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Estado de Minas CARLOS STARLING

Atraso na vacinação infantil vai preencher centenas de caixões brancos

Quando vejo governantes dizendo que a mortalidade infantil por COVID-19 no Brasil é insignificante, sinceramente, tenho arrepios


29/01/2022 06:00 - atualizado 29/01/2022 08:24

Enfermeira prepara aplicação de dose contra COVID-19
'Espero que o maravilhoso sistema imunológico da maioria das crianças seja capaz de, com uma dose, reduzir significativamente o risco dessa doença terrível', diz Carlos Starling (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Quando menino, morei na Rua 20, número 67 em Ibiá, MG. Na porta minha casa passavam os cortejos fúnebres. As pessoas subiam a pé para o cemitério num ritual precedido por um anúncio pelo autofalante do Cine Brasil, com a música Exodus de Ernest Gold de fundo.

Até hoje, quando ouço essa música, uma pergunta me ocorre imediatamente, quem morreu?
 
Em sinal de respeito, todas as lojas fechavam as suas portas quando o cortejo fúnebre passava. Quanto mais gente no cortejo, maior a importância social do falecido e da família.
 
Todos igualmente tristes.

Mas o que me assustava terrivelmente eram os cortejos menores com caixões brancos. Eram muito mais frequentes e, geralmente, não tinham pompa ou circunstância. Às vezes, crianças acompanhavam o cortejo e até carregavam o pequeno caixão branco.

Geralmente, pessoas simples passavam de chinelo que, vez por outra, arrebentavam a tira e ficavam pelo caminho, assim como as lágrimas derramadas.
 
Não havia anúncio no autofalante e nem as portas das lojas se fechavam.

O cortejo, simplesmente passava, quase ignorado.
 
Era difícil para mim acreditar que crianças morriam. 

Com o tempo, esses enterros foram reduzindos a ponto de se tornarem raros. Na época, eu não era capaz de correlacionar a redução dos cortejos de caixões brancos com as campanhas de vacinação que ocorriam no Grupo Escolar Dom José Gaspar, onde eu estudava. 

Ainda hoje, quando discuto mortalidade infantil, me lembro das lágrimas, dos chinelos e do soluço das mães que subiam a Rua 20.
 
Quando vejo governantes dizendo que a mortalidade infantil por COVID-19 no Brasil é insignificante, sinceramente, tenho arrepios.

Como fomos tão insanos para eleger seres tão repugnantes, insensíveis e perversos, capazes até mesmo de protelar o acesso da população infantil à vacinação, medida mais eficaz para se evitar os cortejos fúnebres de caixões brancos?!

Equivocadamente, achava-se no princípio da pandemia que as crianças eram naturalmente protegidas contra o SARS-COV-2. Com o tempo, fomos vendo que as crianças se infectam, têm quadros graves, ficam com sequelas e morrem dessa doença numa proporção semelhante e, algumas vezes, maior que os adultos.

As sucessivas variantes do novo coronavírus foram tornando essa percepção cada vez mais clara. Aos poucos, a COVID-19, particularmente as formas mais graves, foi acometendo cada vez mais as pessoas não vacinadas. E, pior, também as crianças!  

Cerca de 60% das crianças tinham alguma doença de base que as tornavam mais vulneráveis. Alguns eugenistas usam as comorbidades como justificativa para esses óbitos, esquecendo-se de que essas crianças estavam vivas, mesmo com comorbidades!! Além disso, fragilidade é um indicador de maior necessidade de proteção, em sociedades civilizadas.
 
Mas, tão grave quanto, são os outros 40% de crianças que não tinham doença alguma de base. Essas na sua maioria, moram nos locais mais pobres e distantes dos nossos olhos.
 
São crianças para as quais as portas jamais se fecharão por ocasião do seu cortejo fúnebre. Na realidade, essas portas nunca estiveram abertas para elas. 

No atual momento da pandemia, o atraso gerado pelo próprio Ministério da Saúde na aquisição de vacinas para imunização das crianças preencherá dezenas, ou até centenas de caixões brancos pelo Brasil afora. Ficarão os chinelos perdidos pelo caminho, os quais deveriam esquentar o traseiro e a consciência dos que por absoluta negligência surrupiaram dessas crianças o direito de viver.

Meu desejo era ver todas as crianças voltando para as salas de aula com a alegria que percebo nos olhos das minhas filhas ao vê-las saindo de mochila nas costas para a escola, com a segurança de terem recebido as duas doses de qualquer uma das vacinas pediátricas aprovadas pela Anvisa contra a COVID-19.
 
Infelizmente, isso não será possível por falta de vacina e de tempo hábil para vaciná-las. Mas, dos males o menor, elas voltarão com pelo menos uma das doses de vacina. 
 
Espero que o maravilhoso sistema imunológico da imensa maioria das crianças seja capaz de, com essa uma dose, reduzir significativamente o risco de desenvolverem formas graves dessa doença terrível.

Caixões brancos sempre me assombraram.

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