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Estado de Minas Legado da pandemia

Com resgate do valor da saúde, ciências humanas dão a volta por cima

Combate ao novo coronavírus ajudou no processo de reafirmação da importância da ciência e da tecnologia no controle de doenças e nas relações virtuais, e com isso há uma revalorização do homem, da sua situação e perspectivas, e, por consequência do ensino


05/10/2020 04:00 - atualizado 04/10/2020 22:38

Na educação, a valorização da observação, reflexão e análise do que ocorre com as pessoas e ao redor delas levará a uma ação mais empática, holística e adequada para rehumanizar o futuro (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press -3 3/7/20 )
Na educação, a valorização da observação, reflexão e análise do que ocorre com as pessoas e ao redor delas levará a uma ação mais empática, holística e adequada para rehumanizar o futuro (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press -3 3/7/20 )

Aconteceu em Londres, em janeiro passado, a 36ª edição da Bett Educar. Com mais de 40 mil congressistas, entre visitantes e participantes, a Bett Educar tem se tornado um dos mais importantes eventos educacionais do mundo, sempre aguardado com interesse e grande expectativa. Tive o privilégio de estar presente em Londres na versão 33ª no que resultou ser para mim uma experiência realmente interessante.

Na época, fiquei muito impressionado como a feira estava dominada pela tecnologia e o futurismo: robótica, prototipagem, realidade virtual, plataformas de tecnologia e, claro, o onipresente conceito STEM, que depois virou STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes, Matemática), dominava os seminários e discussões. Substituíram livros, móveis escolares, louças eletrônicas e brinquedos, tradicionalmente presentes nas feiras e congressos de educação. Destaque, também, para as mais de 150 startups presentes, com as suas novidades, desafios e aparentes “maluquices” educacionais. Saí de lá com a nítida impressão de que o “mundo das exatas/tecnológicas” tinha varrido de vez do cenário educacional os sonhos e as utopias apregoados pelas “humanas”. O papel dessas será, daqui para frente, cada vez mais irrelevante e secundário, pensei.

A mesma sensação se confirma quando a gente vê a propaganda dos grandes grupos educacionais ou “escolas vitoriosas”. O destaque cabe, sempre, ao número de aprovados em medicina, engenharias ou área tecnológica. Estou para ver, ainda, alguém se orgulhar publicamente, de ter passado X número de alunos em geografia, história ou arte. Nem há o que dizer de filosofia, ética ou educação física. Essas carreiras são entendidas como “menores” e sempre relegadas a segundo ou terceiro plano, aptas para aqueles que não conseguem entrar no Olimpo do saber científico e têm que se conformar com as migalhas.

Em comunicado emitido pela UFMG sobre as maiores notas de corte no SISU 2020, estão no topo cinco áreas, pela ordem, medicina, engenharia aeroespacial, engenharia química, direito e ciências da computação. Entre as cinco menos buscadas e, portanto, com corte menor, estão física, estatística, arquivologia, biblioteconomia e letras, em último lugar. Isso dá uma noção exata do que estamos apontando.

As matérias de corte humanista foram perdendo popularidade, espaço e valor se relacionadas com aquelas que entendemos como as que realmente nos preparam para o mercado laboral. Essa mesma ideia se transportou às nossas famílias. Toda família enche a boca para propagar que o filho ou a filha passou para medicina, algumas das engenharias ou outros cursos das chamadas “carreiras de ponta”, que teoricamente são as que garantem um “bom lugar” na sociedade, prestígio e dinheiro. A boca é pequena para dizer que o filho ou filha passou em história, geografia ou educação física. Nem há que falar, se o caso é filosofia, sociologia ou arte. Talvez a única exceção fique por conta das línguas estrangeiras, principalmente o inglês, vistas como necessárias no mundo moderno do trabalho.

A pandemia parece ter ajudado a dar uma reviravolta nesse panorama. Ao mesmo tempo que se reafirma a importância da ciência e da tecnologia no combate às doenças e nas relações virtuais, há uma revalorização do humano, a sua situação e perspectiva. Nesse contexto, a London School for Economics acaba de elaborar um termo bem interessante, SHAPE: Social Science, Humanities and the Arts for People and the Economy (Ciências Sociais, Humanidades e Artes para as Pessoas e a Economia), numa tentativa de incentivar aos estudantes a optarem por essas disciplinas acadêmicas. Trata-se de uma nova visão de que elas são necessárias para a rehumanização da sociedade e das pessoas, tanto social como econômica.

As “ciências humanas” são importantes e necessárias para a nossa formação. Ajudam a entender melhor a sociedade, o meio ambiente e a cultura e, assim, intervir nelas de forma mais coerente, comunitária e sustentável. A valorização da observação, reflexão e análise do que acontece em nós mesmos e ao nosso redor, nos levará a uma ação mais empática, holística e adequada para rehumanizar o futuro. Essas habilidades se apresentam, cada dia mais, como fundamentais para todos os seres humanos. Como a London School for Economics nos lembra: “essas matérias (literatura, história, geografia, arte, línguas, ética, filosofia), nos capacitam para analisar, interpretar, criar, comunicar e colaborar com rigor, clareza e energia”. Motivação, emoção, criatividade, empatia, visão holística e trabalho em equipe ganham, assim, novos contornos que tornam esses conteúdos cada vez mais valorizados.

Não se trata de estabelecer uma competição entre blocos (STEAM versus SHAPE) e sim fomentar a sua integração para um desenvolvimento formativo integral, necessário para um futuro sustentável. Trata-se de equiparar e entender que as habilidades críticas, humanas e artísticas são próximas das estimuladas na área científica. Habilidades como disposição para a aprendizagem continuada, adaptação frente ao novo e imprevisível, criatividade e inovação, gestão das emoções, comunicação, pensamento crítico e liderança, empatia e capacidade de relacionar-se são cada vez mais valorizadas.

Claro que, com declarações como as do Ministro da Educação (?) Milton Ribeiro (“hoje ser professor é quase que uma declaração de que a pessoa não consegui fazer outra coisa”) resulta difícil prever um horizonte lisonjeiro no Brasil. Vamos unidos, pois toca remar contra!

• Francisco Morales foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH durante 20 anos. Atualmente, é diretor pedagógico do Grupo Educacional Vereda.

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