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Enchentes: quando a natureza cobra pelos nossos erros

Precisamos entender que não somos o centro do universo, que a natureza não existe para nos servir%u2019


postado em 16/02/2020 04:00

(foto: Depositphotos)
(foto: Depositphotos)

 
Rua Helvécia, 143, Nova Suíça. Esse foi meu primeiro endereço em Belo Horizonte. Era 1979 e eu tinha 4 anos.Era uma rua de uma quadra só. Uma rua sem saída, de um lado só uma escadaria de acesso à rua perpendicular, que ficava num nível bem mais alto. Nossa casa tinha garagem, muro e quintal, como outras casas daquele lado da rua. Do outro lado, uma ocupação irregular, casinhas sem reboco, barracos. Aquelas casinhas se equilibravam às margens do Ribeirão Arrudas.
 
Na rua de calçamento, crianças brincavam de bola, amarelinha, cinco- marias. Era o espaço que elas tinham para se divertir. Elas não tinham quintal, nós tínhamos. Eu estudava em uma escola particular. Muito cedo eu entendi que minha vida era melhor que a de muita gente. Que aquelas crianças que brincavam na rua não tinham as mesmas oportunidades que eu.
 
Em 1983, vi uma enchente pela primeira vez. O Arrudas transbordou, levando várias casas e moradores da nossa vizinhança. Eu ia fazer 8 anos e ainda me lembro daquele cenário de destruição. De ver um colchão passar boiando na correnteza. Aprendi que o ribeirão tem um leito, e tem um leito expandido, para quando chove muito. Aprendi que as pessoas estavam ocupando um espaço que era do rio. Mas qual seria o espaço destinado a quem foi colocado à margem, esquecido pela sociedade e pelo poder público? Eu conhecia aquelas pessoas. Elas estavam ali por necessidade, e não por escolha.

Lembranças da infância ditam o que somos no presente

Anos depois, aquela parte do ribeirão também foi canalizada, o “progresso” tirou as pessoas. A margem do ribeirão virou avenida. Décadas depois, as enchentes continuam acontecendo. Não respeitamos o leito expandido dos rios. O que fizemos com as cidades? Cobrimos os rios que poluímos, tentando esconder a sujeira. Asfaltamos tudo. Construímos nas margens. Impermeabilizamos todo o solo.
 
O homem acha que pode domar a natureza. Não adianta pedir proteção divina quando a responsabilidade é nossa. Falta saneamento. Falta coleta de lixo. Falta educação ambiental. Falta mudar os hábitos de consumo. Passou da hora de nos reconectarmos com a natureza. Nós somos parte dela. Formei-me em arquitetura e urbanismo, trabalhei regularizando edificações.
 
Vi de perto muitas construções com acréscimo de área sem aprovação, sem habite-se. Quando chegava na questão da área permeável, quando a pessoa precisava quebrar o piso que havia colocado no quintal ou no jardim para regularizar suas casas, os clientes reclamavam. Não queriam ter uma área permeável, não queriam terra, queriam cimento. Não entendiam que a lei prevê uma área permeável para garantir o mínimo. E, depois do habite-se, adeus terra! “Agora já posso cimentar tudo!”
 
E a ocupação urbana desordenada, especulativa segue. As casas vão sendo substituídas por prédios altos, os quintais vão sendo engolidos pelo concreto. Chamam isso de progresso. Essa mania de querer sugar o máximo de tudo, sem pensar no coletivo, nem no amanhã? Sempre jogando a responsabilidade para os outros. Esse mau exemplo vem passando de uma geração para a outra. É esse exemplo que estamos dando para os nossos filhos. Continuaremos ignorando os riscos ou vamos mudar de atitude?
 
Depois de tantas décadas destruindo, precisamos resgatar o que foi perdido. Precisamos entender que não somos o centro do universo, que a natureza não existe para nos servir. Somos parte do todo, somos seres minúsculos com um ego enorme. Narcisistas irresponsáveis que fazem bobagens e depois ficam pedindo a Deus por um milagre e jogando a culpa nos outros.
 
A solução passa por mim, passa por você, passa por escolhas de consumo. Passa pelo poder público e políticas ambientais. E para que o poder público tome medidas efetivas, é preciso que a sociedade se mobilize. Está claro que o que antes era considerado progresso é um atraso. O caminho para o desenvolvimento sustentável é longo. O homem não domina a natureza, o homem é parte dela. Reconecte-se.

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