Nessa terça-feira, essa mineira de olhos verdes azulados aceitou o convite do Estado de Minas e deixou o gabinete regional – que ainda espera a visita de Dilma para ser inaugurado oficialmente –, para ir até o Colégio Estadual Central, que fica no mesmo bairro de Lourdes, tirar uma foto ao pé da rampa. Era o local preferido dela e da amiga presidente “onde meninos e meninas se encontravam”para segundo Sônia, “respirar liberdade em anos chumbosos”. A data de matrícula na ficha das duas não deixa dúvidas do “caldeirão cultural e político” que ajudou a modelar o espírito contrarevolucionário: 9 de março de 1964, três semanas antes do Golpe Militar.
A ideia do memorial partiu de um ex-aluno e foi formatada ano passado, quando cursava o 3º do ensino médio: Vítor Diniz, de 18 anos, um ano menos do que Dilma ao se formar no 3º do Clássico, em Ciências Sociais, em dezembro de 1966. “Queria algo que trouxesse à tona a excelência do Estadual Central, a primeira escola de Minas, que formou três ex-presidentes da República e a colocasse em contato com os atuais alunos, que sofrem do complexo de vira-lata como outros brasileiros que frequentam a escola pública”, afirmou ele, ontem. Filiado ao PT um ano depois de participar da campanha de Dilma com o slogan “Do estadual ao Planalto central”, Vítor Diniz, levou a ideia ao gabinete do deputado federal Gabriel Guimarães (PT-MG), que indicou a museóloga Hélvia Vorcaro para fazer a proposta do memorial, entregue em maio do ano passado ao Ministério da Cultura.
Desanimado com as idas e vindas da burocracia, Vítor Diniz, resolveu mandar um e-mail diretamente à Presidência da Repúblia. O chefe de gabinete Caio Galvão de França ligou de volta dizendo que o assunto seria remetido ao gabinete regional já criado. A própria Sônia Lacerda telefonou, o convocando para a reunião. “É um pré-projeto, que agora está sendo transformado em projeto que será reencaminhado por nós ao Ministério da Cultura”, esclarece Sônia.
Escola aberta
A concepção do museu remete ao pensamento de Niemeyer de uma escola aberta. Hélvia Vorcaro explicou que a proposta é de fazer um museu de percurso. “O próprio colégio é o acervo. O museu de percurso envolverá o entorno, os prédios e volumes da escola. Seria importante tirar os muros da instituição, que foram colocados depois, porque foi construído num patamar mais alto e havia grama até o muro. O Fernando Pimentel (ex-aluno e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) conta que ao sair da aula pulavam a grama, pois não havia muro”, conta Hélvia. “Se ficasse numa sala fechada, não atingiria o nosso objetivo, por isso mesmo, estamos fazendo junto uma associação dos amigos do Colégio Estadual Central”, conta Vítor Diniz.
“Ao utilizar as formas do lápis, da borracha, do mata-borrão e da régua T, Niemeyer traduz na forma arquitetônica os materiais escolares utilizados na época de sua construção. A singularidade e a importância do Colégio Estadual Central são tão significativas que seus diretores eram cognominados de reitores”, escreveu o deputado federal Gabriel Guimarães, na introdução da proposta entregue ao Ministério da Cultura, onde lembra os nomes dos notáveis que passaram por lá, não só os políticos como o ex-governador e deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB), mas artistas e intelectuais como Henfil e Fernando Sabino (Veja quadro).
Uma das obras de arte que ficava a céu aberto, de Oficialmente denomidada Escola Estadual Governador Milton Campos, o Estadual Central foi inaugurada em fevereiro de 1854, em Ouro Preto, antiga capital de Minas com o nome de Liceu Mineiro de Ouro Preto, tornando-se a primeira escola pública estadual em Minas. Com a mudança da capital em 1897, ano ano seguinte o então denominado Ginásio Mineiro foi transferido da antiga Vila Rica para Belo Horizonte, onde foi instalado provisoriamente em um prédio da Praça Afonso Arinos. Depois, teve outros outros endereços: Rua da Bahia, Bairro da Serra, um prédio na Avenida Augusto de Lima derrubado para dar lugar ao que hoje abriga o Minascentro. Em 19543, foi rebatizado de Colégio Estadual de Minas Gerais e mudou-se para outro prédio na mesma avenida, onde foi posteriormente erguido o Fórum Milton Campos.
A escultura de Alfredo Ceschiatti foi inaugurada na nova sede em 1954, erguida durante a gestão de Juscelino Kubitschek no governo de Minas, no local onde antes funcionava o Regimento de Cavalaria da capital. A escultura, que foi trancafiada durante a ditadura por ter os seios à mostra, fica hoje no corredor ao lado da diretoria. Nas paredes, quadros com as várias sedes do colégio ao longo dos anos. O atual diretor Jefferson Pimenta já fez pelo menos uma das vontades dos ex-alunos: mandou retirar as grades que por mais de duas décadas fechavam a rampa de acesso ao segundo andar, cuja colocação fez chorar o socialista Niemeyer.
Getúlio e Bernardes
Não há documentos sobre a passagem do presidente Artur Bernardes na escola. Os responsáveis pelo arquivo lembram que vários papéis sumiram na transferência do Colégio Mineiro em Ouro Preto para a nova capital em Belo Horizonte. Nascido em Viçosa, teve que abandonar os estudos no Caraça por dificuldades financeiras para trabalhar como guarda-livros. Mas um decreto do governador Afonso Pena, de 1894, possibilitou a volta aos 18 anos ao Colégio Mineiro, depois de uma prestar exames finais das disciplinas do então curso ginasial. Do gaúcho Getúlio Vargas restaram alguns documentos, como a matrícula em 2 de setembro de 1896, aos 14 anos, acompanhando os irmãos que haviam estudado em Ouro Preto.
Berço de notáveis
Dilma Rousseff
Getúlio Vargas
Artur Bernardes
Eduardo Azeredo
Fernando Pimentel
Walfrido dos Mares Guia
Hélio Pelegrino
Bernardo Guimarães
Alfredo Balena
Raul Soares
Ronaldo Caiado
Sepúlveda Pertence
Henfil
Betinho
Elke Maravilha
Personagem da notícia
Sônia Lacerda Macedo
Chefe do Gabinete Regional da Presidência da República
Companheira desde sempre
A vida das meninas do Sion mudaria para sempre com a ida para o Colégio Estadual Central, conta a amiga da presidente Dilma Rousseff. Questionada se foi um choque a nova escola, Sônia gargalhou e devolveu a pergunta: “Choque como? Era a liberdade”. Apesar de a transferência do Colégio Santa Dorotéia, que as duas ainda chamam de Colégio Sion, ter a mesma data, Dilma terminou primeiro. “Tomei bomba”, conta a chefe do Gabinete Regional da Presidência da República. Só no terceiro ano decidiram optar por cursos diferentes. Dilma foi para ciências sociais e Sônia para letras. Na faculdade, uma optou por economia, outra por direito na UFMG, abandonado um ano depois, e ciências e letras na então Fafi-BH, hoje UNI-BH. Foram juntas para a luta armada no Comando de Libertação Nacional (Colina) e na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). “Fui para o Rio, ela para São Paulo. Ela ficou presa em São Paulo, eu no Rio. Perdemos o contato desde a clandestinidade. Quando Dilma foi solta, veio a Belo Horizonte, nos reencontramos”, conta. E não se largaram mais. Sônia trabalhou no Ministério da Casa Civil até julho de 2010, participou da campanha e agora mudou de mala e cuia para a cidade onde ambas nasceram.
Piorou a matemática
No acervo do Colégio Estadual Central, a pasta de Dilma Roussef é a primeira entre os notáveis. Desde ontem, lá está também a de Sônia Lacerda Macedo. Além da transferência, matrícula e atestados médicos, estão lá os boletins que narram a vida acadêmica da estudante. Em 1963, a melhor nota no Ginásio Sion, uma escola só de meninas, havia sido 9,9 em trabalhos manuais, com 8,2 em matemática e 7,45 em latim. Três anos depois, ao se formar no Estadual, a pior nota foi matemática (5,83) e a melhor, história (8,45). Em setembro de 1965, num ofício de próprio punho ao então diretor José Guerra Pinto Coelho, Dilma pediu para fazer uma segunda chamada do exame de matemática, do qual se ausentou por motivos de doença.