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Estado de Minas

Mais de 500 bichos foram recolhidos mortos este ano em rodovias federais mineiras

Alta velocidade e falta de estradas adaptadas para proteger fauna agravam o problema de morte de animais


postado em 24/06/2012 07:06

Tamanduá morto na BR-354 e caminhão acima do limite de velocidade: especialistas cobram medidas para proteger a fauna(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil)
Tamanduá morto na BR-354 e caminhão acima do limite de velocidade: especialistas cobram medidas para proteger a fauna (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil)

De um lado, a floresta de eucaliptos escura e alta. De outro, uma mata ciliar revestindo um córrego estreito. Para o tamanduá-bandeira de pelagem preta e branca, do tamanho de uma criança, o traçado era simples e direto: das árvores para a beira d’água. Mas o caminho incluía o asfalto da BR-354, uma das poucas ligações da Zona da Mata com o Sul e o Centro-Oeste mineiros. As três faixas em declive estimulam caminhões e carretas a cortá-la em alta velocidade – o EM flagrou veículos a 101km/h, quando o permitido é 80km/h. O tímido tamanduá, que pode pesar 45 quilos, não resistiu. Atropelado, morreu no acostamento, longe da mata ciliar.

Sem medidas de proteção, as mortes de animais se sucedem nas rodovias mineiras. No estado, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram retirados das estradas 561 animais silvestres atropelados até o dia 20 de junho, número seis vezes superior aos 90 que foram removidos no ano passado inteiro e 2,8 vezes o total de 2010, de 195, a maioria aves e mamíferos. A Polícia Militar não informou quantos animais são recolhidos.

Nas estradas percorridas pela reportagem, a história se repete. A pista é a única divisão entre dois trechos de mata e, por isso, vira espécie de zona de conflito. Como não há cercas ou túneis de travessia, os animais acabam encurralados. Tampouco há placas orientando motoristas para que reduzam a velocidade e fiquem atentos à passagem de animais silvestres. “O interesse em criar alternativas harmoniosas para a fauna prosseguir seu ciclo, mesmo com as estradas, é novo no Brasil. Isso precisa ser imposto, fiscalizado. Não há tanto interesse e as rodovias são antigas, por isso precisariam ser adaptadas”, defende a a bióloga e consultora ambiental Cecília Bueno.

A apenas três quilômetros do local onde o tamanduá-bandeira morreu atropelado, no acostamento da BR-354, um furão e um urubu também haviam sido atropelados. “É o que chamo de o ciclo da morte. Um animal vai atravessar a rodovia, é atropelado e morre. Um predador natural o fareja e acaba atropelado também. Aí, aparece um urubu interessado na carniça e os veículos também passam por cima dele”, descreve a bióloga Cecília Bueno. O local também é uma descida longa, onde os veículos trafegam acima da velocidade permitida, de 80km/h, chegando a atingir até 127km/h, segundo medição feita pelo EM.

Barulho

A ameaça aos animais vai além dos atropelamentos. Com um medidor especial, a reportagem detectou que, cinco metros dentro da mata de onde o furão saiu para ser atingido por um veículo, o ruído chega a 91,7 decibéis. Segundo especialistas, uma pessoa exposta por oito horas a ruídos de 85 decibéis corre risco de perda auditiva. O ruído foi praticamente o mesmo dentro da floresta de onde saiu o tamanduá atropelado na BR-354: 91,6 decibéis. “O ruído e a movimentação dos veículos interferem no ciclo reprodutivo e na diversidade genética dos bandos, uma vez que certos animais deixam de atravessar enquanto outros se arriscam”, diz Cecília.

Em borracharia na BR-354, mata aos fundos recebe resíduos (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil)
Em borracharia na BR-354, mata aos fundos recebe resíduos (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil)
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que segue as diretrizes de seu manual, onde constam a forma de incluir sinalizações em locais de travessia de faunas, que devem contar com redução de velocidade, bem como pontos para a travessia de animais. Contudo, a autarquia não soube dizer como é feito esse monitoramento nem os locais onde há barreiras e travessias instaladas ou com previsão de instalação. “Representantes do Dnit têm vindo a nossas reuniões, da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) também, mas por enquanto não há iniciativas que não tenham sido obrigadas por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público ou de órgãos ambientais”, afirma a bióloga Cecília Bueno.

O Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) informou que exige de todo empreendimento projeto para reduzir o impacto na fauna. De acordo com o órgão, pelo menos três rodovias receberam estruturas para passagem de animais silvestres sob o pavimento: ligação da BR-040 a Piedade do Paraopeba, conexão da MG-010 (Serra do Cipó) a Santana do Riacho e a estrada do Parque Estadual do Rola Moça.

Óleo e lixo

Quando funcionários da empreiteira que reforma a BR-354, em Campo Belo (Sul de Minas), param alguma das vias por conta das obras, as manchas de óleo de caminhões e carretas que são obrigados a parar se espalham pela rodovia. O óleo que desce do tanque e por vezes de dentro dos capôs é uma amostra do que pinga ao longo das estradas e vai se acumulando. Com o tempo, o composto viscoso e marrom se mistura a graxa e fragmentos de asfalto e borracha. Sem canaletas apropriadas, o poluente concentrado, apontam especialistas, acaba chegando a áreas de mata cortada pela via, que também recebe o lixo jogado por caminhoneiros e motoristas.

Além da falta de preparo das rodovias mineiras para minimizar a poluição do transporte, há iniciativas que contribuem para agravar o problema. No Km 722 da BR-381, por exemplo, a água das chuvas coletada nas calhas é despejada sem qualquer tratamento no leito do Ribeirão do Carmo. Além dos resíduos diários que são invariavelmente levados com essa água, o córrego, que banha pastagens de gado e plantações do município de Lavras, no Sul de Minas, está exposto caso uma carreta com material tóxico tombe e provoque vazamento.

Pouco à frente, no km 703, a borracharia de um posto de gasolina não trata toda a graxa de rolamentos, caixas de marchas e óleo que vaza de veículos em reparos. O destino deles é outro córrego que flui abaixo, o Córrego Formiga. O posto de abastecimento até tem duas caixas coletoras, mas a borracharia não as usa completamente. “Temos uma excelente base legal, mas temos pouca fiscalização, pouco monitoramento, poucas séries históricas de dados realmente confiáveis, pouca pesquisa aplicada, poucas empresas de monitoramento e prestadoras de serviços ambientais”, diz o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo Motta Pinto Coelho.

Em uma borracharia da BR-354, em Campo Belo, o piso do posto é inclinado e termina num duto profundo que lança líquidos escuros para uma área onde há um lago. A trilha de embalagens plásticas, pequenos tambores e galões de óleos e produtos para veículos indica que que a chuva carrega todo o material para a mata. O posto também dispõe de uma caixa de tratamento, porém os dutos estão em mau estado e há vazamento de óleo.


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