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Estado de Minas CASO JK

Fatos que levantam suspeitas

Falhas na perícia e no inquérito se somam ao clima político da época e reforçam tese de quem acredita que Juscelino tenha sido vítima de uma emboscada armada pelos militares no poder


postado em 03/06/2012 07:30 / atualizado em 03/06/2012 07:45

(foto: REPRODUCAO S2 JUSCE ARQUIVO 30/08/76 HISTORIA ED/CADERNO2 OE - ACIDENTE QUE MATOU O PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHECK. FOTO ARQUIVO AE. )
(foto: REPRODUCAO S2 JUSCE ARQUIVO 30/08/76 HISTORIA ED/CADERNO2 OE - ACIDENTE QUE MATOU O PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHECK. FOTO ARQUIVO AE. )


“Precisaram matar, espezinhar, liquidar Juscelino, porque não conseguiram liquidar sua força, sua dignidade, sua coragem, seu carisma de grande líder”, disse dona Sarah Kubitschek (1909–1996) em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, em agosto de 1986, 10 anos depois da morte do marido. Dona Sarah morreu com essa certeza, mas sem conseguir provar. Quem persiste com o objetivo é o presidente da Casa Juscelino Kubitschek, em Diamantina, Serafim Melo Jardim, que teve depoimento tomado pela Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), na semana passada.

Para entender os motivos das dúvidas é essencial compreender o contexto histórico. À época do acidente a ditadura ensaiava dois caminhos, uma abertura – lenta, gradual e segura –, como aconteceu com a declaração da anistia, em 1979, ou uma possibilidade de endurecimento. Estava em pleno vigor a Operação Condor, um ação conjunta dos governos militares do chamado Cone Sul para minar a oposição aos regimes militares.

Um dos documentos que despertam suspeitas é uma carta do coronel chileno Manuel Contreras enviada ao general de divisão João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1975. A carta discorria sobre a possibilidade de vitória do democrata Jimmy Carter nos Estados Unidos, o que influenciaria a “estabilidade no Cone Sul”. O general chileno citava que JK e o ex-ministro do Exterior do governo do chileno Salvador Allende, Orlando Letelier, poderiam receber apoio. No ano seguinte, os dois morreram. A morte de Letelier foi atribuída à Dina, o serviço secreto liderado por Contreras, que explodiu o carro do ex-ministro em Washington, capital dos EUA. JK morreu um mês antes, quando buscava restabelecer a democracia no Brasil.

Quatro meses depois, em dezembro, morreu o também ex-presidente João Goulart, de ataque cardíaco. Mais cinco meses se passaram e o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda também morreu, de infarto e desidratação aguda por febre. Os três formavam a Frente Ampla, grupo de oposição ao regime militar. Criada em 1967, a frente durou oficialmente até o ano seguinte, quando Lacerda foi cassado. JK foi cassado antes, em 1964, quando exercia o cargo de senador por Goiás . Goulart foi o último presidente antes de os militares tomarem o poder e também cassado em abril de 1964. Há quatro anos, a família de Goulart entrou com ação na Procuradoria Geral da República pedindo a investigação sobre um possível complô para matar o ex-presidente por envenenamento.

Em 2001, a Câmara dos Deputados criou uma comissão externa para tentar esclarecer a morte de JK. A conclusão foi: “Não há qualquer laudo, qualquer estudo técnico que possa comprovar a tese de assassinato. O argumento é, na verdade, emocional”. Entretanto, o relatório destaca também: “Juscelino incomodava e ameaçava o poder dos ditadores. É verdade, sim, que o povo ansiava pela volta de Juscelino ao cenário político. Do mesmo modo, os fatos indicam que havia um complô para que Juscelino retornasse ao poder. Aquele acidente antecipou o desejo de muitos”.

Um choque que ninguém viu

Diversas falhas são apontadas na perícia e no inquérito. Apenas nove dos 33 passageiros do ônibus da Cometa foram ouvidos pela Justiça e nenhum afirmou que houve choque do ônibus com o Opala. “A verdade é uma só: ninguém teve conhecimento do abalroamento do Opala pelo ônibus, nem mesmo o guarda rodoviário que compareceu ao local e que foi notificado da ocorrência pelo motorista do coletivo. Ninguém percebeu a ocorrência do fato questionado. Ninguém o comentou. E tal coisa seria impossível se tivesse ocorrido aquele choque”, escreveu o juiz de Resende (RJ), Gilson Vitral Vitorino, em 18 de agosto de 1977. Além disso, o motorista da Cometa, Josias Nunes de Oliveira, parou no local para prestar socorro e alguns quilômetros à frente voltou a parar, dessa vez em um posto da Polícia Rodoviária, para informar do acidente.

Outro ponto apontado na sentença é que não houve preservação do local. A pista não foi interditada e os peritos chegaram horas depois do acidente. A sentença também ressalta que “por ordens superiores” não foram anexadas ao laudo fotografias com o posicionamento dos cadávares. O auto de exame cadavérico deveria responder quatro questões: se houve morte, qual a causa da morte, qual o instrumento ou meio que produziu a morte e, por último, se ela foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou por outro meio insidioso ou cruel. Somente a última não foi respondida.

Foram designados dois peritos criminais: Haroldo Ferraz e Nelson Ribeiro de Moura. No dia seguinte ao acidente, Haroldo foi substituído pelo perito Sérgio de Souza Leite. Em 1995, 19 anos depois, Sérgio foi demitido do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, depois de nove denúncias do Ministério Público contra os laudos produzidos por ele, sendo que oito processos tiveram que ser arquivados por falta de provas.

Tinta, outro carro e um suposto tiro

Uma das principais provas que levaram à acusação de Josias foi um vestígio de tinta encontrado na lataria do ônibus da Cometa. O presidente da casa JK, em Diamantina, e que à época do acidente era secretário particular de Juscelino, destaca que o laudo da análise das tintas foi feito por uma empresa privada, a Termomecânica São Paulo S.A, e não pelos peritos da Secretaria de Segurança Pública, como era usual. Josias, o motorista da Cometa, também explicou que a tinta encontrada pela perícia era recorrente em todos os ônibus que circulavam no terminal rodoviário de São Paulo, devido a esbarrões em peças semelhantes a manilhas, presentes na entrada da rodoviária.

Serafim não se conforma com o fato de o juiz não ter ouvido todos os passageiros. À época surgiram versões de que um outro veículo, um Chevrolet Caravan, teria fechado o Opala e provocado o acidente. Chegou a ser levantada a suspeita de que do veículo teria saído um tiro e teria acertado o motorista de JK, Geraldo Ribeiro. Quando Serafim foi chefe de gabinete do então governador Eduardo Azeredo (PSDB), em 1996, conseguiu a reabertura do processo, poucos meses antes de vencer o prazo legal – de 20 anos – de prescrição.

O corpo de Geraldo, enterrado no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte, foi exumado. O laudo número 12.311/96 aponta a presença de um “pequeno fragmento metálico de forma cilindro-cônica, medindo sete milímetros de comprimento e diâmetro médio de dois milímetros” no crânio do motorista. O objeto foi analisado e o laudo da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais concluiu que o metal era o “fragmento de prego enferrujado e corroído”, que se desprendeu do caixão. Serafim, entretanto, não descarta a possibilidade de ser um fragmento de uma bala. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Willian Santos, afirma ter informações de que o metal pode ser de um projétil de arma de uso exclusivo do Exército.


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