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Estado de Minas

Adoção deixou de ser tabu e segredo para se transformar em orgulho


postado em 27/11/2011 07:40 / atualizado em 27/11/2011 07:55

Bombonzinho que é só alegria

Nas vésperas do Natal de 2008, a pedagoga Luciana de Pinho Tavares, de 38 anos, recebeu ligação de um abrigo em Bambuí avisando que havia uma menina, de 4 meses, mas que era um bombonzinho. O eufemismo queria dizer que se tratava de uma criança negra. Só agora, aos 3 anos, Maria Clara começa a perceber a diferença na cor da pele. Outro dia brincou que ela é marrom, que eu sou rosa e que o vovô é branco, porque tem a cabeça branca, conta a mãe, sem esconder o orgulho em relação à filhota, mais esperta do que tudo. Desde o namoro, ela e o marido, o administrador Anderson Henriques Resende, de 41 anos, sonhavam em engravidar e depois tentar a adoção. Após dois tratamentos de fertilização, decidiram inverter o processo. Se soubesse como é bom, não teria gastado tanto nem me desgastado tanto, admite Luciana, que permanece na fila da adoção, agora candidata a ter um filho com mais de 5 anos e que pode ter um problema leve de saúde: Se fosse engravidar, não teria que aceitar o que viesse na barriga.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A/Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A/Press)
Adotar uma criança torna-se uma decisão cada vez mais natural. Além de se abrir para dar colo a um filho já pronto, as famílias não precisam mais guardar segredo sobre a origem do bebê nem inventar uma história de gravidez. Ao contrário, candidatos a pais são estimulados a falar livremente sobre a sua escolha, de forma mais leve, sem tabu. A nova cultura da adoção foi defendida na sexta-feira, durante o 1º Encontro Estadual dos Grupos de Apoio à Adoção, em Divinópolis, Centro-Oeste. Durante o evento foi lançada a Frente Ampla Pró-Adoção de Minas Gerais, terceira do país, liderada pelas deputadas Luzia Ferreira (PPS) e Ana Maria Resende (PSDB), também ela mãe adotiva.

Sem a necessidade de esconder o filho, vão surgindo as mais belas histórias de amor que antes eram impossíveis de ser contadas. São casais de pele clara embalando “bombonzinhos”, apelido dos bebês negros nos abrigos, como Maria Clara, hoje com 3 anos, filha da pedagoga Luciana de Pinho Tavares, de 38 anos. Outros decidem levar para casa dois ou três irmãos em adoções múltiplas. Antigamente, ficava mais difícil aparecer, de repente, com duas ou três crianças ao mesmo tempo. Há ainda casos raros de adoções de crianças HIV positivas, com síndrome de Down e até de ‘anjos da guarda’, como Tainan, de 16 anos, cego e com paralisia cerebral, adotado por Benedita e Osmar Liduário (leia abaixo).

 “A adoção nunca foi tão comentada como agora. É permitido dizer que fulana adotou uma filha e olha como ela parece feliz! À medida que vai ficando normal, as pessoas passam a olhar a causa com outro olhar. Não tem outra forma de dizer nem é politicamente correto, mas a adoção saiu do armário”, define a advogada Silvana do Monte Moreira, diretora jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção. Ela participou do evento com a filha adotiva Gabriela, de 11 anos. “Minha filha é linda e muito amada. Tenho duas filhas e as amo em iguais proporções”, diz Silvana, que tem uma filha biológica de 18 anos.

A entidade conta com cerca de 150 grupos de apoio à causa brigando por uma nova cultura de adoção. Somente cinco destes grupos funcionam em Minas (pouco mais de 3% do total), que ainda resiste ao tema. Segundo o Cadastro Nacional de Adoção, de outubro, o estado é o terceiro com o maior número de crianças nos abrigos esperando adoção (577). Perde para São Paulo (1.289) e Rio Grande do Sul (788).

 “Os casais chegam no grupo com o sonho de adotar uma criança clarinha, de olhos azuis. Aos poucos, vamos mostrando a eles que sonhar é permitido, mas que a realidade brasileira é diferente. Basta visitar um abrigo para se apaixonar por uma criança. Não é o casal que escolhe a criança, ela é quem escolhe o casal”, ensina Sandra Amaral, coordenadora do evento e fundadora do grupo De volta para casa, de Divinópolis, que nunca enfrentou um caso de devolução em três anos.
Só com a aceitação do perfil da criança será possível fazer andar a fila da adoção, que não acabou nem mesmo com a nova Lei Nacional de Adoção, de 2009. Para cada 1,4 criança esquecida em instituições, há uma família disposta a adotar, mas impedida de dar colo pela burocracia dos tribunais e preconceito das próprias famílias. “Não é uma lei que resolve o problema da adoção. É preciso decidir rápido, pois estamos lidando com crianças”, avisa Sandra. Ela alerta que 75% dessas crianças deixadas nos abrigos já têm mais de 5 anos.

NOVA LEI EM VIGOR


Imediatamente, depois da entrada em vigor da Lei 12.010, de 2009, que deveria simplificar o processo de adoção, cerca de 37 mil meninos e meninas continuam vivendo em abrigos de todo o país, enquanto 27 mil adultos encontravam-se inscritos no processo de adoção, segundo levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre setembro de 2009 e novembro do ano passado. O represamento já foi pior antes da lei, atingindo cerca de 80 mil crianças.

Se preferir ter um filho em tempo recorde, basta fazer como o industrial Rafael Nogueira, de 50 anos. “Fico até sem jeito de contar isso, mas consegui a guarda do meu filho, com o processo totalmente concluído, em 21 dias. Não gosto de contar isso para não criar falsa esperança nas pessoas”, revela Rafael, sob muita insistência. Em 2009, ele e a mulher, a professora Kátia Camargos, de 50 anos, entraram com pedido de adoção de um garoto na faixa dos 10 anos. No mesmo ano, Juninho veio passar um período de adaptação na casa dos pais e não voltou mais. “Na hora de devolver para o juiz ele chorou e disse que queria ficar com a gente. Era domingo, Dia dos Pais”, conta Rafael, emocionado.

O casal, então na faixa dos 40 anos, optou por ter um filho já crescido para que pudesse acompanhar o desenvolvimento do rapaz. “Ficamos 10 anos fazendo tratamento para ter um filho, justamente o tempo que perdemos sem o Juninho. Se fosse hoje, tentaríamos a adoção mais rápido”, contam. A mãe diz que foi surpreendida com o amadurecimento de Juninho em relação a questões como organização do quarto, higiene, escovação dos dentes e disciplina nos estudos. “Achei que teria mais problema com adaptação à rotina de casa, mas ele já veio pronto. Juninho sente mais falta do movimento de crianças do abrigo e não entende quando compramos roupas novas para ele. No abrigo, as roupas eram doadas e de uso comunitário. Mas acho que ele vai aprender rapidinho com a convivência com outros garotos no colégio”, comenta a mãe, brincalhona e feliz da vida.

SETE VERDADES SOBRE A ADOÇÃO

O que dizem especialistas e quem já passou pela experiência de adotar um filho

 

Um
“Adotar uma criança não é apenas um gesto bonito, nobre, não tem a ver com caridade. Se desejar fazer voluntariado, vá passar a tarde em um abrigo brincando com as crianças e faça doações mensais.”

 

Dois
 “O fato de adotar uma criança não o faz ser especial ou melhor do que ninguém. Adoção é querer muito um filho e um filho precisar muito de uma família. É um encontro de interesses”

 

Três
“Ao tentar a adoção, o casal prefere uma criança parecida com os pais e sem nenhum probleminha de saúde, o que dificulta o processo. Se fosse engravidar, não teria que aceitar o que viesse na barriga?”

 

Quatro
“Ter um filho, seja ele adotivo ou biológico, significa investir sua vida na vida de outro sem querer nada em troca. Não há como uma criança amada se voltar contra você, mas se isso acontecer, é porque ela não o merece. A ingratidão é do ser humano, não é do filho adotivo.”

 

Cinco
“Pais de filhos adotados têm de estar mais bem
preparados porque crianças que já foram rejeitadas pelos pais biológicos testam todo o tempo o amor dos pais, com medo de ser devolvidas ao abrigo”

 

Seis
 “A decisão de ter um filho adotivo não depende de status nem da condição financeira do casal. É coisa do coração e as dificuldades que vierem se resolvem com o coração”

 

Sete
“Não se usa mais falar em filho adotivo, mas sim filho que chegou à família por adoção, pois é filho do
mesmo jeito. Alguns casais explicam à criança que ela não veio da barriga, mas do coração”


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