões, Dirceus, Fantonis, Piazzas e outros monstros sagrados para vestirem a camisa dessa transformação e, assim, colocarem as suas idolatrias para unificar uma Nação Azul de 9 milhões de apaixonados.
Sejamos fiscalizadores implacáveis, dando retaguarda aos funcionários e conselheiros honestos do clube que denunciarem a permanência de qualquer apadrinhado político ou aspone no quadro de recursos humanos e prestadores de serviço do clube.
Façamos uma vigília de amor e desprendimento pelo Cruzeiro. Somos só nós por nós! Por fim, que façamos do “assassinato” por desgosto da maior torcedora do planeta, a nossa Salomé, um marco dessa corajosa cruzada por uma mudança real e não só da hipócrita alternância de peças num mesmo tabuleiro viciado.
Vai doer, não existe qualquer dúvida. Mas se a carne é irrigada por amor ao Cruzeiro, valerá a pena.