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Estado de Minas

Identidade de torturador de Dilma Rousseff ainda é desconhecida

Não se sabe ainda quem torturou a ex-militante Dilma e a levou a vivenciar cenas de verdadeiro terror nos porões da ditadura


postado em 20/06/2012 07:00 / atualizado em 20/06/2012 09:45

Se é certo que a ex-militante política conhecida como Estela, codinome de Dilma Rousseff, foi torturada em Juiz de Fora, sofrendo sessões de choque elétrico, pau de arara e até um soco nos dentes em 1970 – conforme mostrou o Estado de Minas em série de reportagens iniciada no domingo – pairam dúvidas sobre a real identidade do torturador. Em trecho do depoimento pessoal concedido ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), em 2001, Dilma revela três possíveis nomes de torturadores, atribuídos a dois homens presentes nas cenas de horror vividas nos cárceres mineiros. Por duas vezes durante o depoimento, Dilma cita dr. Medeiros, que ela acredita, porém, se tratar de um nome falso. Esse mesmo torturador usaria também o falso nome de Lara. “Esse dr. Medeiros aparecia de novo e ocupava um lugar central”, afirma. O terceiro nome é Joaquim, identificado por ela como sendo um agente de segundo nível, que poderia ser um inspetor ou algo assim.

Segundo a presidente, os torturadores eram possivelmente agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de Minas Gerais. “Acho que em Minas Gerais fui interrogada por civis, sobretudo os dois principais identificaram-se como policiais do Dops de Minas, dr. Medeiros, que era um nome falso”, informou Dilma, em depoimento à jovem equipe da Conedh-MG, que viajou até Porto Alegre para ouvir seis depoimentos, inclusive o da então secretária das Minas e Energia do Rio Grande do Sul.

Durante os últimos 10 dias, desde que teve acesso exclusivo ao processo de Dilma, a reportagem do Estado de Minas conversou com pelo menos 23 pessoas de diferentes organizações políticas da época pós-64, de diversas ideologias, incluindo fontes da alta cúpula do Exército. Até agora, porém, não houve como cravar a identidade do torturador mineiro. Coincidência é que quem assina o Inquérito Policial Militar (IPM) de Dilma em Juiz de Fora, concedido sob tortura, é Octávio Aguiar de Medeiros, um dos nomes mais proeminentes entre os militares da época. No início da década de 1970 ele foi comandante do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em Belo Horizonte, e teria sido responsável por acabar com o Comando de Libertação Nacional (Colina) na capital mineira, organização a que Dilma pertencia.

Segundo os entrevistados, porém, não era de praxe que um oficial da patente desse Medeiros comandasse pessoalmente uma sessão de tortura. Ainda que o comandante do CPOR tivesse participado da tortura de Dilma, é pouco provável que a presidente não soubesse da identidade completa de Octávio Aguiar de Medeiros, dizendo em outro trecho do depoimento que dr. Medeiros se tratava de um “nome falso”. “Dilma tem memória de elefante e não iria confundir o nome de seu torturador, ainda que tenham se passado 30 anos do fato”, afirma uma fonte, que conhece bem a presidente, desde a época de sua militância política em Belo Horizonte. “Embora ainda fosse um ‘zé ninguém’ em BH, perto do que se tornaria mais tarde, todo mundo sabia quem era o Medeiros naquela época do movimento estudantil”, garante outra, que prefere manter o anonimato. Segundo outra pessoa, “é comum a vítima de tortura referir-se aos participantes do cenário da tortura como sendo torturadores, ainda que não tenham torturado com a própria mão. Ele não deixa de ser um torturador”, acredita.

Octávio Medeiros morreu em 2005, aos 82 anos. Ele galgou importantes patentes na carreira militar. Em 1978, chegou a assumir a chefia do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), em substituição a João Baptista Figueiredo, que assumiu o posto de último presidente da ditadura militar no país. Foi durante o período que comandou o SNI, que ocorreu o atentado fracassado no RioCentro, quando duas bombas explodiram em poder dos militares no centro de convenções do Rio, em abril de 1981.

Outra possibilidade para encontrar o torturador da Dilma em Minas Gerais é buscar com lupa na Carta de Linhares, como foi chamado o documento de 28 páginas que detalha a tortura sofrida por presos em quatro locais: a Delegacia de Vigilância Social, onde funcionava o Dops; a Delegacia de Furtos e Roubos; o 12º Regimento de Infantaria, todos em Belo Horizonte, e a Polícia do Exército do Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro.

A principal hipótese é de que a carta foi redigida por Ângelo Pezzuti (principal dirigente do Colina e que levou Dilma a ser torturada em Juiz de Fora ao endereçar a ela bilhetinhos com um plano de fuga da prisão sob o codinome Gabriel). O documento teria sido entregue aos familiares dele, no início de 1970. Na carta, constam os nomes de cinco torturadores: Luis Soares da Rocha, Mário Cândido da Rocha, José Pereira e José Reis. O quinto nome revela mais uma coincidência, pois é Lara Rezende, o mesmo nome do codinome adotado pelo torturador de Dilma.


O endereço do horror


Durante a ditadura militar, o Brasil teve pelo menos 234 centros de detenção e tortura em unidades do Exército, especialmente a partir da criação em todos os estados, do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), além de delegacias da Polícia Civil. Os métodos de tortura poderiam variar de centro para centro, mas, de forma geral, os castigos físicos e psicológicos aconteciam em celas especiais, equipadas com mesas, uma barra de ferro para as sessões de pau de arara, uma pequena engenhoca para choque elétricos, além da cadeira dragão, que tinha a mesma finalidade, e palmatórias. Algumas mais sofisticadas tinham proteção acústica. Outras podiam simular situações extremas como intensa escuridão, calor ou frio excessivos. As sessões eram comandadas sempre por mais de um agente, que se revezavam numa encenação macabra do bem e do mal. Para confundir as vítimas, um torturador se apresentava excessivamente agressivo, para em seguida, entrar um outro que se apresentava contrário às agressões e solicitava a colaboração espontânea. Eles se tratavam por codinomes, mas não se preocupavam em cobrir seus rostos. Alguns dos homens que ganharam fama de violentos durante o período de exceção demonstravam até certa satisfação em serem reconhecidos, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que tinha prazer em informar aos presos políticos ter sido autor da morte de militantes como Carlos Marighella. (Maria Clara Prates)


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