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Estado de Minas padecendo

Violência obstétrica

O combate à violência obstétrica é uma luta para que a violência de gênero, tão enraizada na nossa sociedade, não se reproduza neste momento tão delicado


19/12/2021 04:00





Quando falamos em violência obstétrica, muitas mulheres ainda associam esse termo à obstinação pelo parto normal/natural. Vale lembrar que são coisas totalmente distintas. Não é uma luta contra as intervenções médicas necessárias.

Em setembro deste ano, a influenciadora Shantal sofreu violência obstétrica. No áudio que circula pela internet, ela diz que não consegue assistir ao vídeo do parto, pois teria sido xingada pelo profissional a todo momento. "Ele me xinga o parto inteiro. Ele fala 'p*rra, faz força, p*rra, filha da mãe. Viadinha, ela não faz força direito, que ódio. Não se mexe, p*rra!”

Algumas pessoas questionam o motivo de ela não ter feito nada naquele momento. Imagino que essas pessoas nunca tenham parido. No momento do parto, a gente quer que a criança nasça com saúde e não consegue ficar analisando o que está acontecendo, e não sabe o que é violência obstétrica. A gente escolhe um médico e confia nele. Mas o que parece ser o profissional dos sonhos pode se tornar um pesadelo.

Violência obstétrica não é exceção, não é caso isolado, é algo que acontece com 25% das parturientes no nosso país. É violência. E considerando que a maioria das pessoas não tem noção de o que pode ter sido sofrimento desnecessário ou não, é muito provável que esse percentual chegue a ser incrivelmente maior.
 
 
Mãe e filho após o parto
(foto: Depositphotos)
 
Quando meu filho nasceu, em 2009, eu não tinha ideia do que era violência obstétrica. Embora eu tenha ficado desconfortável em vários momentos, e meu marido ter ficado horrorizado com a cena do médico apertando a minha barriga empurrando o bebê enquanto a médica tentava puxá-lo pela cabeça e eu não conseguia fazer força deitada naquela maca com as pernas para cima, naquele momento eu só queria que meu filho nascesse e senti um alívio enorme ver aquele bumbum que acabara de sair de dentro de mim.

Não pude ficar com ele no colo por mais que cinco minutos, logo o tiraram de mim e o levaram para o berçário. Era madrugada quando a médica acabou de me dar muitos pontos e foi embora. Eu fiquei sozinha por mais de uma hora na recuperação. Aqueles pontos foram dados por causa da episiotomia e da laceração que sofri, mesmo tendo passado por aquele procedimento. Aliás, em nenhum momento foi me dada a opção de fazer ou não essa episiotomia.

Levei anos para entender que tudo aquilo que me deixou desconfortável e deixou meu marido com a impressão de que o cenário de um parto normal parece um açougue era violência obstétrica. Eu queria ter tido um parto normal onde eu fosse protagonista, mas não tive participação ativa nenhuma. Eu queria que meu filho tivesse ficado comigo o tempo todo, mas ele foi levado. Esse era o padrão, então, naquele momento; embora sofrendo, achei que era normal e que estava tudo bem.

Tentar abreviar o tempo de trabalho de parto, seja rompendo a bolsa sem a permissão da mulher, realizando episiotomia ou usando medicação, é violência obstétrica.

Meu caso não teve nada muito agressivo, não teve ninguém me ofendendo, como acontece com tantas mulheres. Especialmente com mulheres pretas e pobres. O racismo está presente até nesse momento. Mulheres pretas são consideradas mais fortes, parideiras por excelência. Por acreditarem que elas sentem menos dor, as chances de não receberem anestesia na hora do parto é muito maior.

Se uma influencer como a Shantal, que fez seu parto num hospital particular, com o médico dos sonhos que ela escolheu, sofreu violência obstétrica, imagina o que acontece com mulheres que não têm direito de escolha.

O sistema de saúde privado atende mais pacientes brancas. A violência obstétrica sofrida por essas mulheres costuma ser referente a cesarianas desnecessárias ou uso de ocitocina para induzir o parto. No SUS, a maioria das pacientes são mulheres negras e essas estão sujeitas a outros tipos de violência. As mulheres negras têm duas vezes mais riscos de morrer durante o parto.

O combate à violência obstétrica é uma luta para que a violência de gênero, tão enraizada na nossa sociedade, não se reproduza neste momento tão delicado e vulnerável da mulher. Casos que se tornam públicos como o da Shantal Verdelho servem para revelar para a sociedade o que acontece com gestantes num dos momentos mais importantes de sua vida. A violência obstétrica precisa ter um ponto final.

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