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Estado de Minas

Sociedade Protetora dos Animais é acusada de maus-tratos

Ação do MP amparada em laudos veterinários e relatos de voluntários pede intervenção na Sociedade Protetora dos Animais, acusada de maus-tratos e descaso em abrigo superlotado


postado em 05/12/2012 00:12 / atualizado em 05/12/2012 07:25

Equipe do EM só teve acesso aos canis abertos ao público. Veterinária garante que desde denúncia não são admitidos mais animais e que hoje há 323 no espaço(foto: Leandro Couri/EM DA Press)
Equipe do EM só teve acesso aos canis abertos ao público. Veterinária garante que desde denúncia não são admitidos mais animais e que hoje há 323 no espaço (foto: Leandro Couri/EM DA Press)

Superlotação, gaiolas enferrujadas e com fios de eletricidade soltos, remédios vencidos, material hospitalar entre fezes e urina de ratos, animais doentes sem tratamento e com pouca ração. Quem vê um relato desses sobre as condições em que vivem cerca de 500 cães e gatos talvez pense em denunciar o caso à Sociedade Mineira Protetora dos Animais (SMPA). Mas ficará surpreso ao saber que a sede da instituição é justamente o local apontado como endereço desse ambiente insalubre e com alto risco de contaminação. A situação é descrita com detalhes ainda mais assustadores em ação judicial do Ministério Público de Minas Gerais que pede, também devido a irregularidades administrativas, o afastamento da direção, reivindicando, com tutela antecipada, a nomeação de um interventor. O processo contra a instituição – que goza de isenção de impostos e se mantém com doações, especialmente via conta de energia elétrica – aguarda julgamento há mais de um mês na 12ª Vara Cível de Belo Horizonte.


O quadro foi apurado a partir de denúncias do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais, da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais e de cinco organizações não governamentais. Gerou também inquérito por crime de maus-tratos na Delegacia Especializada em Crimes contra o Meio Ambiente e Conflitos Agrários. A pedido do MP, três veterinários foram à sede da sociedade, no Bairro Guarani, Nordeste de BH, em 20 de agosto. Todos emitiram laudos atestando variados tipos de irregularidade na SMPA, que abriga animais recolhidos nas ruas da capital.

Imagens registradas por ex-funcionários que trabalharam como voluntários na entidade reforçam as denúncias ao mostrar todo o tipo de descuido com cães e gatos. Em dois vídeos de cerca de 30 minutos, gravados disfarçadamente entre setembro de 2011 e junho de 2012, baratas são vistas em meio à ração enquanto os cachorros comem. Gatos mortos são deixados no meio dos vivos, que chegam a praticar canibalismo. Os bichos vivem em meio à superlotação e pisoteando fezes e urina.

Um gato doente aparece agonizandoc em uma das cenas. Em outro ponto, aparecem cães mortos em cima de comedouros de ração. Outro cadáver é esquecido dentro de um cesto, amontoado em meio a caixas. No depósito de ração, pode ser foi visto um rato morto junto dos sacos. Enquanto isso, funcionários são filmados assistindo à TV.

Além dos vídeos, cerca de 30 antigos voluntários denunciaram a situação em relatos entregues ao MP. Segundo esses depoimentos, o canil 13 “é um corredor onde os animais nunca resistem, morrem praticamente todos”. A maternidade nunca foi vista limpa pelos ex-funcionários, que relatam casos de filhotes “lambuzados de urina e fezes”.

Na longa exposição dos antigos voluntários, que se colocam à disposição para depor, eles relatam que a eutanásia não é usada como a última opção, mas para evitar tratamentos em alguns bichos. As decisões sobre condutas ficariam a cargo de funcionários que não são veterinários. Casos de cães e gatos com sarna e bicheira são constantes, dizem os denunciantes, e não há nenhuma providência para tratá-los. “Presenciamos animais que vão para a enfermaria por causa de um simples ferimento e acabam com a pele danificada por sarna ou dermatites. O que deveria ser tratado acaba piorando”, relata um deles.

Na denúncia encaminhada com os vídeos ao MP, antigos funcionários falam da campanha de uma grande marca de ração, que doa um saco do produto para cada animal doado. Eles  dizem, porém, que o alimento não chega aos bichos abrigados.

‘ESCONDIDOS’ “Comecei a observar que lá é um verdadeiro campo de concentração. É um horror o que acontece com os animais e isso estava me deixando doente também”, afirmou a turismóloga Gabriela Souza Braga, por três anos voluntária na SMPA. Outra das testemunhas, a publicitária Maristela Aguiar Coelho, afirmou que a entidade tenta esconder os problemas. “Os animais mais debilitados são escondidos. O dinheiro que entra parece não chegar para os bichos, que ficam abandonados. Do jeito que estão, seria melhor para eles que estivessem na rua.”

Um dos autores da denúncia, o presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, deputado federal Fred Costa (PEN), pediu uma decisão ágil do Judiciário. “É inadmissível que uma entidade que leve no nome a sua razão de existir suscite dúvidas com relação a práticas de maus-tratos. É preciso haver uma apuração imediata e rigorosa”, afirmou. Procurado, o juiz responsável pela ação, Jefferson Maria, disse que vai colocá-la em pauta em no máximo uma semana.


Gestores dizem que quadro foi superado

Os canis abertos ao público da Sociedade Mineira Protetora dos Animais, no Bairro Guarani, Região Nordeste, aparentam normalidade. A equipe do Estado de Minas visitou o abrigo por volta das 11h de ontem e, sob pretexto de fazer uma matéria sobre a adoção de cães e gatos, teve acesso apenas às dependências em que ficam os bichos aptos à adoção. Não foi permitida a entrada na enfermaria, sob alegação de que era um hospital e, portanto, haveria risco de contaminação externa e interna.

Na ausência da presidente e do vice-presidente que, segundo as funcionárias, apenas passam pelo abrigo no decorrer do dia, a veterinária Nélida Flávia Ribeiro Resende (uma das denunciadas pelo MP) acompanhou a equipe e, logo na chegada, informou que a SMPA não está recebendo mais animais, devido à denúncia. “Eles fizeram uma visita e não encontraram maus-tratos no sentido de maldade, mas estava superlotado. Então o MP nos proibiu de receber animais”, afirmou. Segundo a médica, os que tentam levar mais bichos são orientados a procurar o Centro de Controle de Zoonozes da Prefeitura de BH.

De acordo com Nélida, a instituição abriga hoje 284 cães e 39 gatos, mas antes da visita havia mais de 400. O objetivo é passar a 250. Para isso, segundo ela, a sociedade tem participado de feiras de adoção. No último mês, afirma, foram adotados 19 cães e sete gatos.

Procurada, a presidente da sociedade, Kênia Fonseca Campos, informou estar viajando e indicou o vice-presidente Carlos Alberto Marchetti para falar sobre o assunto. Ele admitiu que o local passou por dificuldades, mas também negou maus-tratos aos animais. Segundo ele, o caso se refere a gestões anteriores e ainda não foi devidamente investigado. “Nada foi provado, são só denúncia de pessoas que se diziam voluntárias e fizeram um vídeo escondido”, afirmou.

Alegando desconhecer o conteúdo dos vídeos e fotos, Carlos Alberto acrescentou que os dirigentes aguardam ser chamados para esclarecer os fatos. Ele admite que podem ter havido mortes, já que os animais chegam da rua, debilitados ou atropelados, mas atribui à inexperiência das pessoas que fizeram as denúncias a gravidade atribuída aos fatos. “Em um universo de 500 cachorros que são abandonados na rua, atropelados, doentes, é natural que haja mortes. No hospital não morre gente todo dia?”, comparou. “Eles (os denunciantes) estão acobertados por um deputado que nem sabe onde a sociedade é. Quando o procuramos para pedir apoio para melhorias, não quis nos receber”, argumentou.

Quanto às denúncias de canibalismo, ele admite a incapacidade de controlar os bichos. “Se aconteceu, é porque os animais são de rua, vêm de fora, são bravos. Então, se você tem um canil com mais de 500 bichos, acontece”, justificou. O dirigente garantiu não ter havido irregularidade na eleição da atual administração e disse que, desde 28 de agosto, quando foi eleito, a contabilidade está regular e em dia. Segundo ele, o orçamento da sociedade é de cerca de R$ 35 mil mensais, dos quais R$ 7 mil viriam de doações. O restante seria obtido pela clínica de atendimento popular mantida pela entidade.

Doações em conta e suspeita de desvios

A situação em que vivem cães e gatos na Sociedade Mineira Protetora dos Animais talvez seja reflexo do quadro administrativo e financeiro denunciado pela Promotoria de Justiça de Associações Civis. Conforme a ação, a contabilidade é inexistente desde 2008 e a eleição para composição da atual diretoria ocorreu em agosto, sob “atmosfera nebulosa”, além de não ter sido registrada em cartório até a data da investigação. O quadro enseja suspeita de desvio de verba, o que não pôde ser fiscalizado justamente por falta de documentação. São denunciados a presidente em exercício, Kênia Fonseca Campos, responsável técnica pelo abrigo durante o período investigado, o vice-presidente Carlos Alberto Marchetti e outros 11 integrantes, entre conselheiros, secretários e tesoureira.

Segundo denúncia oferecida pelo promotor Wagner Lúcio Teixeira Leão, a entidade vive de doações feitas por simpatizantes da causa animal. Parte delas ocorre via conta de energia elétrica da Cemig, com autorizações de débitos. Segundo informou a estatal no processo, os recursos repassados somavam R$ 435.507,09 até junho deste ano, e seriam da ordem de R$ 8 mil mensais. O promotor pede no processo que a Cemig seja oficiada para que não aceite novos contribuintes.

A promotoria alega que a SMPA desrespeita legislação vigente para o associativismo, não mantendo, por exemplo, livro de registro de sócios e considerando automaticamente filiados aqueles que contribuem pela conta de luz. A eleição para os conselhos diretor e fiscal seria ilegítima, já que somente os próprios candidatos em chapa única votaram. Também houve apenas troca de cadeiras entre pelo menos três membros que compuseram a diretoria anterior.

“É, em termos práticos, a própria auto-eleição, derivada da ausência do colégio eleitoral”, sustenta o promotor. Segundo a ação, a confusão entre associados e a direção da entidade “enseja dúvidas até mesmo acerca de possível utilização ilícita das atividades da associação, como se empresa fosse.” Seguindo com a argumentação, o MP diz que, no caso de se portar como empresa, a irregularidade ofenderia a boa fé das pessoas, causando prejuízo ao Estado em razão dos benefícios fiscais, e aos que contribuem.

Para Graça Leal, representante do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais, que reúne cerca de 50 grupos de militantes, os possíveis desvios não são motivo para os doadores pararem de contribuir. Apesar de defender providências rápidas das autoridades e afastamento imediato dos gestores, ela argumenta que a instituição não deve ser punida pelas irregularidades dos atuais dirigentes. “Pedimos aos contribuintes que não encerrem as doações, pois  são elas que mantêm o abrigo.” Segundo ela, os contribuintes receberão um comunicado com detalhes sobre a denúncia”, afirma.


SAIBA MAIS: SOCIEDADE PROTETORA DOS ANIMAIS

A Sociedade Mineira Protetora dos Animais foi fundada em 14 de junho de 1925 por um grupo de pessoas que se dedicavam a recolher sobretudo cães e gatos abandonados nas ruas, mas também cavalos e burros que puxavam carroças. É uma entidade filantrópica sem fins lucrativos, declarada de utilidade pública por leis estadual e municipal. Desde julho de 1971 funciona em lotes no Bairro Guarani, na Região Nordeste de BH. A construção foi custeada por voluntários, sem subvenção do governo. Há organizações do mesmo tipo em vários estados.



 


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