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Estado de Minas ARTIGO

'Tenho anticorpos para COVID-19, eu agora sou imune?'

Essa mesma pergunta tem sido feita pelos cientistas desde o início da pandemia


(foto: Pixabay/Reprodução )
(foto: Pixabay/Reprodução )
Na coluna de hoje, terei a visita ilustre da Dra. Denise Garret, médica, epidemiologista, mineira de BH, formada pela UFMG em 1986, com a qual tive o prazer de realizar um importante trabalho sobre a eficácia de diferentes estratégias de prevenção da tuberculose em profissionais de saúde. O trabalho teve o suporte técnico científico do CDC de Atlanta dos EUA, tendo sido coordenado pelo Dr. Willian Jarvis. 


Em Belo Horizonte foi conduzido em parceria com a Comissão de Controle de Infecções Hospitalares do Hospital Júlia Kubistchek da FHEMIG- Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais.
  
Tão rica quanto a experiência científica que tivemos, foi a convivência com a Dra. Denise e todo o time de pesquisadores. Profissional, meticulosa e extremamente cuidadosa no trato das questões científicas, não por acaso ocupa hoje o cargo de vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington, e está à frente de uma das pesquisas para o desenvolvimento de vacina para o novo coronavírus.

Quando tomei conhecimento de uma excelente matéria escrita por ela para o BRPolítico sobre aspectos imunológicos da COVID19, imediatamente a contatei para solicitar-lhe autorização para reproduzi-la nesta coluna.

Trata-se de um dos temas mais polêmicos e enigmáticos desta epidemia, o qual foi abordado de forma clara e extremamente didática. 

Espero tê-la conosco novamente, em breve.

“Uma das perguntas que mais tenho recebido nos últimos dias é sobre imunidade para o novo coranavírus.“Tenho anticorpos para COVID-19, eu agora sou imune?” Essa mesma pergunta tem sido feita pelos cientistas desde o início da pandemia.

A comunidade científica recebeu com entusiasmo os primeiros relatos da presença de anticorpos – moléculas produzidas pelo sistema imune para lutar contra a infecção – em pacientes com COVID-19. A produção de anticorpos sinaliza um certo grau proteção contra uma segunda infecção. Mas esse entusiasmo durou pouco. Em junho, um estudo publicado na Nature Medicine mostrou que a duração média de anticorpos encontrados no sangue dos 37 pacientes estudados foi de apenas dois a três meses.

Esta semana, resultados de um trabalho realizado por pesquisadores da King’s College em Londres foram ainda mais desanimadores. Os pesquisadores monitoraram os níveis de anticorpos no sangue de 65 pessoas positivas para COVID-19 por mais de três meses. A maioria dos pacientes (60%) desenvolveu uma potente resposta de anticorpos contra o vírus, com pico em três semanas depois do início dos sintomas. Mas depois de três meses somente 17% mantiveram essa resposta.

Já que anticorpos são um componente importante na imunidade, podemos então concluir que com o desaparecimento deles não estaríamos protegidos contra uma segunda infecção pelo SARS-COV-2, o vírus da COVID-19? Não é tão simples assim. Aliás, em se tratando de imunidade da COVID-19, nada é muito simples.

O sistema imune é como um exército

Para defender o nosso organismo contra doenças, nosso sistema imune é composto de um exército de células que se utilizam de várias armas diferentes. Anticorpos são apenas uma dessas armas. Se perdemos uma das armas, não significa que a batalha também está perdida.

Uma outra arma poderosa desse exército de defesa são as células T, que são capazes de detectar e matar as células infectadas pelo vírus. Alguns cientistas acreditam que as células T têm uma parte importante na resposta contra o SARS-CoV-2. Mas como é muito mais difícil medir a resposta dessas células do que medir os níveis de anticorpos, não temos muitos dados sobre o papel das mesmas.

Em um artigo ainda in press, cientistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles discutem o papel dessas células T em orquestrar nossa defesa e no desempenho final da nossa resposta imune – ou seja, se ganhamos ou não a batalha contra a COVID-19. Um outro estudo detectou células T que reagiam ao SARS-CoV-2 em 100% dos 20 pacientes estudados. As mesmas células também estavam presentes em participantes infectados por coronavírus humanos que causam o resfriado comum.

Isso indica que uma exposição passada aos coronavírus endêmicos pode estar desempenhando algum papel protetor contra o novo coronavírus. Corroborando esses achado, um artigo recém-publicado mostrou q células T ativadas estão presentes em pacientes convalescentes (n=36), pacientes recuperados após SARS há 17 anos (n=23) e também em indivíduos sem historia de SARS, COVID-19, e sem contato com pacientes de SARS/COVID-19 (n-37).

Embora animadores, esses resultados devem ser interpretados com cautela uma vez que se faz importante entender a relevância
clínica desses achados na proteção conferida e duração da imunidade. Então, com a presença das células T depois do desaparecimento de anticorpos isso significa que estamos imunes depois de uma infecção? Mais uma vez, não é tão simples assim.

As perguntas ainda sem resposta

Pesquisas já responderam várias perguntas à respeito de como nosso sistema imune responde ao novo coronavírus, sugerindo que depois de infecção por SARS-CoV-2 a maioria das pessoas vai desenvolver uma certa resposta imune. Sabemos que em outras coronaviroses – a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) – a resposta imune persistiu por alguns anos, indicando que as pessoas foram protegidas pelo menos durante esse tempo. Por outro lado, sabemos também que a imunidade conferida pelas coronaviroses humanas endêmicas que causam o resfriado comum é muito curta, já que podemos ser re-infectados repetidamente.

Em se tratando da imunidade para a COVID-19, ainda temos várias perguntas sem respostas. Ainda não sabemos o grau de imunidade conferido pela resposta imune e nem por quanto tempo essa imunidade dura. Precisamos de mais pesquisas, principalmente estudos longitudinais para estabelecer a longevidade e significado clínico da reposta imunológica após infecção natural. O esclarecimento dos mecanismos e da duração dessa resposta é essencial para o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o novo coronavírus, e até mesmo acelerar esse processo. As vacinas são apenas um meio de acionar nosso sistema imunológico contra o vírus. No final, é o nosso sistema imunológico que faz todo o trabalho.

Falando de vacina

Uma infecção pelo novo coronavírus não é a única maneira de conseguirmos imunidade para COVID-19. Vacinas podem induzir essa imunidade muito antes de termos contato com o vírus – elas treinam os nossos soldados de defesa a reconhecer e eliminar o SARS-CoV-2 antes que o mesmo tenha a chance de causar dano ao nosso organismo. A boa notícia é que, assim como a pandemia se espalha em uma velocidade sem precedentes, a comunidade científica do mundo inteiro está mobilizada para desenvolver uma vacina em uma velocidade nunca vista.

Temos mais de 150 vacinas sendo desenvolvidas, algumas já sendo testadas em ensaios clínicos. E os resultados são muito promissores

Quando comparado a outros vírus mais furtivos e complicados – por exemplo, influenza e HIV – o novo coronavírus é um alvo relativamente fácil e um bom número das vacinas em teste tem o potencial de ser efetivas em estimular imunidade contra a COVID-19.

Em circunstâncias normais, o desenvolvimento de uma nova vacina levaria anos. Mas com o apoio de organizações não-governamentais, agências governamentais e órgãos regulatórios, esse processo foi acelerado tremendamente. No lugar de correr em silos e sequencialmente, as pesquisas estão ocorrendo de maneira colaborativa e simultaneamente. Temos também um aumento sem precedentes no investimento financeiro. Muitos países já iniciaram produção em alta escala das vacinas em teste, mesmo que isso signifique a perda do investimento naquelas que não forem bem sucedidas. Além disso, há esforços liderados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), juntamente com outros parceiros e vários países, para garantir um acesso rápido, justo e igualitário às vacinas em nível global.

Se tudo correr bem nos ensaios clínicos e a segurança e eficácia das vacinas em teste forem comprovadas, teremos uma vacina pronta no fim desse ano ou início de 2021. As vacinas iniciais podem não oferecer proteção total, mas certamente fornecerão maior proteção do que temos agora – e com o tempo serão seguidas por vacinas melhores.

Mesmo que proteção total não seja alcançada, podem reduzir a incidência de doenças graves e morte. Também é possível que uma vacina parcialmente eficaz, em combinação com um medicamento antiviral parcialmente eficaz, possa conferir proteção quase total. Em vista das incertezas discutidas acima sobre a longevidade da imunidade conferida por infecção natural pelo SARS-CoV-2, talvez as pessoas precisem de reforços vacinais de tempos em tempos.

Outro fator a ser considerado são as constantes mutações sendo observadas, que com o tempo podem levar à mudanças no vírus. Isso significa que a única maneira de se induzir uma imunidade apropriada para a COVID-19 seria através de vacinações múltiplas, assim como a vacina sazonal para o influenza. Mesmo com essas possíveis limitações, as vacinas são a nossa melhor aposta para vencer a luta contra a COVID-19.

Enquanto a vacina não vem… 

Mais de 30 milhões de pessoas em todo o mundo já adoeceram com o novo coronavírus, levando a mais de meio milhão de mortes. No Brasil já são 4,5 milhões de casos e mais de 135.031 mil mortes. Precisamos de uma vacina o mais rapidamente possível. Mas enquanto a vacina não vem, a lei internacional de direitos humanos obriga os governos a, baseados em evidências científicas, tomarem medidas para proteger a saúde da população e prestar assistência médica àqueles que dela necessitam.

Minimizar a pandemia, oferecer soluções mágicas não comprovadas cientificamente e se omitir em adotar uma estratégia de controle efetiva na espera de uma imunidade de rebanho que levará à perda de milhares de vidas desnecessariamente, além de um equívoco perigoso, é uma violação direta aos direitos de todo cidadão. Com a falta de boa liderança, as escolhas individuais e ações coletivas se tornam fatores cruciais na diminuição da transmissão do vírus. Por mais que falemos em retomar nossa vida, a realidade é: existe um vírus letal circulando e não seremos capazes de voltar a nada parecido com o normal – ou seja, vida sem distanciamento social, quarentenas, máscaras e outras medidas de controle – até que a maior parte do mundo tenha sido vacinada contra o vírus.

Eu comecei este artigo com uma pergunta que nós cientistas temos tentado responder. Vou terminar com outra pergunta. Uma pergunta que deve ser respondida por todos nós como indivíduos: qual é a minha responsabilidade em diminuir a propagação da COVID-19 e proteger vidas? Com a falta de liderança e de uma vacina, enquanto não houver uma conscientização individual do impacto que podemos ter no coletivo – a conscientização de que uma inocente ida à manicure nessa fase crítica da pandemia pode resultar na contaminação e até morte de alguém – o SARS-CoV-2 não vai ter nenhum trabalho em continuar achando suscetíveis para infectar.”

* Denise Garrett é cientista e médica epidemiologista. É vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington, e está à frente de uma das pesquisas para o desenvolvimento de vacina para o novo coronavírus. Atuou por 20 anos no Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos.

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