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Estado de Minas

Nas lojas, consumidor revê compra de carne

Operação Carne Fraca, da PF, levou as pessoas a desconfiarem dos produtos nas gôndolas dos supermercados


postado em 18/03/2017 09:43 / atualizado em 18/03/2017 11:11

São Paulo, 18 - A dona de casa Maria Aparecida da Conceição, de 41 anos, sempre questionou a procedência da carne que escolhia para a família e só comprava produtos de marcas conhecidas - como as que foram alvo da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, nesta sexta. “Tenho um filho pequeno, que dá trabalho na hora do almoço, e só comprava carne moída para ele, justamente da marca que disseram no noticiário que misturava o produto com papelão. É uma falta de respeito, é a comida que a gente compra com tanto esforço para os filhos. Nunca mais vou comprar dessa marca, se eu quisesse levar um monte de papelão, iria na papelaria.”

Em filas de açougues e mercadinhos da capital paulista, o consumidor que acordou com a notícia de venda de carne fora da validade, estragada e com substâncias que trazem riscos à saúde, ficou preocupado, mas sem saber o que fazer para não levar produto deteriorado para casa.

O restaurante em que Paola Tamires, de 29 anos, é cozinheira deixou de servir carne vermelha há uma semana, para desaprovação da clientela, desde que os donos começaram a reparar na má qualidade do produto que compravam para servir.


“Eu cozinho para cerca de cem pessoas todos os dias, em um setor em que a concorrência é tão acirrada que qualquer deslize na qualidade da comida pode custar a perda de clientes. Só por cortar a carne vermelha, devemos ter perdido uns 15 consumidores fiéis, mas não dava para arriscar servir daquele jeito. Agora, soubemos que o frango também tinha problema. Se a gente deixar de servir frango também, vamos servir o que para as pessoas?”

“Daqui a pouco, açougueiro vai ser igual a mecânico para muita gente, você só vai comprar de um em que confiar muito”, compara o auxiliar de cozinha Raimundo de Oliveira, de 35 anos. “Eu, que trabalho há muitos anos no setor de alimentos e ainda consigo ter uma noção melhor da qualidade da carne, às vezes compro gato por lebre. Imagina uma dona de casa que guarda o dinheiro curto para ir ao supermercado uma vez por semana. É muita maldade vender comida estragada.”

Na gôndola de frios de um mercadinho, a diarista Maria Elenice, 49 anos, olha desconfiada para a pilha de acém em promoção. “Está ficando cada vez mais difícil saber o que a gente deve ou não colocar no carrinho. Não se sabe a origem. Na semana passada, compramos alguns quilos de carne, dessas marcas famosas, que têm comerciais com artistas de novela, para comemorar o aniversário do meu marido. Descobri em casa que não prestava. Agora, só compro carne fresca, quando me animar de levar.”

Estratégia

O comerciante José Carlos Evaristo, de 56 anos, vai adotar estratégia parecida. Ele, que compra carne semanalmente, tanto para o consumo diário quanto para o churrasco de fim de semana, disse que sempre olha com atenção para o aspecto do produto, prazo de validade e procedência.

“A gente sabe que esse tipo de coisa ainda acontece, mas me espantei ao saber dessa operação da polícia. Agora, só venho fazer compras no dia de entrega da carne, para tentar levar o produto fresquinho. Nem assim me livro de levar um produto ruim. Às vezes, o aspecto da mercadoria congelada engana e só descobrimos que fomos enganados na hora de cozinhar.”

Em um açougue na zona Norte de São Paulo, o auxiliar de um cursinho preparatório para vestibulares, Peterson Francisco de Sousa, de 32 anos, rapidamente faz as contas de quantos churrascos tinha dado em casa no ano passado, bem menos do que antes da crise.

“Desse jeito é que os churrascos vão ficar cada vez mais raros. A verdade é que o consumidor tem poucos recursos para se defender. A gente escolhe um açougue de confiança, tenta ficar atento ao prazo de validade e desconfia de promoções muito boas. Só que no fim acabamos nos guiando pela aparência e ficamos nas mãos desses fornecedores aí”, diz Sousa. 

Empresas tentam proteger marcas

São Paulo e Rio, 18 -
Qualquer que seja o desfecho da Operação Carne Fraca, que investiga irregularidades em frigoríficos brasileiros, o dano às marcas envolvidas no noticiário de ontem está feito, na opinião de especialistas em marcas e marketing consultados pelo Estado. Para evitar problemas maiores, a ordem às empresas - em especial às líderes BRF (dona de Sadia e Perdigão) e JBS (Friboi e Seara) -, é dar explicações convincentes ao consumidor.  

O mercado reagiu muito mal, o que é um sinal de que a notícia divulgada ontem afeta a reputação das empresas”, disse Eduardo Tomiya, vice-presidente da Kantar Vermeer. Para Jaime Troiano, presidente da Troiano Branding, as marcas líderes têm a vantagem de ter um “saldo” com o cliente, permitindo que se recuperem de uma crise. “Por outro lado, é surpreendente. São empresas que não deveriam estar envolvidas nesse tipo de problema.”

Tanto BRF quanto JBS buscam agir rapidamente para controlar danos. As empresas divulgaram comunicados, tanto em TV aberta quanto em outras mídias, como jornais, revistas e internet, para dizer aos consumidores que têm confiança em seus processos industriais.

A BRF afirma, em seus anúncios, que “não compactua com nada que coloca em risco sua credibilidade e alta reputação”.

Imagem  

Como os frigoríficos investem em garotos-propaganda famosos, há também a questão de como a imagem de uma empresa pode afetar a celebridade que a endossa - a lista da JBS já incluiu um contrato milionário com o cantor Roberto Carlos.  

Nesta sexta, o ator Tony Ramos, que faz comerciais da Friboi, disse: “Fui surpreendido pela notícia, mas é preciso esperar as investigações. Se concluírem que está tudo em ordem, posso fazer novos filmes (publicitários). Se realmente houver irregularidade, minha posição será outra, claro.”

Carnes estragadas dificilmente causam câncer

São Paulo, 18 - O consumo de carnes contaminadas e fora do prazo de validade pode causar infecções gastrointestinais graves, mas dificilmente levará ao desenvolvimento de câncer, segundo especialistas ouvidos ontem pelo Estado.

Mesmo que os alimentos tenham recebido aditivos e conservantes em níveis acima do permitido e que essas substâncias favoreçam o aparecimento de tumores, é necessário um período de exposição prolongado a esses agentes para que eles causem danos significativos ao organismo. Segundo a investigação da Polícia Federal, algumas carnes estragadas recebiam ácido ascórbico (vitamina C) para maquiar o aspecto físico deteriorado.

“Todas as substâncias que são usadas para conservar o alimento são lesivos paras as nossas células, mas para que elas causem problemas sérios, como câncer, seriam necessários anos ou até décadas de consumo desses produtos”, explica o infectologista Marcos Boulos, coordenador de controle de doenças da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Mesmo a relação entre alto consumo de ácido ascórbico e o aparecimento de tumores não está bem embasada na literatura científica. “Esses ácidos e vitaminas podem ser prejudiciais se usados em grande quantidade e por muito tempo, mas não há um vínculo forte na ciência que comprove que o uso de vitamina C cause câncer”, diz o oncologista Fernando Cotait Maluf, membro do Comitê Gestor de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein e chefe do Departamento de Oncologia Clínica do Hospital Beneficência Portuguesa.

Segundo os especialistas, o principal risco associado ao consumo dos alimentos deteriorados é o desenvolvimento de infecções gastrointestinais graves causadas por bactérias resistentes. “A maioria das infecções gastrointestinais que vemos no dia a dia são consideradas autolimitadas, ou seja, a pessoa tem um quadro de diarreia, põe as toxinas para fora e fica boa depois de alguns dias. Já as bactérias geralmente presentes em carnes putrefatas podem entrar no intestino e levar a quadros mais graves, com muita diarreia e febre. Há casos em que as bactérias causam lesão no tecido intestinal e é necessário que o paciente passe por cirurgia”, diz Boulos.

Salmonella  

Bactéria encontrada em alguns frigoríficos investigados pela Polícia Federal, a salmonella é um dos microrganismos que levam a problemas gastrointestinais graves. “Ela é muito resistente, podendo resistir a temperaturas muito baixas, até mesmo dentro de um freezer”, afirma o médico Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto Emílio Ribas.

O especialista afirma ainda que crianças e idosos são os pacientes mais vulneráveis a desenvolver formas graves de infecções causadas pelo consumo de carne estragada. “A gravidade do caso vai depender do tipo de bactéria, da quantidade de agentes contaminantes e do sistema imunológico da pessoa afetada. As crianças ainda têm o sistema de defesa imaturo, então respondem pior a essas infecções. Os idosos têm imunodeficiência. Nos dois casos, os quadros de diarreia podem ser mais graves, levando à desidratação e, em algumas situações, até a morte”, diz o médico.


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