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Estado de Minas

Especialistas mostram preocupação com o baixo impacto da Lei Seca

Enquanto queda nas abordagens e punição branda acendem alerta, projeto da Câmara agrava penas para casos de homicídio e lesão corporal que envolvam motoristas alcoolizados


postado em 25/09/2015 06:00 / atualizado em 25/09/2015 07:16

Média mensal de condutores submetidos ao bafômetro caiu em relação a 2013, quando atingiu o ápice, ao mesmo tempo em que diminuiu o número de flagrantes de crime por abuso de álcool ao volante na capital(foto: Fotos: Marcos Viera/EM/D.A Press 24/4/15)
Média mensal de condutores submetidos ao bafômetro caiu em relação a 2013, quando atingiu o ápice, ao mesmo tempo em que diminuiu o número de flagrantes de crime por abuso de álcool ao volante na capital (foto: Fotos: Marcos Viera/EM/D.A Press 24/4/15)

Criada em 2008 para coibir a mistura álcool e direção, a Lei Seca dá sinais constantes de que precisa ser revista para garantir punição a condutores que insistem em beber e dirigir. E, mesmo depois que o rigor aumentou, para determinar tolerância zero à embriaguez ao volante, especialistas e autoridades de trânsito mostram preocupação com o baixo impacto da lei, diante de um comportamento “relaxado” de motoristas infratores. Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) revelam que, em 2015, houve redução de 10,5% na média mensal de condutores parados em relação a 2013, ano em que as abordagens nas blitzes atingiu o pico. Paralelamente, caíram os flagrantes de crime de trânsito, quando o teste do bafômetro indica teor etílico acima de 0,34 miligrama de álcool por litro de ar expelido: a média de 47,4 casos registrados a cada mês em 2013 caiu para 12,2 neste ano. Em um cenário que mostra que barrar o desrespeito à legislação e a impunidade ainda é um desafio, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de quarta-feira, projeto de lei que promete endurecer a punição para quem mata ou fere no trânsito sob efeito de álcool ou drogas.

O texto, de autoria da deputada Gorete Pereira (PR-CE), dobra a pena para quem praticar, alcoolizado, homicídio culposo na direção de veículo (a punição atual, de dois a quatro anos de reclusão, passaria para quatro a oito anos). O rigor extra vale também para casos de lesões corporais graves ou gravíssimas em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez: reclusão de dois a cinco anos, diferente da regra atual, de seis meses a dois anos. O texto acaba ainda com a possibilidade de delegados arbitrarem fiança, o que só poderá ser feito pela Justiça. “O projeto aumenta as chances de punir mais efetivamente quem mata ou fere dirigindo embriado ou sob efeito de drogas. Nesses casos, é preciso prender mesmo, e isso não é o que ocorre, de modo geral”, diz a autora da matéria, que agora segue para apreciação do Senado.

O texto prevê também a impossibilidade de conversão das penas de até quatro anos em prestação de serviços à comunidade, o que é considerado seu grande avanço, na avaliação do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), deputado Efraim Filho (DEM-PB). “O projeto aumenta as penas para evitar a transformação de punições de quatro anos em pagamento de cesta básica”, disse. “Matar ao volante, estando embriagado, levará a pessoa à prisão”, afirmou o parlamentar, para quem o sentimento de impunidade precisa acabar.

A aprovação do texto na Câmara dos Deputados foi bem recebida pelo coordenador de Operações Policiais do Detran, delegado Anderson Alcântara, que destaca os pontos positivos da proposta: “Ao dobrar a pena para homicídios culposos e proibir a fiança na delegacia, o motorista pode se sentir intimidado antes de beber e dirigir”, afirma o policial. Segundo ele, em caso de acidentes que resultam em morte e envolvem embriaguez e imprudência, os responsáveis já são enquadrados em homicídio com dolo eventual. “O Ministério Público estadual também tem essa posição. Mas, infelizmente, nosso Tribunal de Justiça ainda não tem esse entendimento e, de modo geral, acaba por converter a classificação em homicídio culposo”, afirma o delegado.

Ele destaca, no entanto, que o novo projeto tornará a punição mais dura quando isso ocorrer. “Ainda que o indiciamento por dolo eventual não se mantenha, há a chance de que o infrator seja punido com regime de reclusão”, afirma. Caso o motorista seja condenado, nos moldes da nova proposta, começa a cumprir a pena pelo menos em regime semiaberto, diferentemente do que geralmente ocorre, que é reversão em prestação de serviços à comunidade. O réu só cumprirá pena em regime fechado, segundo o delegado, se for reincidente.

O policial destacou, no entanto, que a proposta poderia ser ainda mais severa, estabelecendo um tempo mínimo de pelo menos um mês de prisão até que fosse permitido o pagamento de fiança. “As pessoas precisam se conscientizar. Infelizmente, a questão da embriaguez ao volante é cultural. Desde a criação da lei e em todas as vezes em que foi revista, o cumprimento à legislação é maior nos dois primeiros meses. As pessoas deixam o carro em casa, andam de táxi ou saem e não bebem. Dois meses depois, voltam a correr o risco”, afirma.

Já o desembargador Eduardo Machado, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), põe em dúvida o efeito prático da proposta aprovada na Câmara, no sentido de tornar a punição mais rigorosa. Segundo ele, os casos de acidentes que resultam em mortes já são tratados pelo Ministério Público como homicídios com dolo eventual e essa postura também é a da Justiça. Para o magistrado, aumentar a pena para crimes culposos está distante de ser a solução, que, na avaliação dele, passa por melhorias e intensificação nas ações fiscais, além de campanhas de conscientização.


Fiscalização em BH, onde a média de infrações registradas ao mês caiu de 94 para 44 desde 2012 (foto: Fotos: Marcos Viera/EM/D.A Press 24/4/15)
Fiscalização em BH, onde a média de infrações registradas ao mês caiu de 94 para 44 desde 2012 (foto: Fotos: Marcos Viera/EM/D.A Press 24/4/15)

Estudo mostra limitações

Estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais indica que a Lei Seca não diminuiu de forma significativa as taxas de mortalidade por acidentes de trânsito. A pesquisa foi feita pelo Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência. Segundo a coordenadora da estudo, Rosely Fantoni, a mudança de comportamento exige mais rigor na fiscalização e na aplicação de penas. Parte do levantamento, o estudo intitulado “O impacto da Lei Seca sobre o beber e dirigir em Belo Horizonte” mostrou que, no ano da implementação da legislação, o número de condutores dirigindo com algum nível de álcool caiu quase pela metade. Passou de 37% em 2007 para 19,4% em 2008. Mas, já em 2009, o índice não registrou diferença estatisticamente significativa, segundo o estudo, e caiu para 16,6%.


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