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Estado de Minas

BH volta a sediar jogos da Copa do Mundo

Quem acompanhou a competição em 1950 não esquece o fiasco inglês diante dos EUA e a derrota brasileira no Rio


07/12/2013 06:00 - atualizado 07/12/2013 07:18

O gol de Gaetjens, que não aparece na foto, lamentado até hoje pelos ingleses e festejado por Haroldo Falabella e outros mais de 13 mil torcedores no Independência
O gol de Gaetjens, que não aparece na foto, lamentado até hoje pelos ingleses e festejado por Haroldo Falabella e outros mais de 13 mil torcedores no Independência (foto: Jose Inacio/O Cruzeiro/EM/D.A Press - 29/6/1950)

O planeta ainda se refazia das perdas e da dor causada pelo nazismo de Adolph Hitler quando a Fifa decidiu voltar a organizar o Mundial de Futebol. O Brasil, longe dos horrores que fizeram a Europa, a Ásia e a África tremer e chorar, foi escolhido como o país-sede. E coube a Belo Horizonte o papel de uma das sub-sedes. Os moradores da capital mineira, ainda em êxtase com a inauguração da Pampulha, ocorrida em 1943, começaram a se preparar para outros momentos inesquecíveis, como o faz agora, à espera dos jogos no Mineirão pela primeira fase da Copa de 2014: Colômbia x Grécia, Argentina x Irã, Inglaterra x Costa Rica e Bélgica x Argélia.

Em 1947, ano em que o comando da prefeitura passou de Emídio Beruto para Otacílio Negro de Lima, BH começou a planejar o campo para a Copa. O terreno escolhido para a construção do Estádio Raimundo Sampaio (hoje Arena Independência) foi no Bairro Oswaldo Cruz, posteriormente dividido em Horto e Sagrada Família. Em 18 de junho de 1950, uma semana antes do primeiro jogo da Copa em BH, o time do Sete de Setembro, que era dirigido por Sampaio, testou e aprovou o gramado.

BH já estava sob o clima festivo do Mundial de Futebol. Ainda não havia shopping, televisão nem internet. Cinema era a grande diversão e a cidade já contava com pelo menos 20 salas. Naqueles dias que antecediam a competição, o Cine Brasil, na Praça Sete, exibia Ao cair da noite, com Dane Clark, filme que o crítico Cyro Siqueira, em início de carreira no Estado de Minas, não classificou como relevante, embora fosse uma história romântica razoável. No Cine Tupi, Gary Cooper era o galã de Horizonte em chamas. No Cine Acaiaca, uma aventura com Spencer Tracy: Malaya.

Para deixar as donas de casa malucas, a Mobiliadora Ingleza anunciava no jornal sua moderna linha de rádios e aparelhos domésticos. Já o sonho de consumo dos homens eram os novos modelos do Ford inglês, o Anglia e o Perfect. Carrinhos feios de dar dó oferecidos pela Mesbla Veículos, na rua Rio Grande do Sul, 54, onde se instalou um shopping popular. Com as grandes redes de lojas, a propaganda ganhava corpo em BH e, com o cinema e a televisão, que chegou em 1955 pelas mãos de Assis Chateaubriand, se juntou ao futebol ao longo da vida de Haroldo Falabella, mineiro de Mar de Espanha (Zona da Mata), que construiu família e uma história de sucesso na capital.

Haroldo, hoje com 89 anos, assistiu aos três jogos da Copa em BH e ao foi Rio para, em 16 de julho de 1950, data de seu 27º aniversário, se decepcionar com a derrota do Brasil para o Uruguai por 2 a 1, na decisão do título, no Maracanã. “Eu morava na Rua Alagoas com Avenida Brasil e fazia parte de um grupo de amigos que se reunia em um bar. Resolvemos acompanhar os jogos. Íamos a pé para o Independência.” E em 25 de junho viu a Iugoslávia bater a Suíça por 3 a 0 na inauguração do estádio.

Os mineiros se sentiram honrados em sediar parte da competição, sentimento que o EM resumiu assim: “Desde a implantação do soccer (futebol) em nossos domínios, não tivemos um dia tão auspicioso como o da inauguração dos jogos da Copa do Mundo em BH.” A maioria dos torcedores queria mesmo era ver  os ingleses, inventores do futebol, que enfrentariam o fraco time dos EUA. Eles desembarcaram na Pampulha e só passearam por BH. Hospedaram-se em Nova Lima, por conta da Mineradora Morro Velho, companhia inglesa.

Com ingressos nos bolsos, Haroldo e os amigos esperavam o grande jogo. Mas se os ingleses fossem supersticiosos e passassem diante do Cine Metropóle naquele 29 de junho entrariam em campo mais precavidos contra o time norte-americano, formado em sua maioria por estrangeiros radicados no país. O filme em cartaz era Noite de tempestade. Pisaram o gramado exibindo a tradicional fleuma inglesa. “Eles pressionavam os norte-americanos, chutavam e a bola não entrava. Quando não ia para fora, o goleiro pegava. A torcida vibrava como se fosse gol”, lembra Haroldo.

Como o torcedor brasileiro tem mania de adotar o mais fraco quando seu time não está em campo, logo o Independência vibrava com os ianques. “A defesa americana chutou a bola para o meio de campo. Ela caiu nos pés de um tal John Souza (filho de portugueses), que a disputou com um inglês. Ele ganhou o lance e passou a bola, que foi cruzada da direita. Gaetjens, que estava do lado esquerdo da área, cabeceou.” A bola entrou no meio do gol.

Os mais de 13 mil torcedores no estádio festejaram. Além de 10 mil pagantes e de 3 mil sócios do Sete, outros tantos entraram de graça pelo chamado Morro da Pitimba, onde é hoje a parte fechada do estádio. Lá o muro era baixo e fácil de ser escalado. Foi exatamente naquele lado que a bola de Gaetjens, um haitiano naturalizado americano, venceu os ingleses. “O povo começou a invadir o campo, o que exigiu muita paciência do árbitro e dos jogadores para o jogo chegar ao fim.” Não havia ainda o padrão Fifa.


Infeliz aniversário

A Copa avançou e a turma de Haroldo resolveu assitir à decisão no Rio. Eles haviam visto o Uruguai arrasar a Bolívia por 8 a 0, em 2 de julho, no Independência. Não acreditavam que seria um adversário difícil para o Brasil, que poderia até empatar. “A Bolívia era tão ruim que num jogo-treino com o Sete o técnico tirou o time de campo porque estava levando um gol atrás do outro”. Um dos amigos, de família influente, conseguiu ingressos para a partida no Maracanã de um lote enviado como cortesia à Federação Mineira de Futebol.

“O jogo foi em 16 de julho, dia do meu aniversário.” Haroldo esperava festejar a chegada dos 27 anos com a conquista do primeiro título mundial no futebol. “Fomos de carro. Viajamos a noite toda.” Mas não foi num feio e pequeno Ford inglês, daqueles que a Mesbla vendia. “Fomos em um carro grande, um Dodge. A estrada era quase uma trilha. O Maracanã estava lotado (quase 200 mil pessoas). E foi um dos mais tristes dias da minha vida, exatamente no meu aniversário. O jogo estava 1 a 1. O Ghiggia era rápido. Ele dominou a bola e partiu. O Bigode, nosso lateral esquerdo, entrou de carrinho e ficou batido. Ghiggia chutou, fez o gol da vitória uruguaia. E não culpo o goleiro Barbosa.”

O público, que foi ao Maracanã com a certeza da conquista, caiu no mais profundo silêncio. “Parecia que todos tinham morrido. Saímos do Rio de madrugada. Eu e meus três amigos viajamos de cabeça baixa no carro. Não havia o que falar. Paramos em Petrópolis e enchemos a cara com uma famosa cerveja que era fabricada lá para tentar o impossível: esquecer aquela derrota. Chegamos em em BH na madrugada do outro dia.” Fica até a impressão de que a turma de Haroldo levou para o Maracanã, na boleia do Dodge, a mesma zebra que atropelou os ingleses no Independência.


PERSONAGEM DA NOTÍCIA: Haroldo Falabella, aposentado

Cineasta pioneiro

Não há como medir a contribuição de Haroldo Falabella à cultura mineira. E ao futebol. Casado desde 1948 com Neide Cunha, pai de três filhos, montou no início dos anos 1950 a Falabella Filmes. Quando a TV Itacolomi foi inaugurada, em 1950, ele já estava pronto para produzir comerciais e documentários. Pelas suas câmeras passaram mensagens de grandes marcas e empresas da época, como as lojas do grupo Levy, Bemoreira, Mesbla e outras. Trabalhou com grandes atrizes, como Anna Lúcia Katah, Zélia Marinho e Lady Francisco, que atuavam como garotas-propaganda. Precisava ensaiá-las bem porque não havia ainda o chamado videoteipe. Era tudo ao vivo. “Tínhamos até uma geladeira de madeira no estúdio para os ensaios.” Haroldo foi um talentoso meia-esquerda do América. Aposentado, tem a pintura como hobby. Fundou em Mar da Espanha, cidade na qual nasceu, um centro cultural. Primeiro cineasta a usar lentes com o recurso zoom em Minas, foi ainda um premiado criador de cães da raça pastor alemão. Tão premiado que tem uma sala repleta de troféus e diplomas. Pena que, por falta de incentivo e de apoio, seu acervo de filmes está se perdendo, corroído pelas intempéries.


LINHA DO TEMPO

– 1947: Belo Horizonte, sede de jogos da Copa do Mundo de 1950, dá início à construção do Estádio Raimundo Sampaio (rebatizado Independência) para receber seis seleções, entre as quais a poderosa Inglaterra.
– 1950: Em 18 de junho, o time do Sete de Setembro testa o gramado do estádio, que depois do Mundial seria cedido ao clube comandado por Raimundo Sampaio. O campo é aprovado.
– 1950: Em 25 de junho, a Iugoslávia derrota a Suíça por 3 a 0 na inauguração do estádio, diante de 7,3 mil pagantes. Mas o público foi maior, porque sócios do Sete entravam como convidados.
– 1950: Os EUA derrotam a Inglaterra por 1 a 0, gol de Gaetjens. O resultado foi considerado a maior zebra do futebol internacional até então, diante 10 mil pagantes e mais 3 mil sócios do Sete de Setembro.
– 1950: Uruguai goleia a Bolívia por 8 a 0. Como o time boliviano era  fraco, não havia como os especialistas em futebol avaliar se os uruguaios, campeões em 1930, estreavam na Copa com futebol para conquistar o título.
– 1950: Em 16 de julho, os uruguaios confirmaram no Maracanã que vieram para ganhar. Derrotaram o Brasil por 2 a 1 e silenciaram as quase 200 mil pessoas que lotaram o estádio. Outra zebra, porque o Brasil era favorito.


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