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Estado de Minas COLUNA

Indulto só para quem merece. Viva Toninho Cerezo!

Jogadoraço, protagonista em qualquer Atlético de todos os tempos, figura maravilhosa cuja história daria não um filme, mas uma série


23/04/2022 04:00 - atualizado 23/04/2022 07:32

Toninho Cerezo, jogador do Atlético
Cerezo, que completou 67 anos, é dos ídolos com a mais bonita história no Atlético, ainda que tenha vestido a camisa rival (foto: ARQUIVO EM/D.A PRESS)

Toninho Cerezo arrasta consigo uma bola de ferro amarrada no pé – é o nosso Barbosa. Seu crime foi ter dito pela manhã que jogaria de graça no Atlético ao final de sua bem-sucedida carreira e, à tarde, ter fechado com o Cruzeiro por uma bela grana.

O agravante é ter salvado o arquifreguês do rebaixamento no Brasileirão daquele ano, 1994, com um gol salvador contra o União São João, em Araras (SP). O atleticano há de se lembrar da musiquinha: “Ô, Cerezo, Cerezo mercenário, vai tomar no c., vai pra casa do c.”. A mais triste de todas as músicas de arquibancada.

Jogadoraço, garçom que ajudou a fabricar o craque Reinaldo (quem diz isso é o Rei), protagonista em qualquer Atlético de todos os tempos, figura humana maravilhosa cuja história de vida daria não um filme, mas uma série, disparado o jogador do Galo mais conhecido e celebrado no mundo, atleticano capaz de se emocionar com a simples menção à torcida – eis o Toninho Cerezo que nunca mais foi perdoado, ao contrário de seus pares que também jogaram no rival em fim de carreira, entre eles Éder e Reinaldo.

Em 2024, o “crime” de Cerezo completará 30 anos, pena máxima para o encarceramento no Brasil. Mas, assim como Barbosa, é possível que jamais se livre da bola de ferro. Ainda mais agora, com as redes sociais a permitirem que se bosteje em proporções jamais vistas. Veja (melhor não) os comentários a uma postagem do Atlético parabenizando Toninho Cerezo por seus 67 anos, no último 21 de abril: um alienígena que aqui desembarcasse pensaria que Cerezo matara uma criancinha ao vivo na televisão.

Mas vamo lá! Este escriba, na qualidade de representante da torcida do Galo (pelo menos aqui na minha casa), concede a Antônio Carlos Cerezo o indulto que bota fim à sua pena. Ou a graça, vá lá, já não sei mais o que diz a Constituição e se ela própria continua em vigor. Não importa: eu estava lá em 94 chamando o Cerezo de mercenário a plenos e justificados pulmões. Mas, em 2022, quero apenas abraçar Toninho Cerezo. Viva Toninho Cerezo! Ele merece e a gente também.

Concedo-lhe o indulto baseado na seguinte prerrogativa: uma história que eu vou te contar, prova inarredável da grandeza deste Toninho que deveria se chamar Tonhão. E do quanto esse cara é uma figura sensível e maravilhosa, atleticano, como dizia um amigo meu, até o tutano do osso.

O ano era 1978, dia seguinte à derrota na final do Brasileiro de 77, nos pênaltis, para o São Paulo. O Galo terminara aquele campeonato invicto, com 10 pontos à frente do campeão. Com a maior média de gols de um jogador no Brasileirão, Reinaldo, corajoso inimigo da ditadura, foi tirado da final numa manobra de bastidores da CBF, comandada então pelos militares. Cerezo desperdiçara sua cobrança. A foto dele ao final das penalidades, abraçado a outros jogadores do Atlético, é a imagem do campeonato.

Pois bem. Cerezo andava pela rua no dia seguinte à derrota, quando foi abordado por um menino, um pequeno atleticano acompanhado de sua mãe. O menino lamentou a derrota e lhe disse palavras de consolo. Ao fim da conversa, enfiou a mão na boca, arrancou um dente de leite e o ofereceu a Cerezo: “É um presente pra você”. Cerezo tinha 22 anos. Agradeceu e foi embora. Quatro décadas depois, Cerezo era um ex-jogador que ganhara quase tudo: a titularidade incontestável na Seleção, uma posição na Sampdoria de todos os tempos, o Mundial com o São Paulo, onde é provável que também figure no SP de todos os tempos. Caminhava pela rua, em Belo Horizonte, quando foi abordado por um homem: “Você não vai se lembrar de mim, mas eu sou uma criança que certa vez te deu um dente de presente, o meu próprio dente, que eu arranquei da boca”.

Cerezo puxou então uma gargantilha que estava pendurada no pescoço, sob a sua camisa, e aproximou o pingente dos olhos do homem: “Seu dente está aqui”. Sim, Cerezo tinha colocado o dente do menino num colar, e carregara aquilo uma vida inteira – seu amuleto. Um pedaço de Galo – sofrido como uma derrota injusta, como um dente que se arranca. Ganhou tudo, viveu o sonho de qualquer jogador de futebol, podia ter se esquecido. Mas fez questão de lembrar. E de carregar no peito, nas tantas vitórias, um pouco do Galo que ele ama tanto.

O Cruzeiro não tem tamanho pra gente seguir cancelando um cara desse, um senhor de 67 anos. Viva Toninho Cerezo! Parabéns, meu camarada, obrigado por tudo!

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