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Estado de Minas

Moradores de rua


postado em 13/07/2019 04:00 / atualizado em 12/07/2019 13:03

 
Quando o jornal funcionava na Rua Goiás, eu voltava para casa todos os dias subindo pela Avenida Álvares Cabral. Na esquina da avenida com a Rua Espírito Santo, no passeio central, praticamente em frente à Casa do Jornalista, duas pedintes imaculadamente vestidas pediam esmola todas as tardes. Impressionava-me a limpeza de ambas, da roupa comprida ao pano com que cobriam a cabeça. Eram simpáticas, ficavam numa boa para quem dava ou não dava esmola. Saí de férias e, quando voltei, as duas tinham sumido. Senti a falta, já que faziam parte da paisagem do local. Quis saber o que tinha acontecido e me informaram que ambas eram aposentadas, tinham dinheiro no banco e foram retiradas da rua pelos órgãos competentes. Sumiram no mapa, nunca mais apareceram em esquina nenhuma.

O mesmo não acontece com o mendigo que habita, há anos, a Avenida Prudente de Morais, numa marquise embaixo do prédio da entidade dos cirurgiões dentistas. Sua presença sempre foi notada, porque era um morador de rua totalmente diferente. Seu espaço tinha colchão, travesseiro, roupa de cama, de preferência estampada, e, de um lado e outro do colchão, ele sempre usava umas divisórias feitas por caixas vazias. Numa dessas batidas feitas pelos serviços da prefeitura para recolher moradores de rua, ele sumiu. Senti sua falta, porque gostava de notar como é que ele cuidava de seu espaço, com acomodações mais do que cuidadas, com o varal de roupas que, volta e meia, tinha uma peça. Não parecia nem de longe com esses arranjos que vemos por toda a cidade, feitos com divisórias de cobertores, móveis descartados e muita sujeira. Ele está de volta há alguns dias, com a mesma montagem de sua “residência”: colchão forrado com lençóis estampados, travesseiro, divisórias feitas por caixas vazias. Parece que nunca saiu dali. Voltou, como morador que volta a apartamento de onde saiu de férias.

Muito parecido com ele é o outro que fez um “conjunto habitacional” numa conjuminância de ruas no Bairro Gutierrez, acima da Avenida Francisco Sá. Fica em frente ao sacolão que eventualmente frequento e cujos donos me informaram que ele aluga seus “apartamentos” com muita frequência. E mantém um perfeito serviço de água e lixo, usando uma série de latas vazias, que deve recolher pela vizinhança. Sua arquitetura é bem cuidada, tem pé direito legal, é cercado por tecidos que tapam completamente o interior, ninguém vê nada dentro. E, de brincadeira, os donos do sacolão avisam que aqueles são os melhores apartamentos do bairro, estão sempre ocupados.

Tenho uma irmã que implica bastante com essa minha mania de cadastrar moradores de rua. Não entende a razão de tanto interesse, mas esse acompanhamento certamente fará parte da importância que a vida tem. Melhor acomodar-se em qualquer lugar do que debaixo da terra. Sigo tanto essa mania que até em Paris tinha meu morador de rua. Todas as noites ele se acomodava, impassível, na base de uma estátua que fica em frente ao meu hotel, Le Madison. Em pleno Boulevard Saint Germain. Ele aparecia sempre bem vestido, terno completo e, nos dias mais frios, usava agasalho. É claro que fui perguntar a ele como se mantinha ali. Ele contou que recebia refeições dos restaurantes que ficavam próximos e que não ficava durante o dia para não incomodar os moradores do hotel em frente, que permitia sua presença, numa boa. Mas preferia ficar ali à noite, porque contava com a proteção dos funcionários do hotel, para não ser molestado enquanto dormia. 

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