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Educação e solidariedade

Entrar no mundo das ONGs voltadas para a educação, das escolas de baixo custo, de propostas alternativas e aparentemente malucas, tem sido uma revolução educacional e tanto'


postado em 10/02/2020 04:00 / atualizado em 08/03/2020 18:54

A educação tem criado o seu próprio labirinto. Atualmente, ela se vê enredada em um emaranhado de tecnologias educacionais (mais de 300 mil aplicativos), inúmeras metodologias, tendências didáticas e modelos diferentes de organização escolar, fruto de movimentos inovadores e tentativas de resposta, numa sociedade complexa e distópica, marcada pela tecnologia, que pode ser usada como instrumento de controle e manipulação por estados ou instituições.

Nesse sentido, nos alerta o filósofo Byung-Chul Han num de seus últimos trabalhos (No Enxame. Perspectivas do Digital, Vozes). Nele, o filósofo sul-coreano reflexiona sobre os perigos da tecnologia digital predominante, que está nos convertendo de sujeitos de respeito (com perspectiva, olhar profundo) em meros espectadores (engolidos pelo espetáculo, pela proximidade anônima). A primeira nos aproxima do mundo do pensamento, da reflexão e do relacionamento respeitoso; a outra nos devora pela tormenta de informações, superficialidade e narcisismo. “Vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito, e se você não é um vencedor, a culpa é sua”, diz ele.

É a “sociedade do espetáculo”, como a definiu no seu livro, o pensador marxista francês Guy Debord. Estamos, segundo Han, numa sociedade que desvaloriza a memória em prol de uma hipervalorização do momento e que favorece, midiaticamente, uma indignação sentimental, que não tem repercussão política, e, portanto, nada muda; no oposto, está a ira, que organiza as massas para uma atuação política de câmbio em função das maiorias. É preciso resgatar o nós e sair do isolamento, do individualismo consumidor e narcisista.

Apesar disso, o mundo da educação não deixa de nos surpreender gratamente, cada vez mais. Isso desde que decidamos romper com os limites da educação formal encaixotada e as barreiras impostas por instituições que enxergam a educação de forma passiva e tarefeira. Entrar no mundo das ONGs voltadas para a educação, das escolas de baixo custo, de propostas alternativas e aparentemente malucas, tem sido uma revolução educacional e tanto. Há muito “louco bom e sonhador” solto por aí, felizmente.

Falando nisso, encontro-me num aeroporto de SP com o meu amigo Evaldo José. Ele é um extraordinário profissional que, durante muitos anos, alternou o trabalho pedagógico em escolas, com a narração na rádio de jogos de futebol pelo Brasil afora, e que o tornaram famoso pelo seu refrão “lindo, lindo, lindo” a cada gol marcado. Botafoguense de coração! Agora quer dar um passo à frente e está de partida para África, por segunda vez.

Enquanto almoçamos, me conta que o seu destino é o Campo de Refugiados de Dzaleka, que está sob os auspícios da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), mais concretamente em Malawi, fronteira com a Tanzânia. O campo, idealizado para umas 3.500 pessoas, alberga hoje mais de 44 mil refugiados, em condições precárias e indocumentados, o que os impede de abandonar o câmpus sob qualquer hipótese. Lá, segundo Evaldo, encontram-se professores, advogados, médicos e toda sorte de outros trabalhadores e trabalhadoras com as suas famílias, numa luta diária por buscar a subsistência, dar sentido ao que parece não ter e pensar um futuro digno para eles. A maioria dos refugiados são provenientes da República Democrática do Congo, Etiópia, Somália e Ruanda (quem não se lembra do impressionante relato de Philip Gourevitch, “Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias”.?  Evaldo permanecerá por lá quase três meses, representando a ONG “Fraternidade sem Fronteiras”. A família ficou no Rio de Janeiro, num combinado e difícil jogo afetivo de xadrez.

A missão é dirigir uma escola para crianças de 3 a 5 anos e fazer um trabalho educacional que vai além da simples alfabetização e letramento básico. Trata-se de construir outros olhares, resgatar dignidades, apontar novos futuros e devolver a humanidade. Pura solidariedade! E eu me pergunto: o que leva a grupos de educadores pelo mundo afora a se aventurarem no desconhecido, hostil até certo ponto, largando as famílias, seus países e uma vida razoavelmente confortável, para tocar escolas precárias, passar necessidades físicas e emocionais, falar uma língua diferente e dar boa parte das suas vidas e recursos a uma missão sem resultados aparentes? Penso que é nesse limite que o ser professor abandona o status de profissão para converter-se em missão e elevar esse fazer a um patamar acima. Se um é nobre, o outro é sublime. É a parte mais sublime da humanidade, que eleva a todos nós!

Movimentos como o que Evaldo e outros pelo mundo afora estão fazendo, apontam caminhos alternativos também para a educação formal, entulhada de conteúdos descartáveis, confusa face às centenas de milhares de novas tecnologias e baseada numa visão de sociedade que está alimentada pelo narcisismo e o consumo.

Quem sabe se nós educadores, e a educação como tal, resgatássemos alguns princípios básicos simples como “a competência pedagógica e administrativa, a sensibilidade social e ambiental e a solidariedade ativa, com o ser humano como centro” não estaríamos retomando o essencial da tarefa educacional?
Quem sabe?

Francisco Morales Cano foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH por 22 anos. Atualmente é diretor pedagógico do Grupo Educacional Vereda

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