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Estado de Minas

SLU retira 14 toneladas de lixo em casa no Santa Lúcia; outros 10 imóveis estão na mira

Casos de acumuladores compulsivos, pessoas com obsessão por guardar objetos e dificuldade de descartá-los, são relativamente raros, diz especialista da UFMG


postado em 20/03/2014 06:00 / atualizado em 20/03/2014 10:18

No segundo dia de limpeza, muitos objetos ainda não tinham sido retirados no Santa Lúcia(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
No segundo dia de limpeza, muitos objetos ainda não tinham sido retirados no Santa Lúcia (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Vista do lado de fora, a impressão é apenas de uma casa de classe média alta decadente, com portão sem pintura e revestimentos se descolando da parede. Mas os olhos custam a acreditar no que se vê dentro da residência de um casal de idosos, no Bairro Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Montanhas de lixo se acumulam na parte externa e interna do imóvel, ocupado até o teto com papéis, plástico, madeira, papelão e todo tipo de objetos. Sobra espaço apenas para cama, em um dos quartos, e caminhos estreitos por onde se transita entre os cômodos. Segundo especialistas, um caso típico de acumuladores compulsivos, pessoas com obsessão por guardar objetos e dificuldade de descartá-los. Apenas na Região Centro-Sul, há 10 residências com moradores que se enquadram nesse perfil.

Nesta quinta-feira, a expectativa é de concluir a limpeza iniciada nessa terça-feira. A entrada na casa, situada na Rua dos Trópicos, ocorreu com liminar da Justiça e a presença da Polícia Militar (PM). Em dois dias, a equipe da Regional Centro-Sul já retirou 14 toneladas de materiais, o suficiente para encher oito caminhões basculantes e dois caminhões compactadores de lixo. Junto dos resíduos, havia focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, ratos e muitas baratas. Os moradores são um casal de idosos – ele tem 88 e ela não revela a idade, mas aparenta ter mais de 70 – e um dos dois filhos deles, que não foram localizados.

“Os acumuladores compulsivos são relativamente raros. É mais comum entre idosos, quando começa a haver um processo de demência com pequenas alterações no cérebro”, explica o professor do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Garcia. Segundo o psiquiatra, esse comportamento pode estar associado a alguma doença neurológica ou a um transtorno obsessivo compulsivo (TOC). “Eles têm essa impulsão de guardar, coletar. Se desfazer de certas coisas traz sofrimento”, afirma. Em um dos casos atendidos pelo especialista, o paciente alugou um outro imóvel para guardar jornais que não cabiam mais na residência.

Na casa do Bairro Santa Lúcia, a situação foi descoberta pela prefeitura em 2002. “Foi quando intensificamos os trabalhos da dengue. Em fevereiro do ano passado, conseguimos limpar a garagem e capinar o quintal. Mas, há um ano, não conseguimos autorização dos donos para mais nada”, afirma a gerente de Controle de Zoonoses da regional, Priscila Starling, à frente da operação. Pela primeira vez, a equipe entrou nos cômodos da residência, tomada por lixo até o teto. “Além da epidemia da dengue e de outras doenças, nossa preocupação era em relação ao risco de incêndio”, diz.

Vizinhos contam que o casal sempre catou lixo na rua, hábito que se tornou mais comum nos últimos três anos. Para quem perguntava, a senhora dizia estar recolhendo materiais para fazer artesanato. Dentro da residência, havia mais de mil cabos de vassoura, sacolas de lojas, restos de materiais de computação, pilhas de revistas, além de plásticos, embalagens, papelão, vidro, entre outros materiais. “Moro aqui há 17 anos e sempre foi assim. Sofremos com baratas, gambás, ratos”, conta o síndico do prédio vizinho, Cláudio Castro, que já marcou mais uma dedetização para o edifício.

Idosos Enquanto o lixo ia sendo retirado, a Defesa Civil avaliou a residência, cheia de trincas, e vai produzir um laudo técnico. Uma equipe da Assistência Social da regional também acompanha o caso, além da Vigilância Sanitária e da Zoonoses. “Normalmente, esses casos são de idosos que moram sozinhos. Em algumas situações, conseguimos retirar o lixo com muita conversa, mas, em outras, somente com mandado judicial”, afirma Priscila Starling.

Num apartamento de um idoso no Edifício Maletta, no Centro, os técnicos encontraram uma quitinete lotada de lixo. Na Avenida Pasteur, no Bairro Santa Efigênia, três idosos dormiam praticamente a céu aberto, tamanha a quantidade de objetos acumulados. “Mesmo com esse acompanhamento, normalmente essas pessoas voltam a acumular lixo”, diz.

Doutoranda em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas), a psicóloga clínica Maria Clara Jost ressalta que os acumuladores compulsivos são um sintoma dos tempos atuais. “É uma maneira que encontram para lidar com o esvaziamento afetivo. É uma tendência preencher vazios. Eles deslocam o carinho e a afetividade que não vêm de outros lugares para esses objetos. Procuram no lixo coisas que passam a ter um valor emocional importante”, afirma, sem querer dar diagnósticos ou rótulos. A psicóloga aponta ainda que a acumulação ganha espaço especial na sociedade consumista. “O valor hoje passa por ter coisas para ser alguém. Ter as coisas funciona como uma garantia afetiva”, completa.

 

Funcionário do SLU tira saco de lixo de dentro do imóvel(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Funcionário do SLU tira saco de lixo de dentro do imóvel (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)


Três perguntas para...

Frederico Garcia
Professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG

 

O que é a acumulação compulsiva?
Trata-se de um sintoma de alguma doença ou transtorno. Pode estar relacionada a uma lesão cerebral que impede o controle dessa impulsão de guardar, coletar e se desfazer de certas coisas e traz sofrimento abrir mão daquilo. Também pode ter associação a um transtorno obsessivo compulsivo (TOC).

Esse é um comportamento frequente?

Os acumuladores compulsivos são relativamente raros. É mais comum entre idosos, quando começa a haver um processo de demência com pequenas alterações no cérebro.

Como diferenciar o colecionador do acumulador?

O ato de colecionar tem um sentido. O colecionador guarda determinados objetos por um valor histórico, para dar aos filhos. O acumulador junta para não se desfazer da coisa. A angústia de se desfazer é tão grande que se compara a um pedaço da pessoa indo embora.

 

Memória

Caso nos EUA inspirou série

Um dos casos
mais célebres da acumulação compulsiva foi descoberto em 1947, durante investigação da polícia de Nova York sobre um cadáver encontrado em um prédio. O imóvel pertencia aos irmãos, já idosos, Langley e Homer Collyer. Ao entrar no edifício, os policiais se depararam com lixo por toda parte, até o teto. De lá, foram retirados 14 pianos, um automóvel Ford, restos de um feto com duas cabeças. Os moradores usavam um sistema de túneis para andar entre os dejetos. Naquele amontoado, os agentes encontraram os corpos dos rmãos. Um deles foi esmagado pelo lixo e o outro morreu de inanição. Histórias como essa motivaram a criação da série Acumuladores, transmitida pelo canal Discovery
Home & Health.


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