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Estado de Minas

Celebração do divino em São João del Rei com capela restaurada

Saqueada por ladrões em fazenda de São Vicente de Minas e com acervo remontado em São João del-Rei, capela em estilo rococó vai ser sagrada amanhã na Festa do Espírito Santo


postado em 26/05/2012 06:00 / atualizado em 26/05/2012 07:10

Depois do furto de imagens, castiçais e talhas, defensores do patrimônio conseguiram salvar altar-mor, retábulos, púlpito e outras peças, que ficaram guardadas por mais de duas décadas(foto: Rodrigo Clemente/Esp.EM/D.A Press)
Depois do furto de imagens, castiçais e talhas, defensores do patrimônio conseguiram salvar altar-mor, retábulos, púlpito e outras peças, que ficaram guardadas por mais de duas décadas (foto: Rodrigo Clemente/Esp.EM/D.A Press)
São João del-Rei – Fé, preservação e defesa do patrimônio mineiro. Esses são os elementos principais de uma história que começa no século 18 e ganha nova etapa amanhã, quando os católicos celebram a Festa do Divino Espírito Santo. Com procissão e missa solene, será inaugurada, às 9h30, uma capela no Centro Histórico de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, construída especialmente para abrigar o altar-mor e dois retábulos laterais, forro, púlpito, arco-cruzeiro e andor do padroeiro, representado pela pomba sagrada, com pinturas atribuídas ao artista colonial Joaquim José da Natividade (1775–1840). A trajetória do acervo em estilo rococó, originalmente pertencente ao templo de uma fazenda de São Vicente de Minas, no Sul de Minas, reúne lances de emoção à flor da pele, trâmites burocráticos, resgate e espera de mais de 20 anos. No fim das contas, Minas conseguiu manter um bem religioso e cultural.

No interior da capela, ao lado do Cemitério do Rosário, a equipe do restaurador e historiador Carlos Magno de Araújo dá os últimos retoques nos elementos artísticos que serão vistos pela primeira vez em décadas durante a sagração do novo templo, a ser feita pelo bispo diocesano Célio de Oliveira Goulart. Atento a cada detalhe, Carlos Magno mostra o forro tridimensional, “o único do país”, segundo ele, por trazer a Santíssima Trindade coroando Nossa Senhora, contornada por árvores num efeito ilusionista. Mais interessante ainda é notar a coroa de madeira em relevo projetando-se além do forro. “Encontramos apenas as marcas dos pregos e, a partir daí, refizemos a coroa”, explica o restaurador, nascido e residente em São João del-Rei.

O ornamento dourado é a deixa para Carlos Magno voltar no tempo de infância, reconstituir os últimos 25 anos da capela datada de 1760 e exaltar a importância da obra de Natividade, que, segundo o pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Olinto Rodrigues dos Santos Filho, estava no mesmo nível artístico de Manuel da Costa Ataíde (1762–1830) e outros contemporâneos. “Quando criança, passava sempre as férias na fazenda da família em São Vicente de Minas e ficava impressionado com a capelinha no meio rural. Depois, quando fui estudar história em Ouro Preto, ouvi a professora Míriam Ribeiro falar sobre Natividade e, imediatamente, me lembrei dos elementos artísticos.”

ROUBO

Na década de 1980, o templo ficou praticamente abandonado, sendo alvo constante de assaltos e saques. “O ladrão tinha uma a cópia da chave da capela e levou as imagens, castiçais e talhas com as flores douradas. Com um pé de cabra, chegou a arrancar parte do altar-mor”, conta Carlos Magno, mostrando fotos do retábulo já depredado. Em 1987, revoltado, ele relatou a situação ao então pároco da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, e ao bispo diocesano dom Antônio Carlos Mesquita. Conforme documentos da catedral, dom Antônio conversou com o pároco de São Vicente de Minas, padre Luiz Eustáquio do Nascimento, e sugeriu ao monsenhor Paiva que trouxesse o que restou da capelinha para ser colocado no Museu de Arte Sacra de São João del-Rei. A autorização foi dada em 20 de outubro daquele ano e, inicialmente, o acervo ficou na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

Numa outra foto, Carlos Magno ajuda a equipe a embalar as peças a serem conduzidas a São João del-Rei. Ele conta que o prédio do Museu de Arte Sacra não comportou os bens. O jeito, então, foi levar tudo para o ateliê de restauração anexo à Capela de Santo Antônio, onde foram feitas limpeza, higienização e fixação da policromia e douramento. Como a capela não era tombada pela União, os entendimentos como o Iphan foram infrutíferos. No fim da década de 1990 o monsenhor Paiva adquiriu um terreno e somente em 2006 começaram as articulações para erguer o templo, que teve patrocínio da Oi, enquanto a Cemig custeou o restauro da decoração. As obras finalmente começaram em 3 de março de 2008.
O restaurador Carlos Magno ajudou a desmontar e embalar as peças sacras em 1988, e 20 anos depois, a remontá-las em um novo templo(foto: Rodrigo Clemente/Esp.EM/D.A Press)
O restaurador Carlos Magno ajudou a desmontar e embalar as peças sacras em 1988, e 20 anos depois, a remontá-las em um novo templo (foto: Rodrigo Clemente/Esp.EM/D.A Press)

SALVAÇÃO “Se não tivéssemos tomado essas providências, o patrimônio teria sido desmantelado e ido parar nas mãos de vários colecionadores, certamente até de fora do Brasil”, afirma Carlos Magno, lembrando que se sentia em dívida com o povo de São Vicente de Minas. “Eles agora poderão visitar a capela, que tem nos altares réplicas da imagens originais furtados – a pomba sagrada, Nossa Senhora de Pentecostes, São José, São Sebastião, Santa Rita de Cássia e São Miguel. Numa das salas, haverá um memorial em homenagem a Natividade e para exposição de documentos e ferramentas da época da construção da capela encontrados num cômodo atrás do altar-mor. Para o padre Geraldo Magela da Silva, pároco da Catedral Basílica, “a beleza é a expressão divina”, e o acervo “um legado dos antepassados”. A partir da segunda quinzena de junho, informa, haverá missas às quartas-feiras seguindo o terço das mulheres. Quem quiser já pode agendar casamento. No ano que vem, homens e mulheres poderão participar da novena do Divino.

A proprietária da Fazenda Espírito Santo, Heloísa Helena Reis Junqueira, revela que no início não concordou com a retirada da capela das terras da família. “Não nos avisaram. Chegou um caminhão do Exército e foi levando tudo. Depois é que o bispo deu uma satisfação. Hoje, pensando friamente, vejo que foi a melhor medida, pois, do contrário, o acervo teria acabado”, diz Heloísa, que pretende, em breve, visitar o novo templo. “Sobraram as paredes da nossa capela, mas, para nós, o mais importante é a parte espiritual. Amanhã, também vamos celebrar o Divino aqui.”


LINHA DO TEMPO
Século 18 – Em meados do século, numa fazenda em São Vicente de Minas, é construída a primeira capela dedicada ao Divino Espírito Santo
1760 – Em 26 de fevereiro, o bispo de Mariana, dom Frei Manoel da Cruz, autoriza a construção da nova capela em São Vicente de Minas
Século 19 –Entre o fim do 18 e início do 19, capela recebe a decoração interna feita por Joaquim José da Natividade
1824 – O bispo de Mariana, dom Frei José da Santíssima Trindade, visita a Capela do Divino
1940 – É feita uma grande reforma na capela, que apresentava problemas principalmente no telhado
Década de 1980 – Em meados da década, a capela passa a ser alvo de assaltos, com roubo de imagens, castiçais e até as talhas douradas
1988 –Bispo diocesano, dom Antônio Carlos Mesquita, autoriza a transferência dos restos da decoração para São João del-Rei
2008 –Em 3 de março, começa a construção, em São João del-Rei, da Capela do Divino Espírito Santo, que será inaugurada amanhã


UM MESTRE DO ROCOCÓ
O pintor do forro, altares, púlpito e outras peças rococós da Capela do Divino Espírito Santo ainda é pouco conhecido dos mineiros, embora esteja no nível dos artistas coloniais Manuel da Costa Ataíde, João Nepomuceno Correia e Castro e Manuel Vítor de Jesus. Nascido em Sabará por volta de 1775, Joaquim José da Natividade trabalhou na comarca do Rio das Mortes, que tinha São João del-Rei como sede, mas antes, em 1790, passou por Congonhas, onde foi aprendiz de João Nepomuceno, responsável pelas pinturas do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos. Na mesma época, segundo o pesquisador Olinto Rodrigues dos Santos Filho, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que estudou vida e obra do pintor, Natividade atuou na capela da Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale. Depois de ficar em São João del-Rei de 1804 a 1820, havendo criado o projeto de um chafariz que não existe mais, o pintor seguiu para o Sul de Minas e deixou sua marca em templos de Lavras, São Tomé das Letras, Conceição da Barra de Minas, Liberdade e outros. Ele morreu em Baependi, no Sul de Minas, em 1840.
 


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