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Estado de Minas

Com os recursos contados, escolas públicas limitam a merenda a um prato por criança

Em muitos casos, prefeituras complementam valores. Ainda assim, alimentação é insuficiente


postado em 11/05/2014 06:00 / atualizado em 11/05/2014 08:19

Isabella Souto, Luiz Ribeiro e Daniela Garcia

Na hora da merenda, alunos de uma escola pública Pirapora, no Norte de Minas, pedem mais macarrão diante da panela vazia(foto: Aparício Mansur/ESP. EM )
Na hora da merenda, alunos de uma escola pública Pirapora, no Norte de Minas, pedem mais macarrão diante da panela vazia (foto: Aparício Mansur/ESP. EM )
O orçamento deste ano prevê a destinação de R$ 3,4 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para atender a 43 milhões de alunos de escolas públicas em todo o país. Esse dinheiro é repassado pela União a estados e municípios – que ficam encarregados de promover as licitações e comprar os alimentos que devem ser servidos diariamente. Os valores per capita vão de R$ 0,30 a R$ 1. E não é preciso saber muito de matemática para imaginar que o dinheiro é pouco. Muitas prefeituras acabam tendo que complementar, o que significa aperto ainda maior para os cofres que já sofrem com as quedas no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de renda dos pequenos municípios.

A reportagem do Estado de Minas visitou na semana passada uma comunidade rural em Francisco Sá – cidade de 23,6 mil habitantes, a 472 quilômetros de Belo Horizonte, no Norte de Minas – e presenciou a merenda dos alunos: macarrão com ovo. No dia anterior, tinha sido fornecido feijão com arroz, segundo relatos dos alunos. As reclamações estão na ponta da língua: a vontade de comer carne e frutas e o simples ato de repetir o prato. “Quase todo dia, a merenda é a mesma. Fruta só aparece de vez em quando”, lamenta um estudante de 13 anos, matriculado no ensino fundamental. “A gente não pode repetir”, completa um colega de sala. Outro aluno se desloca por 22 quilômetros para chegar à escola. Ele sai de casa às 10h e almoça no colégio.

Como ele, cerca de 20 estudantes transportados de comunidades rurais fazem na escola aquela que deve ser a principal refeição do dia. No cardápio afixado na cantina, alimentos variados para cada dia da semana. Mas, segundo uma funcionária, nem sempre é seguido o que está no papel. “Muitas vezes, as coisas que a gente solicita não vêm e não temos como seguir o que está escrito. Aí, temos que apelar para a criatividade”, disse ela. Frango e carne são uma raridade na despensa.

ALIMENTO ESTRAGADO A nutricionista responsável pela merenda na cidade, Ane Camila Silva Campos, disse que a alimentação vem sendo fornecida normalmente em toda rede pública do município, que tem cerca 1,6 mil alunos (incluindo as creches). Por outro lado, ela alegou que o dinheiro enviado pelo governo federal é insuficiente para adquirir os mantimentos da merenda escolar. “O município tem que complementar com o percentual correspondente a 100% do valor que recebe do FNDE por aluno. Se viessem mais recursos, com certeza teríamos condições de oferecer uma merenda de melhor qualidade”, afirmou.

Pior é quando o mantimento vem estragado. Essa realidade já foi vivida por uma escola da rede municipal de Belo Horizonte voltada para a educação infantil. “Às vezes, chega carne que a gente não tem coragem de dar nem para um cachorro”, diz a supervisora. Assim como carne, a escola já teve problema com legumes estragados. “Não sei se o problema é que o dinheiro é tão pouco, que não dá para comprar alimentos de qualidade”, avalia. E ela conta que o cardápio elaborado por nutricionistas nem sempre sai do papel, por falta dos alimentos. Fruta, por exemplo, só mamão, melancia e banana. “Outro dia questionamos uma nutricionista que veio avaliar a merenda: ‘Cadê a pera? Cadê a mexerica? Nunca tem’”, conta ela.

‘TUDO CONTADO’ Um lanche que custa, no máximo, R$ 0,44 é o que tem direito, por dia, cada um dos meninos e meninas de uma escola pública em Águas Lindas de Goiás, no entorno de Brasília. No colégio estadual – batizado com o nome da cidade – é proibido repetir. “Aqui é tudo contado. Temos que ter muito cuidado na hora de distribuir para que ninguém fique sem comida”, explicou a gerente de merenda escolar, Núbia Messias Fontoura, 47 anos.

Com a prestação de contas nas mãos, ela comprova que recebe R$ 0,14 do governo estadual e R$ 0,30 da esfera federal. Neste mês, Núbia teve que se virar com R$ 11.919,60 para alimentar 1.290 alunos nos 21 dias letivos. “Não posso gastar nem um centavo a mais. É difícil a gente ficar devendo ao governo. Mas eles sempre ficam devendo para a gente”, reforçou.

A escola atende a jovens tanto do ensino fundamental quanto do médio. Estudante do 6º ano, Naelly Leite de Souza, de 12, come todo dia o lanche da escola, mas tem preferência pelo prato da segunda-feira: arroz doce. O cardápio de terça-feira a sexta-feira é: cuscuz com ovo, baião de dois, pão com sardinha e iogurte, apenas. Aluna do 1º ano do ensino médio, Crislayne Karielen, de 16, elogia a merenda da escola. “Todo dia é muito bom”, disse.

Na sexta-feira, a escola fez um lanche especial no evento em homenagem ao Dia das Mães. Depois de servir às convidadas, alguns meninos e meninas tiveram a sorte de saborear cachorro-quente e suco. “Não tem para todo mundo. Isso a gente conseguiu de doação”, avisou Núbia.

MARCHA DE PREFEITOS A merenda escolar será um dos temas tratados nesta semana em Brasília, durante a Marcha Nacional dos Prefeitos, promovida pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Uma das reivindicações é um reajuste no valor do repasse, que, segundo o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, é o mesmo desde 2011. “O que você compra com R$ 0,30 por dia? Não dá nem para um pãozinho francês e uma água”, reclama.

Para o presidente da CNM, nas atuais condições, o convênio com a União para receber o recurso acaba fazendo com que o município gaste ainda mais com a merenda. “A refeição exigida não é um pedacinho de pão com café. Além do cardápio mais elaborado, o convênio exige salas próprias para armazenamento dos alimentos, nutricionista, uma série de coisas que torna ainda mais cara a alimentação”, diz. E para piorar, ele lembra que quem não tem condições de seguir todas as exigências acaba respondendo a processos no Tribunal de Contas da União (TCU).


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