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Ad Astra: caminhos para estudar com prazer

Há caminhos suaves, sim, para chegar às estrelas! Basta descobri-los e apostar neles


05/07/2021 04:00

Estudantes em sala de aula: rigorismo vem perdendo espaço na educação(foto: Erick Gaillar/Reuters- 18/9/19)
Estudantes em sala de aula: rigorismo vem perdendo espaço na educação (foto: Erick Gaillar/Reuters- 18/9/19)
 
É bastante conhecido o provérbio latino “ad astra per aspera” ou “per aspera ad astra”. Significa, literalmente, “pelas dificuldades, aos astros”, ou, em tradução livre, “alcançar a glória por caminhos árduos, espinhosos”. As estrelas sempre têm exercido um fascínio sobre o ser humano. A expressão, bem conhecida no meio astronômico, tem servido como fonte de inspiração para diversas entidades militares (Real Força Aérea Britânica e Australiana), intelectuais e de divertimento. O adágio já inspirou filmes (recentemente, “Ad Astra – Rumo às Estrelas”, de James Gray, estrelado por Brad Pitt) e livros, como o do José Carlos de Macedo Soares (1935) ou Paul Devlin (2006), por citar alguns.
 
O adágio parece ter a sua origem no filósofo estoico Lúcio Sêneca (Córdoba, 4 a.C. - Roma, 65 d.C.), um dos mais célebres escritores e intelectuais do Império Romano. Na sua tragédia “Hercules furens”, escreve: “não é um caminho suave da terra para as estrelas”. O estoicismo, surgido originalmente na Grécia com Zenão de Cítio (334-262 a.C.), teve rápido desenvolvimento no mundo antigo, com filósofos notáveis e correntes de pensamento bem desenvolvidas.
 
Baseado numa ética rigorosa, os estoicos afirmavam que a felicidade era encontrada na dominação do homem das suas paixões em detrimento da razão. No seu uso moderno, a palavra “estóico” se refere, normalmente, a alguém que é indiferente à dor, ao prazer, tristeza ou alegria e que reprime os seus sentimentos ou resiste pacientemente. Esse uso registra-se já a partir de meados do século 16.
 
Uma errônea e radical interpretação de alguns desses conceitos se infiltrou, consciente ou inconscientemente, no mundo da religião e da educação, e assim modelaram e influenciaram o rigorismo de grandes escolas do pensamento social e religioso. Quem não se lembra dos sermões nas igrejas chamando à penitência, à renúncia e ao flagelo, à negação do corpo e dos prazeres para ganhar a alma e, assim, o céu? Somente pelas dificuldades severas se chega às conquistas permanentes, tudo o que é bom é difícil de conseguir, aprender e crescer é doloroso, mas vale a pena. Assim nos diziam.
 
A educação não ficou livre dessa influência, obviamente, e passou a ser vista por muitos como uma atividade rigorosa, de sofrimento, esforço pessoal extenuante, organização e disciplina. Era comum escutar de que “a letra com sangue entra”, normalizar o uso da palmatória e do castigo e fazer a distinção entre os bons estudantes (exaltados) e os maus estudantes (desvalorizados). Tudo bastante normalizado no sistema e sem muitos questionamentos.
 
Eu me pergunto: quem gostava de ir a uma escola dessas, a não ser obrigado pelos pais e pelo ambiente social? Que tipo de mensagem e proposta de crescimento pessoal e comunitário transmitia essa educação? Se quiser ter sucesso você tem que ralar e sofrer; o que é fácil ou prazeroso, não leva a lugar algum. Era uma filosofia educacional fundamentada apenas no esforço pessoal a qualquer preço, na concorrência no mundo do trabalho e na pressão da família para que o filho ou filha respondesse aos “padrões” exigidos e impostos pelo meio social. Salvava-se, isso sim, a convivência e o encontro com os amigos e colegas.
 
É inegável que temos avançado muito, resolvido alguns problemas e esclarecido muitas situações confusas. Mas preocupam, ainda, as pressões sobre os estudantes para passar nos vestibulares, responder aos padrões escolares exigidos pelas instituições a todos por igual e, por que não, a pressão à qual são submetidas as famílias para tomarem conta de atividades para as quais não estão, muitas vezes, nem minimamente preparadas. A pandemia tem nos mostrado inúmeros casos de crianças e jovens com depressão, desorientados, dependentes dos aparelhos eletrônicos e, não raro, alguns casos de lesão corporal e de autoextermínio. E um sofrimento imenso das famílias.
 
Em 2015, o bilionário sul-africano Elon Musk, proprietário da Tesla e da Space X, criou uma escola chamada, coincidentemente, Ad Astra. A sua ideia original era que os seus cinco filhos não se formassem no modelo das escolas tradicionais de Los Angeles, e tivessem a oportunidade de aprender de forma diferente e prazerosa. “Eu detestava ir à escola, era como uma tortura para mim”, diz ele. Hoje Ad Astra conta com entre 40 e 60 alunos que estudam juntos, embora também tenham momentos com os colegas da mesma idade.
 
A filosofia da escola é experimental, não se baseia em currículo: “A maior diferença em relação às outras escolas é que na Ad Astra não há cursos determinados pelo método tradicional”, afirma Musk. “Queremos que a educação se adapte às habilidades e aptidões de cada um. Outro princípio é a importância de ensinar a resolver problemas, concentrando-se no problema e não nas ferramentas”, conclui ele. Segundo ele, os seus filhos estão felizes e vão com prazer à escola e isso basta. A escola não tem aula de música, educação física ou idiomas (Musk acredita que os softwares de tradução simultânea tornarão o ensino de línguas obsoleto), e essas outras matérias podem ser realizadas fora da escola.
 
Ética, moral, inteligência artificial, geopolítica, matemática, engenharia e computação compõem o grosso do currículo, mas o aluno tem a liberdade de escolher quais matérias quer fazer. A escola acredita num ensino ativo, onde os estudantes produzem e pensam de fato, participando de projetos e atividades que os desafiam de maneira pessoal e grupal. A escola não usa notas e na forma de avaliação participam os adultos e os ouvintes das exposições e Teds dos estudantes. São aplicados conceitos da inteligência artificial, ciências aplicadas e programação.
 
A ideia, claro, não é que cada um crie a sua escola própria, mas sim incorporar intuições que algumas escolas mundo afora, também no Brasil, estão experimentando, num movimento que deve vir de dentro do estudante e da instituição para fora, e não vice-versa. Esforço pessoal e comprometimento, métodos e ferramentas adequados, equipe colaborativa, prazer, emoção e felicidade devem fazer parte dessa nova forma de aprender, fazer e conviver na escola. E isso deve ir para a vida. Há caminhos suaves, sim, para chegar às estrelas! Basta descobri-los e apostar neles.

Francisco Morales Cano
Diretor Educacional do Colégio Guidon, Contagem

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