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Estado de Minas EDUCAÇÃO

Uma sociedade sem escolas? O que está em questão?

A ideia é o resgate de uma escola aberta, dialógica, estratégica e desenhada para aprender o tempo todo e em qualquer lugar


21/06/2021 04:00 - atualizado 21/06/2021 08:11

(foto: Karolina Grabowska/Pixabay)
(foto: Karolina Grabowska/Pixabay)
O debate sobre a “desescolarização da sociedade” não é novo. Ele voltou agora: pela pandemia, que limitou radicalmente a presença física da comunidade nas instituições escolares; pela intenção de muitas escolas voltarem, no pós-pandemia, com uma proposta de “ensino híbrido”, e pelo questionamento à obrigatoriedade da escolarização tal e como está posta, trazido à cena pelo conservador movimento do direito (a) ao “ensino domiciliar” (homeschooling).

Embora com interesses diferentes e muitas vezes conflitantes, todos eles carregam uma característica comum: menos presença física na escola. O tema vale mais do que um bom debate!

Completam-se agora 50 anos do livro que colocou em pauta, de forma visionária e contundente, essa questão: “Sociedade sem escolas”, de Ivan Illich. Illich, nascido em Viena, fez estudos em Florença e na Universidade Gregoriana de Roma, e exerceu como padre em Nova York.

Após um período como vice-reitor da Universidade Católica de Porto Rico, em 1961 fundou o Cidoc (Centro Intercultural de Comunicação) em Cuernavaca, México. O Centro foi fechado em 1976, após inúmeros conflitos com o Vaticano.

A partir de 1980, e após deixar o ministério de padre, lecionou filosofia e ciência, tecnologia e sociedade nas universidades de Bremen, Alemanha, e Pensilvânia, nos Estados Unidos. Faleceu em 2002, em Bremen, de um câncer no rosto, que ele chamava de “minha mortalidade”.

Illich foi um pensador vigoroso, autor de uma série de críticas às instituições da cultura moderna, seja a educação (“A escola e a repressão dos nossos filhos”), a medicina (“Nêmesis da Medicina: a expropriação da saúde”), a convivência humana (“A convivencialidade”), o trabalho (“O direito ao desemprego criador”), ecologia e gênero (“A celebração da consciência”), entre outros.

Realmente, um autêntico polímata, que, além do mais, era fluente em 10 línguas. Illich foi um autor visionário e criador de um acervo impressionante, que merece ser (re)visitado por educadores, pedagogos, psicólogos, sociólogos e outros profissionais das diversas áreas.

O seu livro mais famoso, “Deschooling society”, foi publicado em 1971. Traduzido ao português com o título de “Sociedade sem escolas”, já gerou críticas desde o início, pois a tradução mais correta deveria ser “Desescolarizando a sociedade” ou, ainda, “Sociedade desescolarizada”.

O trabalho é uma crítica contundente ao sistema educacional das sociedades contemporâneas e provocou estupefação e debates no meio educacional.

Disse ele: “A educação universal por meio da escolaridade não é possível. Nem seria mais exequível se se tentasse mediante instituições alternativas criadas segundo o estilo das escolas atuais. Nem novas atitudes dos professores para com os seus alunos, nem a proliferação de novas ferramentas e métodos físicos ou mentais..., nem mesmo a intenção de aumentar a responsabilidade dos pedagogos até o ponto de incluir a vida completa dos seus alunos teria como resultado a educação universal. A busca atual de novos canais educativos deverá ser transformada na procura do seu oposto institucional: redes educativas que aumentem a oportunidade de cada um transformar cada momento da sua vida num outro de aprendizagem, de partilha e de interesse”.

Illich se mostra favorável à autoaprendizagem, apoiada em relações sociais intencionais, fluidas e informais. Segundo ele, a institucionalização da educação acaba favorecendo a institucionalização da sociedade. Por isso, desinstitucionalizar a educação pode ser um ponto de partida para desinstitucionalizar a sociedade. Além das críticas, ele propõe criar “redes de aprendizagem”, apoiadas em tecnologias avançadas, que lembram muito a internet atual.

Essa autoaprendizagem forneceria foco para o estudante, tornando-o sujeito ativo, e quebraria a rigidez dos “roteiros preestabelecidos” pelo professor e pela instituição escolar para todos os seus alunos.

“A escola é um rito iniciático que introduz o neófito à carreira sagrada do consumo progressivo”, diz ele. Ou ainda, “a escola parece estar destinada a ser a igreja universal de nossa cultura em decadência”.

A ideia de que ensinar/aprender não está mais restrito ao monopólio das escolas, e , sim, deve permear a sociedade toda, foi consolidada, embora com um viés mais gerencial, pelos ideólogos da chamada “Sociedade do Conhecimento”. Nomes de intelectuais como Alvin Toffler (“A terceira onda”), Peter Drucker (“Sociedade pós-capitalista”) e Peter Senge (“Escolas aprendem: A quinta disciplina”) se posicionam nesse sentido.

Christian Laval adverte, porém, do perigo que esse posicionamento carrega, afirmando categoricamente que “a escola não é uma empresa”. Mas, de uma ou outra maneira, as paredes escolares foram arrombadas e os limites da atividade educacional alargados, como ficou claramente demonstrado no ensino superior com a consolidação da educação a distância (EAD), já comum mundo afora.

Hoje, já se fala de um modelo de “escola figital” (físico + digital emocional e social), onde esses campos convivam de forma harmônica e com ênfase ora num, ora noutro. O modelo levanta inúmeras perguntas, que respondem a inúmeros desafios novos:

– Se converterá “a escola física” num espaço dialógico de encontro e sociabilização, lazer e cultura, inovação e artes, esporte e autoconhecimento, na diversidade e riqueza da comunidade escolar? Será também lugar e momento de revisão, reorganização e orientação presencial e troca de saberes?

– Como será “a escola conectada”, para onde realmente as formas de ensino e aprendizado parecem migrar, de forma mais criativa e lúdica, atraente e participativa para os estudantes? Nessa escola, expandida pelo digital e ubíqua, as formas de aprender se multiplicam em lugares, espaços, modelos e tempos; a qualquer hora, em qualquer lugar, o tempo todo.

– Qual peso e valor terá “a dimensão socioemocional da escola” na formação pessoal e para a cidadania dos seus integrantes, no respeito ao pluralismo e à democracia, na emoção do encontro com o outro e com a natureza, na empatia e na construção de liberdade e justiça? Qual será, o novo papel do professor e dos agentes formativos?

A ideia, pois, não é desescolarizar a sociedade. Pelo contrário, é o resgate de uma escola aberta, dialógica, estratégica (o quê e quando) e desenhada para aprender o tempo todo e em qualquer lugar. Uma escola que ilumine a sociedade e tenha como ponto de partida não as respostas, mas as perguntas complexas do mundo atual. Como ela ainda não existe, o desafio e a tarefa é ajudar a construí-la!

*Diretor educacional do Colégio Guidon, em Contagem

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