A crise pegou o comércio em cheio, sacrificando, em especial, lojistas sem alternativa para evitar o derradeiro fechamento do negócio. Em várias regiões de Belo Horizonte, eles se lançam à política do tudo ou nada para tentar diminuir os prejuízos. Estratégias a exemplo de corte dos preços das mercadorias, usado ao último grau, e promoções de queima de estoques para o encerramento das atividades se multiplicam, numa realidade que não escolhe endereço, presente em bairros tradicionais, como Barro Preto e Centro, além da Savassi, Zona nobre de BH. Há casos de produtos vendidos abaixo do preço de custo, segundo os comerciantes espremidos pelos livros de caixa no vermelho.
Lojistas e gerentes de estabelecimentos que tomaram a drástica decisão afirmaram à reportagem do Estado de Minas que os clientes sumiram e nem mesmo optando pelas liquidações tem sido fácil recuperar parte do investimento feito na empresa. A dificuldade de o comércio atravessar o deserto da crise se traduz em números preocupantes. De acordo com dados da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), de janeiro a março o fechamento de lojas no comércio em Minas Gerais aumentou 74,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Em Belo Horizonte, o crescimento chega a 89%. Ainda assim, as estatísticas são apenas um recorte da realidade, já que os empresários não são obrigados a informar o encerramento das atividades à Jucemg.
Faixa estendida sobre o letreiro da loja de calçados Carolina, na Avenida Afonso Pena, no Centro de BH, revela o porquê da liquidação: o encerramento das atividades. Desde o início do mês, funcionários, todos cumprindo aviso-prévio, têm o desafio de queimar o estoque até dia 30, quando a loja será fechada, depois de sete anos em funcionamento no endereço. Os preços caíram até 50%. “As vendas tiveram queda de 30% por causa da crise. O faturamento diminuiu e a despesa aumentou, com os custos maiores das mercadorias e do aluguel”, explica o gerente Cristiano Nonato, que ficará desempregado no mês que vem.
Na Rua Antônio de Albuquerque, no coração da Savassi, um banner enorme em frente a loja Mercado das Marcas anuncia: “Preço máximo R$ 40”. Segundo a gerente, Letícia Germano, a crise começou com a revitalização da Praça da Savassi, que suprimiu vagas de estacionamento nas ruas, ao fechar os quatro quarteirões no entorno do cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Cristóvão Colombo.
O quadro se agravou com a turbulência econômica pela qual o Brasil atravessa, o aumento do aluguel e a alternativa foi saldar tudo e fechar as portas. “A loja chegou a vender R$ 100 mil por mês, receita que caiu gradativamente, para R$ 70 mil, R$ 30 mil e hoje não alcança R$ 10 mil”, afirma Letícia. O encerramento das atividades ocorre depois de mais de 10 anos do ponto. Para clientes, abre oportunidade. “Havia mercadorias aqui que eram vendidas a R$ 150. Agora, o preço máximo é de R$ 40”, explica Letícia.
Remanejamento Na loja de roupas femininas Flash, na Avenida Augusto de Lima, no Barro Preto, o clima é de “torra total”. Depois de mais de oito anos em atividade, o estabelecimento vai fechar as portas. “As vendas caíram 50%. O que estamos tentando é remanejar os funcionários para outras lojas que são de parentes da dona para, pelo menos, não desempregar”, afirma a supervisora Maria Aparecida Rosa.
A empresa vendia roupas de festa e oferecia peças a preços variando de R$ 300 a R$ 5 mil. Para tornar a “torra total” mais atrativa, foram acrescentadas ao mix de produtos roupas casuais e os preços passaram a variar de R$ 5 a R$ 40. “Mas era para estarmos vendendo muito mais. Estamos liquidando há mais de dois meses”, afirma Maria Aparecida, reforçando que a realidade não é exclusiva da Flash e que todo o comércio do Barro Preto está sentindo a crise.
Mau resultado
As vendas do comércio varejista de Belo Horizonte diminuíram 1,7% em janeiro, ante o mesmo mês de 2015, com base em indicadores do setor analisados pela CDL-BH. Trata-se do pior resultado, nessa base de comparação, da série histórica de dados da instituição desde janeiro de 2008. O mau desempenho é debitado à desaceleração da economia, associada ao aumento da inflação e do desemprego, que afetam a renda da população. A inadimplência é outro reflexo da crise que complica a situação do comércio. Em BH, houve crescimento de 4,73% do número de pessoas físicas inadimplentes em fevereiro, comparado a idêntico período de 2015, ainda segundo o levantamento da instituição que representa a atividade.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Bruno Falci
presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH)
O empresário deixou de investir ou o dinheiro realmente sumiu?
As duas situações são verdadeiras. Há empresário que deixou de investir e está com o dinheiro parado no banco. Não investe porque não tem confiança na economia. Fizemos pesquisa recentemente que mostra que as micro e pequenas empresas acreditam menos nas políticas públicas. E há também aquele empresário que está lutando para sobreviver e não fechar as portas. O cenário político está destruindo o país.
O que o empresário deve fazer neste momento de crise?
Temos que manter a esperança. O Brasil é maior do que a crise. Ela vai passar e os empresários vão ficar. Estamos atravessando um deserto. Alguns ficarão no meio do caminho, mas outros vão sair do deserto e encontrar uma terra boa.
Quais são as estratégias para sair da crise?
O comerciante tem que estar atento à produtividade dos funcionários, ao mix de produtos, estando atento também a produtos novos. É importante não inchar o estoque e fazer promoções em épocas adequadas. Com essas atitudes, ele tem chance maior de sobreviver à crise. É preciso operar com a empresa enxuta e produtiva.