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Estado de Minas

Passageiros enfrentam mais de 4 horas no ônibus com o trajeto mais longo da Grande BH

Quem faz percurso de ida e volta na linha metropolitana 3992, entre Itaguara e a capital, passa mais de quatro horas e meia dentro do ônibus, no trajeto mais longo da Grande BH


postado em 06/06/2016 06:00 / atualizado em 06/06/2016 07:38

O motorista Donizete Albano trabalha na linha há três anos e reclama principalmente da lentidão do trânsito na Avenida Amazonas(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
O motorista Donizete Albano trabalha na linha há três anos e reclama principalmente da lentidão do trânsito na Avenida Amazonas (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
Itaguara – Joana D’Arc Cássia faz mesmo jus ao nome de guerreira, inspirado na heroína francesa que lutou contra os ingleses na Guerra dos 100 anos. Mãe de uma adolescente, ela acorda às 4h15, prepara o café para a família e caminha 20 minutos até o ponto inicial do ônibus. A diarista é uma das passageiras da linha mais longa do transporte público metropolitano. Os 100 quilômetros de Itaguara, na região metropolitana, onde mora, a Belo Horizonte, onde trabalha, são percorridos, quando não há imprevistos, em duas horas e 15 minutos.

Diariamente, levando-se em conta a ida e a volta, os usuários passam pelo menos quatro horas e meia no 3992. “O ônibus parte às 5h30. Chego em casa por volta das 21h. Converso com minha filha, arrumo coisas... Por isso, durmo tarde. Às 4h15, no entanto, estou em pé novamente. Não é fácil dormir poucas horas”, contou a diarista. Ela aproveita a longa viagem para repôr parte do sono.

Os passageiros da linha mais extensa do transporte público metropolitano convivem com várias situações estranhas aos passageiros da capital. Começa pelo preço da passagem: R$ 16,20. O valor é 338% maior que o da principal tarifa na capital: R$ 3,70. A diferença pesa no orçamento de Joana D’Arc. Quase R$ 720 mensais.

“Ainda assim vale a pena. O preço da diária no interior é em torno de R$ 70. Em Belo Horizonte, R$ 140”, comparou. Descontando-se os R$ 32,40 com as passagens de ida e volta, ela fica com R$ 107,60 – 54% a mais do que ganharia em Itaguara. Já a cozinheira Maria da Conceição se rendeu ao preço da tarifa e ao tempo das viagens e não faz o itinerário de todo dia entre a capital e a cidade onde mora.

No ponto de embarque em BH, na Rua Tupinambás, usuários convivem com lixo e falta de sinalização(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
No ponto de embarque em BH, na Rua Tupinambás, usuários convivem com lixo e falta de sinalização (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
Para economizar parte do salário e não se cansar diariamente com as longas viagens, ela optou por alternar as noites entre BH e Itaguara. “Tenho três filhos. Gostaria de ter a companhia deles todos os dias, mas, infelizmente, não posso. Durmo uma noite no local em que trabalho e a seguinte, em minha casa”, disse a mulher enquanto observava seu José, um aposentado que ganha a vida negociando roupas, embarcar no coletivo.

O lamento dele é impensável para os usuários do transporte público nas grandes cidades. “Quem perde o coletivo das 5h30 precisa embarcar numa linha que vai para Contagem, mas que parte depois das 9h. Nesse caso, para chegar à capital, a pessoa terá de completar a viagem no metrô ou em outro ônibus lá de Contagem”, reclamou, ponderando que, às sextas-feiras, devido à demanda, o 3992 faz uma viagem extra.

MUSEU SAGARANA O local de embarque em Itaguara fica em frente a um dos cartões-postais da cidade, o Museu Sagarana, inaugurado, em 2012, em homenagem à memória do escritor Guimarães Rosa (1908-1967). O autor de Grande sertão: veredas exerceu a medicina no município antes de migrar para a diplomacia e ganhar fama internacional com a literatura. O museu dá um charme especial ao ponto inicial do 3992.

Por sua vez, a situação é completamente oposta no principal ponto da linha em BH. Os coletivos estacionam num quarteirão da Rua Tupinambás em que não há sequer uma placa informativa. “Quem usa o ônibus pela primeira vez fica perdido. A pessoa procura o ponto, mas não encontra porque a sinalização faz falta mesmo. O poder público precisa resolver isso”, cobra dona Ivone, que divide a semana entre sua casa em BH e o sítio da família, em Itaguara.

Ela gosta de apreciar a vista ao longo do trajeto, sobretudo quando o coletivo sobe e desce as serras próximas a Igarapé e Rio Manso, na Grande BH. O mesmo percurso que proporciona a dona Ivone uma vista agradável a faz ficar sempre em alerta. É que a maior parte do caminho é na Fernão Dias, uma rodovia duplicada, mas com curvas perigosas e palco de constantes acidentes.

“Já vi muitos”, disse Donizete Albano, motorista da linha há três anos. Mas o que o mais o irrita é a lentidão ao longo da Avenida Amazonas. Na ida e na volta, o ônibus 3992 passa pelo corredor no horário de pico, quando as retenções são comuns. “Não tem outro jeito. É ter paciência!”, recomendou o condutor. Pelo menos nesse caso, o problema dos usuários do 3992 é o mesmo enfrentado pelos passageiros da maioria das linhas da capital.

BONS AMIGOS DE VIAGEM Mais de duras horas em cada viagem é tempo suficiente para uma pessoa a bordo do 3992 puxar assunto com outra. Cris, cobradora há 13 anos na linha, está sempre disposta a papear com quem gosta de ouvir bons casos. Carismática, ela recebe agrado de vários passageiros. “Acabei de ganhar um pão de queijo”, mostrou a funcionária.

O dia ainda está amanhecendo quando os passageiros embarcam em Itaguara. O trajeto só será concluído depois das 8h, na capital(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
O dia ainda está amanhecendo quando os passageiros embarcam em Itaguara. O trajeto só será concluído depois das 8h, na capital (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
Ela faz questão de dizer bom dia às pessoas e oferecer ajuda ao motorista em algum imprevisto, como limpar o vidro dianteiro sujo durante a viagem. “A gente acaba conhecendo quase todos os passageiros. Tem gente que me presenteia com laranja, mexerica...”.

O volume das conversas, muitas vezes, é baixo, pois parte dos usuários aproveita a longa viagem para dormir, sobretudo aqueles que embarcam no coletivo das 5h30.

Mas nem toda lembrança de Cris a faz sorrir. Ela estava no ônibus que, em 2013, foi parado por três criminosos armados. Eles jogaram gasolina no interior do veículo e o incendiaram.

“A ordem partiu de um presídio. Havia umas 20 pessoas no ônibus. Ninguém se feriu, mas foi assustador. Colocaram fogo com a gente dentro”. Em outras duas ocasiões, recorda a cobradora, o dinheiro da bilheteria foi levado por assaltantes.


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