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Estado de Minas CORAÇÃO DE MÃE

Hino do Partido Velho

Respeitem o isolamento social, mas assumam uma postura de resistência diante de mais esta luta contra o preconceito'


postado em 12/04/2020 04:00









Preocupado com as escapulidas da mãe, que faz parte do grupo de risco para a COVID-19, pois tem mais de 60 anos, o filho faz vigília o tempo todo. Não pode, não faz isso, não faz aquilo, não sai, não bebe, não, não e não. A mãe, que sempre foi livre e independente, está se sentindo refém, prisioneira, ameaçada por um vírus, mas tem certeza de que o isolamento é fundamental e necessário para todas as idades. Uma doença grave e mortífera para crianças, jovens, adultos e velhos do mundo todo. Afinal, com o tempo, ela também ganhou de presente a sabedoria.
 
Parênteses necessário: (Mãe e filho estão juntos nesta quarentena, pois têm o antivírus do amor. O filho faz mimos para a mãe, vez ou outra prepara o almoço, ajuda na limpeza da casa, sai para passear com o cachorro – e, principalmente, apresenta para a mãe vídeos, entrevistas, talk-shows de canais do YouTube. Gosta de Gregório Duvivier como a mãe, que pode ficar atualizada. Juntos, eles assistiram a um dos vídeos sobre a quarentena apresentado por Duvivier, com o nome de “Velhofobia”. O título desta crônica, por exemplo, a mãe pediu emprestado a Duvivier.).
 
Jorge Félix, amigo dessa mãe, mora em São Paulo e é especialista em economia da longevidade. Ele também acredita que os velhos estão sendo mais estigmatizados com o surgimento do supervírus, porque a sociedade já tem o preconceito internalizado. Ele chama a postura de idosismo. A mãe complementa com gerontofobia ou velhofobia, não importa. Bastou dizer que o vírus tinha maior letalidade entre as pessoas de mais idade para virar "uma doença de velhos". Ele lançou recentemente o segundo livro Economia da longevidade – O envelhecimento populacional muito além da Previdência, pela Editora 106 Ideias. Imperdível nesses duros tempos.
 
Digo, então, velhos do mundo, uni-vos. É chegada a hora de voltar para casa enquanto durar a ameaça, mas não se acostumem, de novo, com a camisola, o pijama, a televisão 24 horas por dia, a cadeira de rodas e os braços fincados na janela. Há muito, esses itens e posturas já foram banidos da vida dos que têm mais de 60 anos. A COVID-19 pegou mais de 30 milhões de velhos no meio de um movimento que estava sacudindo a poeira do velho conceito de envelhecer. Uma pausa é urgente sim, mas há uma rebelião dos novos velhos no ar, porque o envelhecimento populacional não vai parar. Num futuro que está batendo à porta teremos mais velhos do que jovens. Preparem-se e parem de ouvir impropérios de quem não tem amor à vida e ao semelhante, como “entre um jovem e um velho, escolha o último para morrer”.
 
Velhos do mundo, uni-vos! No Partido Velho não tem vez para funk, sertanejos, música eletrônica nem retrocesso. No Partido Velho tem Chico Buarque, de 75 anos; Milton Nascimento, de 77; Caetano Veloso, de 78; Rita Lee, de 72; a revolucionária Jane Fonda, de 82; papa Francisco, de 83; Pepe Mujica, que completa 85 em maio deste ano estranho. Juntos, vão repetir o refrão, alto e bom som: “Somos velhos, e daí?”. Afinal, eles fizeram a revolução de comportamentos.

Integrantes da geração baby-boomer, que chegou ao mundo após a Segunda Guerra, os integrantes desse partido fizeram coisas do arco da velha. Nem Matusalém acreditaria. Participaram da libertação das mulheres, viram o homem pisar pela primeira vez na Lua, inventaram a pílula anticoncepcional, se transformaram em donas do próprio corpo. Viram a crueldade da ditadura militar no Brasil e lutaram, com unhas, garras e dentes pelo fim desse período de trevas.

Velhos do mundo, uni-vos! Pois aprenderam com o tempo que tudo passa, que o coração é mais forte que o revólver em punho, que a indiferença para com o outro mata tanto quanto qualquer vírus ou bactéria.

Velhos do mundo, uni-vos. Alguns desses novos velhos já estão na toca há muito tempo, porque não concordam com o rumo que o país está tomando. Rita Lee é uma delas, que se enfurnou em um sítio com plantas e bichos. Ela, como outros de sua geração, conheceram e batalharam pela alimentação sem agrotóxicos, optaram por uma horta e um quintal no lugar da confusão generalizada.

No Partido Velho, eles são defensores da natureza, dos bichos, das plantas, das baleias, dos rios, dos oceanos, das cachoeiras e de um mundo melhor e mais limpo, mesmo que não tenham conseguido deter a degradação do meio ambiente, uma das responsáveis por esse coro- navírus. Pelo menos tentaram. Como continua fazendo até hoje a atriz e militante Jane Fonda.

Abaixo os partidos novos com cheiro de mofo e cobertos de teia de aranha. Abaixo políticos que querem enterrar as conquistas, os sonhos, porque o Partido Velho tem integrantes sérios e espiritualizados, como o teólogo Leonardo Boff, de 81, que defende a ecologia humana. Tem o papa Francisco, de 83, um homem do século 21, que debaixo de chuva, sozinho na Praça São Pedro, continua lutando e rezando pelo bem comum.

Velhos do mundo, uni-vos! Passada esta crise, continuem a cantar, dançar, escrever, a viajar, a voar de asa-delta, continuem unidos em um projeto de vida e não de morte. Respeitem o vírus que não é para brincadeira, mas continuem a acreditar que este mundo caótico está com os dias contados. Respeitem o isolamento social, mas assumam uma postura de resistência diante de mais esta luta contra o preconceito.

Depois desta pandemia, o mundo nunca mais será o mesmo. Velhos do mundo, uni-vos em quarentena, mas deletem a indiferença, a hipocrisia, o engodo, a falsificação, “o que não tem jeito nem nunca terá”, só para terminar com uma frase de uma letra de Chico Buarque – e Reza, de Rita Lee:  “Deus me acompanhe/Deus me ampare/Deus me levante/Deus me dê força”.

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