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Estado de Minas

Sem descanso, aposentados trabalham para sobreviver

Queda do poder de compra dos benefícios da Previdência e aumento do desemprego na família levam brasileiros com mais de 75 anos a voltar à ativa para completar renda e ajudar os filhos


postado em 01/05/2016 06:00 / atualizado em 01/05/2016 07:50

Diariamente ele está na fábrica de móveis. Repete o serviço que fez por cerca de 30 anos, desde a abertura da marcenaria própria, no início dos anos 90. Faz com esmero a cadeira que vira mesa de passar roupa. Com o produto debaixo dos braços, vai para a rua em busca de quem a compre. No Dia do Trabalho, comemorado hoje, Manoel Leão   carrega como diferencial a sua idade: 88 anos. Depois de contribuir por 42 anos para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), este senhor está de volta à ativa e se junta a uma parcela da população que precisa agora, mesmo passadas sete décadas e meia de vida, complementar a renda que a crise econômica exige. Eles já não escolhem a ocupação por prazer, mas por necessidade.

"Ou trabalho, ou vou pra rua pedir esmola." Manoel Leão, aposentado, 88 anos (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Até o início do ano passado, aposentados e maiores de 75 anos buscavam uma atividade para manter a mente em constante exercício e, assim, reingressavam no mercado de trabalho em razão do bem-estar que o trabalho lhes trazia. “Mas isso mudou. Estamos observando que eles estão voltando porque precisam do dinheiro, seja para eles, seja para familiares atingidos pelo desemprego”, observa o analista de legislação e finanças do Sebrae Minas, Haroldo Araújo. De acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de pessoas com mais de 60 anos ocupadas no 4º trimestre de 2015 foi de 6,9%, superando, embora não de forma significativa, os registros do mesmo período de 2012, de 6,5%.

No comércio ou no empreendedorismo, os trabalhadores da chamada melhor idade que precisam complementar a renda estão em busca de vaga. “É o filho que perdeu o emprego, por exemplo. Então essa população quer ajudar e volta à ativa não mais pelo prazer de empreender.” Haroldo destaca que existem hoje no país 46 mil microempreendedores acima dos 70 anos e cerca de 5 mil só em Minas. “Alguns vão para o comércio, outros montam lanchonetes, ou prestam serviços.”

Manoel Leão optou por fazer o que sempre fez, a cadeira que vira mesa de passar roupa. “Ou trabalho, ou vou pra rua pedir esmola”, afirma. Como repassou a fábrica aos filhos, ele não teve dificuldades de retornar à ativa para ajudar em casa. Vende a cadeira ao preço de R$ 220. “Estou ganhando um salário mínimo e meio. Quem vive com isso?”, afirma. Manoel mora com a mulher e paga todas as despesas de casa. “Tomo uma quantidade grande de remédios para controlar a pressão e a tireoide, entre outros males. São medicamentos que estão caros demais”, reclama, acrescentando que ficar dentro de casa de braços cruzados não vai resolver o descompasso do orçamento.

A conta de Manoel Leão, no entanto, é ainda mais complexa. O filho Adalberto Leão da Cunha, hoje dono da marcenaria, diz que, com a crise econômica, a fábrica onde seu pai produz a cadeira não tem a rentabilidade dos tempos antigos. “A nossa despesa está alta e o serviço parado. Trabalhamos com móveis sob encomenda, mas não há demanda”, lamenta Adalberto, que é quem cobre as despesas do pai para produzir a cadeira. “Chegamos a ter cinco funcionários aqui. Atualmente, não temos mais nenhum e meu pai acha que a cadeira lhe dá lucro, porque as despesas com ela estão, por enquanto, sendo cobertas pela fábrica”, explica.

As turbulências que a economia brasileira vive também chacoalharam a vida do aposentado João Xisto, de 81. Apesar de amar a dança, ele agora não pode abandonar as aulas que ministra no Clube da Maturidade, em Belo Horizonte, porque o que recebe ajuda a esticar a renda da aposentadoria e tem sido fundamental neste momento de recessão. “O dinheiro que recebo da aposentadoria é pouco mais que o salário mínimo. Embora eu seja uma pessoa controlada, os preços estão avançando demais”, conta Xisto.

A cada aula dada ele recebe R$ 50, atendendo turmas duas vezes por semana. “Já trabalhei como faxineiro e fui mestre de obra. Contribuí por 40 anos para a Previdência. Quando me aposentei, continuei a trabalhar, estava muito jovem, mas o poder de compra da aposentadoria foi caindo. Meu rendimento despencou mais da metade”, lamenta.

PODER DE COMPRA Existem hoje no país, de acordo com dados do INSS, 18,7 milhões de aposentados, sendo que, destes, 2,1 milhões são de Minas Gerais. Apesar da queixa geral entre eles de que o valor do benefício vem caindo, na verdade, o problema não está na correção do dinheiro, mas, sim, na evolução maior do custo de vida. “O que eles talvez não percebam é que a inflação para eles é maior, o que reflete na perda do poder aquisitivo”, esclarece o coordenador do curso de economia do Ibmec, Márcio Salvato.

De acordo com o último levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), feito em abril, o Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i), que mede a variação da cesta de consumo de famílias majoritariamente compostas por indivíduos com mais de 60 anos de idade, subiu 2,72% no primeiro trimestre deste ano.

Em 12 meses, o indicador acumulou alta de 9,6%, percentual acima do índice nacional medido pela fundação, que variou 9,37% no mesmo período. O IPC-3i evoluiu também acima da inflação oficial medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, (IBGE), de 9,34% entre janeiro e março, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Para Salvato, a política de aumento consistente do salário mínimo reforça a ideia dos aposentados de que o benefício está diminuindo. “Esse reajuste do mínimo vem desde 1998, e há uma ilusão de que o número de salários mínimos que a pessoa recebia é menor que antigamente”, diz, acrescentando que a elevação do custo de vida do idoso é o que corrói o seu rendimento, tornando-o insuficiente para suprir suas necessidades. “Eles estão sofrendo com a conjuntura econômica e pelo sistema limitado da Previdência. Se a pessoa não gerou uma fonte de garantia para o futuro (ativos, poupanças, aluguel de imóvel), ela tem que viver com o que paga o INSS, com um teto de pouco mais de R$ 5 mil”, diz.


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