
O drama em Mamonas é apenas uma das consequências daquela que já é apontada pelos meteorologistas como uma das maiores estiagens da história do estado. A mancha de sede que ela espalha pelo mapa de Minas só faz crescer: já engoliu 96 municípios, todos em estado de emergência, a grande maioria no Norte e no Vale do Jequitinhonha. No seu rastro, a lavoura teve perda que supera 70%; quando não morre, o gado mingua com fome e sede; prefeituras escavam o solo atrás de água para a população, mas pouco encontram. Quando acham, em muitos casos o líquido que chega à superfície é salobro. Banho virou luxo, mantido graças a água de aspecto duvidoso, buscada cada vez mais longe.
Divisão
Especialistas tentam explicar o que o sertanejo sente na pele, sol após sol. “Na verdade, isso já é consequência do aquecimento global. As regiões semiáridas tendem a sofrer mais com os efeitos do fenômeno, vivendo contrastes, com muita chuva concentrada em determinado período, tendo, logo depois, estiagem rigorosa”, diz o meteorologista Ruibram dos Reis, do Instituto Climatempo e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Já o professor Expedito José Ferreira, coordenador do Centro de Estudos de Convivência com o Semiárido, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) em parceria com o governo de Minas, afirma que diversos fatores estão ligados ao longo período de estiagem. “O mais provável é que seja influência do fenômeno La Niña (resfriamento das águas do Oceano Pacífico)”, informa. Segundo ele, apesar de uma corrente atribuir o rigor da seca ao aquecimento global, ainda não há consenso na comunidade científica sobre isso.
Para quem vive no sertão mineiro, a verdadeira explicação pouca diferença faz, frente à aridez do cotidiano. Escassez de chuvas não é novidade no Norte de Minas. Mas, desta vez, a seca chegou bem mais cedo. Em outros tempos, maio era apenas o início da estiagem. Rios ainda corriam, plantações eram colhidas e havia pasto verde para espalhar o gado. A situação só apertava de verdade entre agosto e setembro. Neste ano, maio recebeu os moradores da região com o chão esturricado e poeira em leitos de cursos d’água. No campo, lavouras se perderam e produtores correm para vender rebanhos a qualquer preço, para não deixar os animais sucumbir à fome e à sede.
A equipe do Estado de Minas percorreu alguns dos municípios mais castigados. Lugares em que o volume de chuvas de outubro/2011 a março/2012 foi de pouco mais de 400 milímetros, metade da média histórica (800 a 900 milímetros). Só choveu mesmo até o início de janeiro. Tão pouco que muitos rios e córregos nem chegaram a correr. Nesta semana, foram registradas chuvas esparsas pela região. Em Montes Claros, chegaram até a causar danos ao asfalto, mas, no extremo Norte, área mais afetada, o pouco que pingou do céu não alterou em praticamente nada o cenário de desolação. Por isso, além da aridez já instalada, o que mais apavora o sertanejo é saber que chuvas “de verdade” só devem voltar à região em outubro ou novembro, como estimam meteorologistas.
“Será o fim do mundo?”, pergunta-se Celestina de Andrade, que encontramos em Mamonas. Ela conta que a família sobrevive graças à água captada na nascente em uma serra perto de casa. É a mesma que sustenta outros moradores do lugar, que rezam por mais um pouco de chuva que mantenha viva a última fonte.
Um deles é o agricultor Evangelista de Andrade Câmara, de 42 anos. “Em março, a nascente quase secou. Tive que trazer água na cabeça, de um poço.” Em anos anteriores, esta era a época de plantar alho em área de um hectare, perto da barragem do Rio Cabeceiras. Neste ano, ele preparou a terra, mas, com a barragem seca, o terreno ficou nu. Sem pasto, o agricultor também teve que vender parte do seu pequeno rebanho. Restaram seis reses, e nem elas ele sabe se vai conseguir manter até o fim da estiagem. “É a primeira vez que vejo uma seca deste tipo. Deus ajude que seja também a última.”
