Concedidos apenas por concurso público específico desde a Constituição de 1988, os cartórios de Minas Gerais caíram na mira de especulações e negócios com uma nova regra aprovada pelos deputados. Em uma emenda Frankenstein ao projeto que aumentou o salário dos servidores do Judiciário, o Legislativo passou a permitir a “permuta” dos titulares dos órgãos de serviços notariais e de registros, antes completamente proibida. Na prática, abriu-se brecha para quem passar no concurso para um cartório de rendas mais humildes trocar a titularidade para outro mais lucrativo.
Minas Gerais tem cerca de 3 mil cartórios responsáveis pelos registros civis, de imóveis, títulos e documentos. As rendas para os titulares são variáveis, indo desde os mais humildes, que chegam a dar prejuízo, com cerca de R$ 2 mil a R$ 3 mil de “ganhos” mensais até os considerados ótimos investimentos, por gerar cerca de R$ 1 milhão ao mês. Para ingressar como tabelião em qualquer um deles é preciso ser bacharel em direito e passar por concurso público para o local específico. A única forma de mudar era participar de concursos de remoção, já que a Lei Complementar 85 de 2005 vedava qualquer troca.
Na lei já sancionada pelo Executivo, passou emenda do deputado Antônio Júlio (PMDB) que admite a “permuta de titulares de serviços notariais e de registro” entre “serventias da mesma natureza. Isso será feito por ato do governador mediante requerimento dos dois interessados, que terão de comprovar quatro anos de efetivo exercício no estado como titulares.
A Andecc vai analisar a lei aprovada para ver as medidas cabíveis. Isso já foi feito pelo deputado estadual Délio Malheiros (PV), único a votar contra a regra no Legislativo, que ingressou com representação no Ministério Público estadual. Ele apresentou emenda a outro projeto de lei complementar em tramitação na Casa revogando o artigo da permuta. Para Malheiros, o artigo abre brecha para negociata entre titulares de cartórios, que poderiam vender as serventias. “Chama-se concessão, isso é um escândalo que vai contra posicionamentos do Conselho Nacional de Justiça, do STF e da Ordem dos Advogados do Brasil”, afirmou.
Absurdo
Délio justificou não ter pedido destaque ou verificação de votação – o que poderia derrubar a emenda – porque o líder do governo, Luiz Humberto (PSDB), teria garantido o veto do Executivo à emenda. Luiz Humberto negou. “Não houve compromisso. Ele colocou que seria absurdo e eu falei que se fosse o governo vetava. Mas foi uma emenda tranquila, tanto que aprovada quasepor unanimidade. Só um deputado reprovou”, alegou. Outro argumento de Délio Malheiros para questionar a constitucionalidade da regra é ela ter sido aprovada por lei ordinária em votação simbólica. O problema é que a alteração é sobre assunto de lei complementar, que requer votação nominal e aprovação por no mínimo dois terços dos 77 parlamentares.
Autor da emenda incluída no segundo turno de votação quando presidia e relatava reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária, o deputado Antônio Júlio (PMDB) disse inicialmente desconhecer o teor. “Essa emenda não é minha, eu só li”. Em seguida, argumentou haver critérios para a permuta, como o fato de serem serviços da mesma natureza, e ainda lembrou que, em última instância, caberá ao governador decidir se permite ou não. “Se for absurdo o governo não faz”, replicou. Aprovada na semana passada, a lei do aumento do Judiciário com a emenda Frankenstein dos cartórios foi sancionada pelo governador Antonio Augusto Anastasia (PSDB) e publicada no Minas Gerais de sábado.