Ela via a maternidade como sinônimo de servidão. Via as mães como aquelas mulheres que não têm voz. Mulheres cujos corpos eram usados para satisfazer os desejos masculinos e gerar filhos. Mulheres que cuidavam da casa, dos filhos e do marido. Lavando, passando, cozinhando. Trabalho diário, sem descanso, sem feriado ou fim de semana. Sem férias. Trabalho invisível aos olhos da sociedade.
Estudou para ser uma profissional bem-sucedida, ganhar bem e não depender de ninguém. Mas queria ter fi- lhos. Embora não quisesse carregar aquele peso de ser mãe. A falta de elogios e o excesso de reclamações.
Apesar de tudo, a construção histórica do papel da mulher foi mais forte que ela. Subiu no salto, usou lingerie sexy, se depilou e fez o que pôde para não envelhecer, porque mulher também não tem esse direito. Casou-se. Pariu e se tornou aquilo que nunca quis ser.
Aguentou as noites de insônia, acompanhou as tarefas da escola, levou para vacinar, ficou checando a temperatura acompanhando a febre, limpou vômito, pegou aquela virose. Preocupou-se em dar uma alimentação saudável. Acompanhou o crescimento. Levou para passear. E foi chamada de chata um milhão de vezes. Educar é chato.
Um dia se cansou e disse que estava cansada de fazer esse papel de chata. A resposta que ouviu foi: “Então, faz o papel do meu pai”.
Entendeu tudo nesse momento, mãe e chata são sinônimos. Não tem como ser uma boa mãe sem ser chata. E chata virou elogio. Sempre que era chamada de chata, ela pensava: estou fazendo o certo, estou de parabéns!.
Ser mãe é o trabalho mais difícil do planeta. Mas neste momento ela sente que as coisas estão mudando. Está em casa em quarentena com a família. Sente saudades dos passeios ao ar livre. Saudade de sair com as amigas para desabafar e tomar uma taça de vinho. Sente saudade de encontrar a família, seus irmãos, seus pais e seus sobrinhos.
Mas pode ver a vida de outro ângulo, uma nova perspectiva.
A vida no isolamento é menos corrida, não tem trânsito, não tem correria para deixar os filhos no horário na escola. Tem mais tempo para estar com aqueles com quem escolheu compartilhar sua vida.
O cuidar começa a fazer mais sentido. Existe prazer nas atividades do- mésticas. Descobriu que gosta de cozinhar, de cuidar de plantas. Viu que não tem nada de errado com o trabalho da mãe, o trabalho doméstico, o trabalho de cuidado com a família. Errado é como esse trabalho, o mais essencial e importante de todos, não é reconhecido. Não é valorizado, não é remunerado. Essa é a base do capitalismo, a servidão da mulher.
Quanto vale o trabalho de uma mãe? Quanto valem todos os anos de dedicação para educar uma criança? Tem como colocar preço?
Abraços, beijos, agradecimentos a fazem feliz. Mas não pagam suas contas.
Oi energia elétrica, um beijinho para você, obrigada! Condomínio, beijos de luz! Aluguel, fica aqui meu abraço!
Então alguém apareceu dizendo que o segundo domingo de maio é o Dia das Mães. E naquele único dia do ano ela recebia um presente e um pouco de reconhecimento por todos os outros dias de esforço e dedicação.
A nova realidade que chega com a pandemia do coronavírus está resgatando o que havíamos perdido há séculos, aquilo que o patriarcado nos tirou.
Valorize o trabalho doméstico.
Valorizem o trabalho que dá ser mãe, educar, cuidar, ser a chata da relação.
Valorize sua mãe, sua irmã, sua tia, sua amiga, sua sogra, sua vozinha e todas as mulheres que fazem o melhor pela família.
Nosso trabalho vale muito!
Feliz dia daquela que faz o trabalho invisível que é completamente indispensável para qualquer sociedade.
Que comece o matriarcado!