(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Pinturas em igrejas revelam talento do mestre do rococó em Minas

Obras de arte de Manuel da Costa Ataíde podem ser vistas de perto nas cidades histórias de Mariana e Ouro Preto


postado em 08/12/2014 06:00 / atualizado em 08/12/2014 08:33

Os turistas Edernilson e Janice se encantaram com o forro da Igreja de São Francisco de Assis e a Virgem de Porciúncula, cujo rosto seria igual ao da amante do pintor(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Os turistas Edernilson e Janice se encantaram com o forro da Igreja de São Francisco de Assis e a Virgem de Porciúncula, cujo rosto seria igual ao da amante do pintor (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Ouro Preto e Mariana – Os visitantes chegam a ficar com o pescoço doendo de tanto levantar a cabeça, mas pouco se importam, pois os olhos faíscam depois de contemplar o forro da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, na Região Central. Tendo ao centro a Virgem de Porciúncula rodeada de anjos músicos no melhor estilo rococó, a pintura de Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), o Mestre Ataíde, amplifica o esplendor do templo, eleito uma das sete maravilhas de origem portuguesa no mundo e expoente do arquiteto, escultor e entalhador Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), cujo bicentenário de morte é lembrado este ano. “Os dois artistas trabalharam, muitas vezes, nas mesmas obras, mas não necessariamente ao mesmo tempo. É fundamental destacar sempre o legado de Ataíde”, diz o professor de história da arte do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Alex Bohrer, autor do livro Ouro Preto – Um novo olhar e de um capítulo no recém-lançado Aleijadinho – 200 anos.

Um casal de russos, sem dizer uma palavra em português ou inglês, sai resmungando por não poder fotografar o interior da igreja. Já os defensores públicos de Belém (PA), Edernilson Barroso e Janice Silva, na companhia de um guia de turismo, preferem passar longo tempo observando os detalhes. “É a primeira vez que visitamos Minas e, confesso, nem dormi direito a noite passada. Hoje estou ficando com torcicolo”, contou baixinho Janice, adiantando que o casal seguiria para São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, no dia seguinte. “Vai ser noite em claro de novo, mas vale a pena, pois tudo aqui é magnífico. Este forro nos surpreendeu, assim como todo o acervo do Mestre Ataíde”, acrescentou Edernilson.

Na entrada da igreja, o professor Alex aponta o forro sob o coro, que traz escrito em latim Vanitas vanitatum – Memento more (em português, “Vaidade das vaidades – Lembra que vais morrer”), frase circundada por caveiras, ampulheta, flores belas porém mortas e instrumentos musicais. “É como se fosse uma passagem entre duas dimensões, a vida e a morte. Todo o plano iconográfico era muito bem definido. Ataíde, particularmente, usava as mesmas cores nas suas pinturas: azul-claro, amarelo e vermelho. O azul da prússia era importado, mas ele também fazia as suas tintas.”

Em família


Reza a tradição oral que Ataíde retratou a Virgem de Porciúncula, pintura que muitos chamam de Assunção de Nossa Senhora, com o rosto da amásia dele, Maria Raimunda, com quem teve dois filhos – as crianças seriam os anjos músicos. “O artista era branco, autodidata, filho de português e brasileira, enquanto a mulher era mulata. É tudo perfeitamente crível! Embora muita gente desconheça, Ataíde foi militar, atuando como alferes de cavalaria. Foi na Igreja de São Bartolomeu, no distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto, que ele começou a pintar, nos momentos de folga. Infelizmente, essa, uma das primeiras obras documentadas do artista, está encoberta por camadas de tinta”, afirma o professor, explicando que existe um projeto para restaurar o templo.

O historiador Alex Boher salienta que é fundamental destacar o legado de Ataíde(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
O historiador Alex Boher salienta que é fundamental destacar o legado de Ataíde (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
No lado esquerdo da nave, o chamado lado do Evangelho, estão os painéis de São Pedro, perto do altar, e São Francisco de Assis, ao lado do coro; o outro lado, da Epístola, traz, na mesma ordem, Maria Madalena e Santa Margarida de Cortona. Os olhos atentos, no entanto, não conseguem se despregar do forro nos seus tons vibrantes e em perspectiva, criando a ilusão de colunas em profundidade. Nos quatro cantos podem ser vistos os doutores da Igreja – São Jerônimo, Santo Ambrósio, São Gregório e Santo Agostinho – e hipnotizam os “mascarões”, que se assemelham a caras esculpidas em pedra-sabão.

“As pinturas do altar também são de Ataíde, assim com as laterais apresentando a vida de Abraão, onde predomina o tom azul”, mostra o professor Alex, ressaltando que o artista marianense era considerado o melhor da Capitania de Minas. “Muitas vezes, ao ser contratado pelas irmandades religiosas, responsáveis pelas construções das igrejas e capelas naqueles tempos, ele se apresentava como pintor e arquiteto. Aliás, basta ver as colunas em perspectiva para entender que ele entendia do assunto.”

Missal

Artistas se baseavam em missais com este, de 1789, hoje no Museu da Inconfidência (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Artistas se baseavam em missais com este, de 1789, hoje no Museu da Inconfidência (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
No Museu da Inconfidência, vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), na Praça Tiradentes, há uma sala dedicada a Ataíde. A casa de cultura, que completa 70 anos, expõe as telas São Marcos, Nossa Senhora do Carmo com o Menino Jesus e São Simão Stock e Cruz às costas. Mas é sobre um missal (livro com orações das missas) datado de 1789, editado em Lisboa, Portugal, na vitrine de outra sala, que o professor faz profundas observações para jogar luz sobre a forma de trabalhar dos artistas mineiros do século 18. “Todos se inspiravam nos desenhos contidos nos missais e Bíblias europeias, o que não é nenhum demérito, pois a aprendizagem até hoje é assim. No caso de Ataíde, ele fazia a ‘mestiçagem’ dos personagens e “tropicalização” dos ambientes, mudando as feições e os cenários”, conta o professor Alex, que fez dissertação de mestrado enfocando a influência das gravuras europeias na pintura de Ataíde e prepara tese de doutorado sobre a influência portuguesa na talha mineira. “Ataíde pintou muitas ceias, como a do Santuário do Caraça. Com certeza, esse costume de se espelhar nas gravuras explique esse fato”, diz o professor.

Ao pesquisar documentos antigos, o professor achou missais e Bíblias em arquivos e museus mineiros, detectando um fato curioso: alguns deles estavam sem páginas. Ao fazer o mesmo tipo de estudo em Antuérpia, na Bélgica, ele encontrou os mesmos livros completos. Isso permitiu verificar que telas e pinturas de igrejas, capelas e museus tinham aqueles desenhos antigos como referência, com adaptações”, afirma o professor, que localizou também gravuras esquadrinhadas pelos artistas. Em Ouro Preto, os visitantes podem se deslumbrar com outras marcas do talento de Ataíde, que estão na Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, no Bairro Cabeças, e na Basílica de Nossa Senhora do Pilar.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)