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Estado de Minas MORTE S/A

Extorsão de funerárias pode ser evitada. Saiba como

Defensoria Pública recomenda a parentes de mortos que fujam da ação de agentes de indústria macabra que invadem os hospitais, funerárias e repartições públicas para comercializar funerais


postado em 03/11/2011 06:00 / atualizado em 03/11/2011 07:23

Eles agem justamente no momento de desespero, quando o cliente nada mais pode fazer para salvar a vida da pessoa que ama e, ao mesmo tempo, precisa tomar frente de toda a burocracia que envolve um funeral. É este o trabalho dos integrantes de uma indústria macabra que se instalou em Belo Horizonte permeando hospitais, funerárias e subornando policiais, médicos, enfermeiros, como mostram desde domingo reportagens do Estado de Minas. A insistência e a pressão psicológica, que beira até a truculência, têm como aliada a pouca informação sobre trâmites legais e normais desses processos. “A melhor defesa é a prevenção. As pessoas podem procurar a Defensoria Pública, ligar para a prefeitura e para o Instituto Médico Legal (IML) para saber ao certo quais passos precisam ser dados”, aconselha o defensor Frederico de Sousa Saraiva, da 10ª Defensoria Civil da capital, membro do núcleo de atuação extrajudicial.

Mande seu relato sobre abusos de funerárias para a comunidade Morte S/A

No caso do esquema de liberação do seguro Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), o assédio começa na porta do hospital ou do IML. Agentes de escritórios ou de funerárias abordam parentes de pessoa falecida, visivelmente abalados, e oferece ajuda para liberar o seguro por uma taxa que vai de 20% a 30% do valor bruto, que no caso de morte chega a R$ 13,5 mil. “As pessoas acabam aceitando naquele momento de dor, mas o correto é que peçam diretamente a liberação, pois é de graça e não necessita de advogados”, afirma o defensor.

Além da perda desse dinheiro, o uso de intermediários no processo de liberação do DPVAT pode terminar no endividamento da pessoa que seria beneficiária. “Já houve casos em que o escritório adiantou R$ 10 mil para a pessoa. Só que, na hora de receber o DPVAT, a pessoa perdeu o direito e os advogados foram em cima, cobrando o ressarcimento”, conta Saraiva.

Outro esquema que visa tirar vantagem das pessoas desoladas ocorre dentro dos hospitais. Os médicos e assistentes sociais comunicam a morte aos parentes e mandam as pessoas seguirem para salas de “assistência familiar” ou de “assistência da família”. Ao chegar a esses locais, os parentes do falecido não sabem que estão tratando, na verdade, com funerárias ali instaladas pelos hospitais. Enquanto as pessoas fornecem documentos, que são levados aos médicos para lavrar o atestado de óbito, acabam sendo envolvidos. Pensando ainda tratar com gente da instituição, quando veem, já estão olhando caixões e coroas de flores com preços que chegam a ser até 30% mais caros do que os praticados no mercado.

De acordo com o advogado Diamantino Silva Filho, especialista em direito público, o que as pessoas podem fazer quando perceberem que foram enganadas é registrar uma ocorrência policial. “A vítima deve relatar que o hospital deu acesso ao corpo. Depois, é possível provar que esse era um contrato viciado, que a pessoa foi levada a tomar essa decisão quando estava sem condições. Afinal, esse assédio é uma agressão e toda agressão dá direito a pedido de indenização por dano moral”, afirma Filho.

Intermediação em Montes Claros

O pagamento do seguro DPVAT desperta grande interesse das funerárias no atendimento a vítimas de acidentes em Montes Claros, no Norte de Minas. “Em rodovias federais que cortam o Norte de Minas, morrem em acidentes pessoas de outros estados, como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. As funerárias têm interesse nesses casos porque podem faturar mais com o embalsamento e o traslado de corpos. Além disso, sabem que terão o pagamento garantido pelo seguro DPVAT”, afirma uma fonte ligada à Polícia Civil.

Ainda conforme a mesma fonte, agentes funerários costumam intermediar o recebimento do DPVAT, no valor de R$ 13,5 mil em caso de morte. "O que ocorre é que o agente da funerária procura alguém da família e pede para assinar um documento, transferindo poderes ao agente para receber o seguro. Quando recebe, desconta o valor do serviço funeral, fixando o preço que lhe convém, e repassa o restante para a família", afirma policial, que pediu para não ser identificado, temendo represálias.

No entanto, as funerárias negam qualquer tipo de pressão junto às famílias ou cobrança a mais por causa do pagamento do DPVAT. “A única coisa que a gente faz é um acordo com a família, possibilitando que o pagamento possa ser feito depois da liberação do seguro”, diz o dono de uma funerária de Montes Claros.

O delegado regional de Montes Claros, José Messias Sales, diz desconhecer qualquer intermediação do seguro DPVAT por parte de empresas funerárias na cidade. “A Polícia Civil abriu alguns inquéritos para apurar a intermediação do seguro DPVAT, mas nenhum caso envolve funerária”, diz o delegado.


Preços pela hora da morte

 

Os relatos se repetem dia após dia nos velórios da capital. Sem saber que lidavam com agentes funerários em vez de funcionários de hospitais, parentes de mortos, que buscam apenas liberar um corpo, são convencidos a pagar caro por urnas funerárias, coroas, velas e até trajes para o falecido. Quem não aceita pode ser submetido a mais sofrimento. “Deixaram-nos esperando nove horas até a liberação do corpo, sumiram com documentos do meu irmão e fizeram terrorismo, dizendo que o corpo dele estava apodrecendo e que era melhor resolver isso logo, com eles mesmo”, diz o motorista Roselito Pedra, de 51 anos, que conseguiu resistir e usar apenas os serviços que escolheu. Assim a série Morte S/A do Estado de Minas começou a mostrar, domingo, como funciona o mercado que lucra com a morte.

A questão, no entanto, não se resume aos hospitais. Agentes públicos, como motoristas do Instituto Médico Legal (IML), apareceram no centro das denúncias de que recebem propina para desviar para mesas funerárias corpos que deveriam seguir para o instituto. “Na Grande BH, há quatro funerárias que pagam ‘salário’ de R$ 1,5 mil para alguns policiais do rabecão. Eles levam ainda participação de 20% sobre cada morto que tiver o enterro feito pela funerária”, afirmou um dos captadores de funerárias no IML.

Um dos tesouros dessa indústria é o DPVAT, um dinheiro certo que as vítimas de acidentes recebem e que encanta escritórios de advocacia, que chegam a contratar pessoas só para assediar parentes de vítimas em prontos-socorros. Faturam de 20% a 30% de valores do seguro, às vezes em conluio com funerárias, além dos custos dos funerais. (MP)

Abutres hermanos

 

A exploração inescrupulosa do milionário mercado de seguros para vítimas de acidentes é o foco de um filme argentino que teve boa bilheteria no Brasil e fez sucesso no país vizinho. Dirigido por Pablo Trapero, Abutres (Carancho), de 2010, mistura drama e suspense. É estrelado por Ricardo Darín, astro do momento do cinema argentino. Com uma atuação excepcional, ele é Sosa, um advogado especialista em acidentes de trânsito que vive atrás de possíveis clientes, sem se preocupar com o sofrimento alheio. Sempre se apresenta como funcionário de uma fundação que supostamente ajuda vítimas, mas que não passa de fachada para a ação criminosa. Corrompe funcionários de hospitais, peritos e testemunhas para ter acesso a informações estratégicas, além de fazer conchavos com seguradoras e juízes. O filme teve tanta repercussão que levou o congresso argentino a iniciar debates sobre mudanças na legislação.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


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