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Estado de Minas

Pedagoga mãe de dois filhos tenta se livrar do crack


postado em 24/03/2011 06:46 / atualizado em 24/03/2011 07:03

Decidida a mudar sua história, M. relata a dependência:
Decidida a mudar sua história, M. relata a dependência: "Quando acaba a 'onda', você quer mais. É uma bola de neve: você fuma, tem a viagem, quer de novo, e mais e mais" (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Ela é pedagoga, mãe de família, de classe média, culta, loira e bonita. Amante de uma boa leitura, foi educadora e supervisora educacional. A condição financeira já lhe permitiu ser dona de fazendas e conhecer muitos lugares mundo afora. Tudo posto em risco por uma viagem de poucos minutos. “O problema do crack não é ele. É a falta dele”, dispara M.B.P. Aos 47 anos, usuária há 15 anos na pedra considerada o veneno do século 21, ela já queimou mais de R$ 100 mil com o vício, que a fez largar as salas de aula, diante da incapacidade de continuar lecionando. Há três anos, por causa dos filhos – dois, de 9 e 14 anos –, decidiu parar.

Mas, há um mês, a fissura fez com que ela sucumbisse. Com medo de outra recaída, 10 dias atrás bateu à porta do hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), na condição de servidora do estado. Sem conseguir vaga no setor de Psquiatria, voltou para casa, em uma pequena cidade do Centro-Oeste de Minas.

Nesta semana, retornou ao instituto, na esperança de um leito. “Não é vício. É dependência. O corpo pede. Será que eu preciso estar drogada, usar o crack, para conseguir a ajuda?”, desabafou, indignada com a falta de estrutura para atendimento a dependentes químicos. A internação só ocorreu na tarde de quarta-feira, depois que M. relatou seu drama ao Estado de Minas, em um pedido desesperado de socorro.

Os principais trechos desse enredo dramático, descritos abaixo, lançam um alerta sobre os efeitos devastadores de uma droga que há muito deixou de conhecer barreiras sociais para laçar suas vítimas.


A descoberta da cocaína

“Meu primeiro contato com as drogas foi aos 20 e poucos anos. Comecei com cocaína e achava ótimo, porque com ela me sentia mais dinâmica, ia às festas, bebia, conversava, me sentia bem. Mas cheirei tanto que cheguei ao ponto de vender um piano-bar que tinha em Arraial D’Ajuda, na Bahia. Hoje em dia muita gente cheira, principalmente aqueles com mais dinheiro. Em bairros nobres daqui, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, tenho certeza de que são poucas as casas em que o pó nunca entrou”.


A experiência com o crack

“Foi uma pedra para entrar no inferno. Experimentei em uma festa, com amigos, e pronto: larguei o pó. Virei escrava do crack. Durante 15 anos, fumei a droga, todos os dias. Sempre falo que a pedra é antissocial e careta: você não conversa, não sai de casa, fica no seu mundo, esquece de até escovar os dentes, não tem fome. O desleixo com a dependência é tanto que cheguei a perder dois dentes da frente, mas fiz implante. O problema não é o crack, é a falta dele. Porque quando acaba a ‘onda’, você quer mais. É uma bola de neve: você fuma, tem a viagem, quer de novo, e quer mais e mais. O maior impacto da droga é a primeira fumada. Depois, é só a vontade de sentir aquela sensação de novo.”


Os efeitos na família

“Fumei na gravidez e quando amamentava os meus dois filhos, hoje com 9 e 14 anos. Eles não tiveram nada, graças a Deus. Os médicos não sabiam disso. Hoje, os meninos não sabem o que eu uso, mas desconfiam que há algo de errado em mim. Meu ex-marido também foi usuário durante muitos anos, mas conseguiu parar. Nós nos separamos há um ano e meio. Às vezes, quando estava na ‘nóia’ (termo usado por viciados para descrever as alucinações provocadas pela droga), ficava em casa, em frente ao computador, durante horas, ou entrava no banheiro e fumava. Se um dos meus filhos me pedisse um leite, eu não tinha vontade de me levantar e ir buscar. É horrível.”

A droga no trabalho

“Comecei até a fazer mestrado em psicanálise, mas não dei conta de continuar. Já fui professora e supervisora do ensino fundamental. Em escolas públicas, o uso de droga é constante. Os garotos que vendiam eram meus alunos. Ia para a sala de aula sob o efeito do crack, e tinha dias que pagava alguém para lecionar no meu lugar, porque não dava conta. Já cheguei a fumar dentro da escola, porque senti fissura e não teve jeito. Hoje larguei a função de professora e supervisora, resolvi ficar dentro da biblioteca, porque posso ficar lendo, uma coisa que adoro.”


Tentativas de parar

“Decidi parar quando o meu caçula, na época com 6 anos, me pediu para ler um livro de historinhas para ele, antes de dormir. Lembro que estava em frente ao computador e que só fui ao quarto dele às 5h30, quando ele já tinha dormido. Foi quando resolvi buscar ajuda pela primeira vez. Mas não consegui parar. Tempos depois, ganhei um celular novinho, desses muito bem equipados, e troquei na droga. Outra vez resolvi parar. ”

Tratamentos e recaídas

“Para nós, mulheres, encontrar tratamento é dificílimo. A maioria dos lugares é para homens. E, quando há para nós, geralmente mistos, são poucos os que adiantam. Cheguei a ficar em clínica particular e a pagar R$ 1,5 mil por mês. Mas não tem nada para fazer. Eles colocam você para capinar, isso não adianta. Os psicólogos são fracos e você acaba caindo de novo. No Ipsemg, já fui três vezes, lá é muito bom. Consegui ficar três anos sem fumar. Sentia vontade, mas conseguia driblar: é uma vigilância constante. Os remédios são pesados. Há um mês, me deu uma vontade louca de fumar uma pedra. Fumei uma. E fiquei com medo. A recaída passa a ser uma coisa íntima e, para ser bem sincera, quando vem, já é como uma velha conhecida”

Dinheiro queimado

“Já gastei muito dinheiro. Para se ter uma ideia, gastava cerca de R$ 200 por dia para fumar. Uma pedrinha pode valer de R$ 5 até R$ 50, depende de quem vende. No interior, é muito mais fácil vender e comprar. Já gastei o equivalente a dois apartamentos, mais de R$ 100 mil. Agora quero ter minha vida de volta.”


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