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Estado de Minas DIREITO E INOVAÇÃO

Uma vitória do Cruzeiro na Justiça do Trabalho

Ex-preparador físico teve pedido de vínculo negado e decisão abre debate sobre pejotização e empregados hipersuficientes


02/06/2022 08:13 - atualizado 02/06/2022 08:51

Antônio Mello, quando trabalhava no Cruzeiro
Antônio Mello, quando trabalhava no Cruzeiro (foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro)


A prestação de serviços por meio de uma pessoa jurídica afasta o vínculo empregatício entre o trabalhador e o contratante.

Esse foi o entendimento do Juiz da 24ª Vara do Trabalho, Charles Etienne Cury, ao julgar improcedente o pedido formulado pelo ex-preparador físico do Cruzeiro, Antônio Mello, em ação proposta contra o clube e a S.A.F. A sentença foi publicada na última terça, dia 31/05 (processo 0010041-76.2022.5.03.0024). 

Integrante da equipe do técnico Vanderlei Luxemburgo, Mello, como é conhecido no meio futebolístico, pleiteou também o pagamento de parcelas que alcançavam o montante de R$ 490.000,00. Afirmou que, ao ser contratado, foi obrigado a constituir uma empresa para que não houvesse o recolhimento dos encargos trabalhistas.

O Juiz, porém, entendeu que a suposta fraude não foi comprovada pelo preparador físico e que ele mesmo reconheceu, em depoimento, que tinha autonomia para prestar seus serviços, devendo se reportar apenas ao técnico da equipe. Ou seja, se o autor da ação não comprovou que o contrato de prestação de serviços escondia uma relação empregatícia, a contratação por meio da constituição de uma pessoa jurídica é plenamente válida. Além de ter seu pedido julgado improcedente, o profissional poderá ter que pagar custas processuais e honorários advocatícios aos advogados do Cruzeiro (associação) e da S.A.F.

- Leia: 
Nova decisão da Justiça do Trabalho ameaça SAF do Cruzeiro

É de se esperar que a decisão seja levada ao Tribunal Regional do Trabalho de Minas para uma nova análise do caso. Podemos esperar, também, que haverá uma ampliação da discussão sobre dois temas relacionados a ela.

O primeiro deles refere-se à chamada pejotização nas relações trabalhistas. O termo é utilizado para descrever a prática de contratação de serviços de um trabalhador, por meio de uma pessoa jurídica da qual ele é sócio. A prática é condenada por alguns porque, em muitos casos, é adotada para encobrir uma relação de emprego e, com isso, sonegar o pagamento de encargos trabalhistas e previdenciários.

- Veja: Dívidas trabalhistas e tributárias, um risco para a SAF

Durante anos, a maioria dos juízes da Justiça do Trabalho seguia a presunção de que a contratação de profissionais por meio de P.Js. era fraudulenta. Ainda hoje, muitos deles interpretam a questão desta forma. Em muitos casos há, realmente, motivos para esse entendimento. Um exemplo clássico que lhe dá força são as falsas cooperativas formadas por trabalhadores a pedido do patrão. Ali, há, de fato, uma simulação. Trabalhadores com inequívoco vínculo de emprego, passam a integrar uma pessoa jurídica e abrem mão de férias, 13°, FGTS, previdência e outros direitos. Fazem isto porque não têm escolha. 

Mas e quando a pessoa contratada por meio de uma PJ é um profissional de alto nível técnico e intelectual? No caso dele, essa presunção de fraude também deve prevalecer? Vale destacar que, em muitos casos, o próprio profissional opta por esta forma de contratação para recolher uma alíquota menor de imposto de renda e para poder escolher seu próprio regime de previdência, após receber um “salário” sem descontos. 

Imagine um médico que presta serviços para uma clínica, por meio de uma pessoa jurídica, ou um alto executivo que faz o mesmo para uma grande empresa. Imagine, então, o preparador físico da equipe do Vanderlei Luxemburgo. 

Difícil imaginar que esses trabalhadores não têm liberdade ou autonomia para discutir os termos de seus contratos de trabalho. Tanto têm que são chamados de empregados ou trabalhadores hipersuficientes. Este será, sem dúvida, o segundo tema levado ao Tribunal na ação envolvendo o prepararador físico Antônio Mello e o Cruzeiro.

Desenvolvida pela doutrina trabalhista, essa noção de hipersuficiência foi incorporada à CLT, após a chamada reforma trabalhista de 2017. O artigo 444 da Lei prevê maior eficácia aos ajustes contratuais realizados por empregados portadores de diploma de nível superior e que recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do teto da previdência, o que hoje corresponde a cerca de 14 mil reais.

Cuidou, portanto, o legislador de trazer um critério objetivo para se reconhecer um maior grau de autonomia para certos empregados negociarem seus contratos. Há, então, uma contraposição à clássica ideia de hipossuficiência do empregado na relação trabalhista. E a idéia de hipersuficiencia pode ser utilizada, também, para situações em que se discute o vínculo de emprego. Enquadra-se aí, a pejotização.

Em decisão recente proferida na reclamação 47843, a primeira turma do STF, por maioria, julgou lícita a contratação de médicos como pessoas jurídicas por um hospital da Bahia. Nos votos vencedores foram citados precedentes da corte sobre terceirização (ADPF 324 eTema 725) e  a questão da ausência de hipossuficiência de alguns profissionais. 

O Ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, destacou a necessidade de um tratamento diverso para os trabalhadores que não são hipossuficientes. Segundo ele, não são só médicos, hoje em dia, que não são hipossuficientes, que fazem uma escolha esclarecida por esse modelo de contratação. Professores, artistas, locutores são frequentemente contratados assim, e não são hipossuficientes. São opções permitidas pela legislação.

Diante da posição adotada pela corte suprema do país, tudo indica que a aplicação do conceito de trabalhador hipersuficiente pode se consolidar em nossa jurisprudência. Por outro lado, não parece ser adequada a adoção de um critério objetivo para sua aferição, como consta hoje na CLT.

Uma decisão em outro caso envolvendo também o Cruzeiro mostra isso bem. John Lennon, jogador com rápida passagem pelo clube, ao ser demitido, assinou um termo de acordo para receber suas verbas rescisórias de forma parcelada. No ajuste feito, concordou que, se houvesse atraso no pagamento das parcelas, ele não cobraria a multa prevista em lei. 

Após o Cruzeiro atrasar o pagamento, o atleta ingressou com uma ação e requereu a multa. Seu pedido foi indeferido tanto pelo juiz de primeira instância quanto pelo Tribunal Regional do Trabalho. Ao julgar o recurso interposto pelo jogador, a desembargadora Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo entendeu que ele era hipersuficiente para compreender os detalhes da negociação, mesmo que não tivesse diploma superior (processo 0010636-07.2019.5.03.0113). 

Pensemos, também, na situação inversa. O reconhecimento da hipossuficiência de um trabalhador diplomado e a declaração de nulidade de determinada cláusula do contrato de trabalho (ou de sua contratação por  meio de uma PJ). Seria, plenamente, possível.

Enfim, como se costuma dizer nas aulas do curso de Direito, tudo dependerá da análise do caso concreto.

E não podemos deixar de destacar essa vitória do Cruzeiro na justiça do trabalho que, diferentemente do que vem ocorrendo em campo, ainda é coisa rara.  

O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É, também, sócio fundador do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia. 

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br
 

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