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Estado de Minas PADECENDO

A caixinha da maternidade atípica

Vivemos em uma sociedade que condena mulheres que não querem ter filhos e que, ao mesmo tempo, abandona as mães


29/08/2021 04:00 - atualizado 29/08/2021 13:26

(foto: depositphotos)
(foto: depositphotos)

Às vezes, a gente passa a vida tentando caber numa caixa muito pequena, como se tentasse colocar um tubarão em uma lata de sardinha. Como se nos entregassem um daqueles brinquedos infantis onde encaixamos sólidos em aberturas planas, e queremos colocar a esfera na abertura triangular. Ela nunca vai se encaixar lá.

Era assim que ela percebia seu filho. Ele sabia onde cada sólido se encaixava, mas ele não conseguia se encaixar em lugar nenhum. Era uma esfera saltitante, com muita energia, tentando entrar numa casinha quadrada pequena demais para ele.

No começo, ela tentou fazê-lo caber naqueles espaços. Não por ela, mas por causa dos olhares dos outros. Os julgamentos. A necessidade de ter todo mundo dentro de um padrão.

Tentativas vãs que causavam sofrimento a ambos. Então ela entendeu que precisava amar aquela caixinha de surpresas, amá-la do jeito que ela era. Amar o pacote completo, deixando as expectativas de lado. Se abriu para o mundo e abriu o mundo para ele. Cuidou sem querer nada em troca, aprendeu.
 
Descobriu que ele tinha transtorno de déficit de atenção. Embora o TDAH não seja reconhecido como deficiência, TDAH é uma expressão da neurodiversidade que traz dificuldades. Ele tinha o diagnóstico e isso a libertava das cobranças e de toda a angústia. Estava tudo bem.

Como estava tudo bem para aquelas amigas que eram mães de garotinhos autistas. E todas aquelas amigas que eram mães de crianças com síndrome de down, e mães de crianças com paralisia cerebral, e tantas mães atípicas que amavam muito seus filhos do jeito que eles eram.

Não tem nada de errado em ver o mundo de um jeito diferente. Não tem nada de errado ser diferente. Somos todos diferentes. Quando a gente entende isso, a vida fica mais leve.

O problema é saber disso e ter que lidar com quem não sabe disso, não aprendeu, não quis saber, não quis mudar.

O problema para ela, e para todas as outras, era ter que viver em um país onde o ministro da Educação faz afirmativas discriminatórias em relação aos estudantes com deficiência. Um país que quer retroceder e segregar estudantes com deficiência em escolas “especiais”, contrariando a Constituição Federal. Um país que quer retomar um paradigma da educação de 50 anos atrás.

Crianças com deficiência não atrapalham ninguém. Não é impossível conviver com crianças com deficiência. Quem atrapalha é o poder público com tantas falas discriminatórias e que não providencia a implementação da Lei Brasileira de Inclusão.

Filhos te sacodem, te movem, te obrigam a se reinventar e a descobrir coisas dentro de si que você tinha medo de mostrar para o mundo. Filhos te impulsionam para lutar por eles, pelos direitos deles. Ela ia lutar para que ele, e todos os outros filhos, tivessem a vida, o respeito e os direitos que eles merecem ter.

Vivemos em uma sociedade que condena mulheres que não querem ter filhos e que, ao mesmo tempo, abandona as mães. E o abandono às mães atípicas é ainda maior. O que muita gente não sabe é que existe um universo inteiro dentro da caixinha de surpresas que nós recebemos.

Entre as lágrimas de quem sabia de todas as renúncias feitas pela escolha de ser mãe, havia também as lágrimas de frustração de quem teria que lidar com toda essa ignorância. Havia lágrimas de quem reconhecia todas as recompensas e crescimento. Lágrimas de amor que transborda. O significado de ser uma família e de reconhecer a força interior que a tornava capaz de mudar o mundo por eles.


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