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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

O atleticano exilado está de volta à pátria

É uma questão de pátria. A pátria do atleticano é o Atlético, ainda que ele só venha a saber disso quando cruza a fronteira ali por Extrema ou Salto da Divisa


01/07/2023 04:00
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Fred Melo Paiva
"Na Bahia-Minas, estrada natural, aporto hoje em BH, de modo que amanhã levo meu pé sempre em brasa para o laranja superior do Mineirão, na famosa Galoucura" (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 18/10/13)


Depois de 27 anos, este atleticano exilado vai embora de São Paulo. Durante essas quase três décadas, duas delas despendidas no trânsito da cidade, aprendi a falar “meu” sem abdicar do “velho”, a gastar dinheiro na lanchonete da padaria como se fosse o Fasano, e, o mais importante, a odiar o Corinthians tal qual um Flamengo, pouco mais do que o Crüzeiro, afinal o arquifreguês.

Casei, separei, casei, fiz um filho, trabalhei na Playboy, na Veja, na Trip, no Estadão, tive um total de cinco cachorros e um jabuti, vi todas as bandas punks paulistanas, vi Lou Reed e New Order, Jesus and Mary Chain e Racionais, Primal Scream e Júpiter Maçã, Dead Kennedys e Bezerra da Silva. Ganhei do São Paulo, do Palmeiras, do Corinthians, da Portuguesa, da Ponte, do Guarani, do União São João – se faltei a cinco jogos no estado de São Paulo foi muito.

Tive um Corolla e uma Mercedes 1968, um Opala 74 e uma Belina 77, um Smart e um Fusca 72. Quando roubaram meu Opala, este 73, o pior nem foi o Opala – mas a camisa do Galo com a assinatura da Beth Carvalho, com quem tinha me encontrado horas antes numa roda de samba. Ela disse “já sei”, sacou a caneta e escreveu: “Vou festejar com o Galo”. (Anos depois, na mesma roda, assinou minha camisa do AC/DC, que metaleiros achavam tratar-se da firma de Angus Young).

Enfim, me vou. Embora para a Bahia, nunca mais poderei me autodenominar atleticano exilado – o sul do estado divide-se entre Atlético e Flamengo, estou em casa portanto. Há por aquelas plagas, sem dúvida, mais  lamenguistas do que atleticanos. Mas o atleticano, quando joga fora de casa, vale três ou quatro flamenguistas, motivo pelo qual estamos sempre em maioria.

Sobre esse aspecto tenho lugar de fala. O cruzeirense saído de Minas acaba por sucumbir à moda local. Conheci vários, a maioria são-paulinos, mas, na boa fase do Corinthians, não se furtava a “sofrer” pelo alvinegro. Do mesmo tipo são os sulinos gremistas e colorados, e os sudestinos do Fluminense. Nordestinos optam pela dupla identidade.

O atleticano, não. Por algum motivo insondável, o atleticano exilado torna-se um fanático fundamentalista, mesmo que em sua terra tenha sido aquele tipo raríssimo que particularmente jamais conheci – o atleticano moderado. É uma questão de pátria. A pátria do atleticano é o Atlético, ainda que ele só venha a saber disso quando cruza a fronteira ali por Extrema ou Salto da Divisa.

Caraíva, lá vou eu. Naquela barra de rio sou o Pai do Francisco. Mas, lá chegando, ao tomar a carroça pode perguntar pelo Fred Atleticano, alcunha que conquistei ao erguer na minha casa o pavilhão alvinegro em um mastro de cerca de 7 metros de altura. É que a casa azul e branca (da Portela, veja bem) podia suscitar dúvidas. Achei por bem esclarecê-las.

Você me encontra também no Consulado Galo Caraíva, sentado à mesa falando mal da diretoria: onde estava esse pessoal em 1980, 1981, para vender nosso melhor volante para o arquirrival, o time do Wright e do Aragão? Que falta de respeito com o torcedor, isso é que dá confundir o credor com o mecenas, cruz credo, vendemos o shopping e agora negociamos a alma, que pena.

Na Bahia-Minas, estrada natural, aporto hoje em BH, de modo que amanhã levo meu pé sempre em brasa  para o laranja superior do Mineirão, na famosa Galoucura. Vou lá tomar a bênção nessa hora grave da encruzilhada da vida. E também agradecer, em nome da Fabi, o apoio de tantas pessoas que nunca nos conheceram mas que ao mesmo tempo eram da família – esse fenômeno da irmandade que se dá entre atleticanos anônimos que se cruzam na calçada vestidos de Atlético.


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