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Estado de Minas EXPLORAÇÃO NO PRIMEIRO EMPREGO

Órgãos públicos do interior de Minas contratam menores sem garantias da CLT

Irregularidade nas contratações leva ao afastamento de quase 800 jovens contratados como aprendizes no estado


postado em 19/10/2014 07:00 / atualizado em 19/10/2014 07:44

T.D. e A.L., de 18 e 17 anos, trabalhavam na Prefeitura de Ouro Preto sem a carteira assinada e recebiam apenas cerca de R$ 200 por mês(foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)
T.D. e A.L., de 18 e 17 anos, trabalhavam na Prefeitura de Ouro Preto sem a carteira assinada e recebiam apenas cerca de R$ 200 por mês (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)
Sob a justificativa de abrir as portas do mercado de trabalho para adolescentes carentes, órgãos públicos do interior de Minas Gerais têm contratado menores de 18 anos para o primeiro emprego. O problema é que muitos deles desrespeitam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), deixando de assinar a carteira e, com isso, burlando o pagamento de benefícios básicos, como 13º salário, férias, guia da previdência social, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além de oferecer salário inferior ao mínimo. Em 2013 e este ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) autuou 11 prefeituras mineiras por contratação irregular de adolescentes, tendo afastado quase 800 jovens do trabalho que tinham conquistado. Na visão dos fiscais, trata-se de exploração de menores. Mas representantes dos órgãos se defendem e negam interesse por mão de obra barata, alegando haver inserção social de meninos e meninas no mercado, como forma de livrá-los dos perigos das ruas.



Na investigação do ministério, documentos a que o Estado de Minas teve acesso, esses “patrões” dos jovens são prefeituras, fóruns, câmaras municipais, universidades federais e até mesmo conselhos tutelares, que em muitos casos contratam irregularmente. Segundo a CLT, revisada em 2000 para incluir a Lei do Aprendiz (veja quadro), os menores de 18 anos só podem trabalhar a partir dos 14 anos e ainda assim na condição de aprendiz. Além do mais, é preciso registrá-los como qualquer outro trabalhador. “O que vemos hoje são órgãos públicos que deveriam dar o exemplo, mas sendo adolescentes e pobres, na visão dos órgãos, funciona mais ou menos assim: ‘qualquer coisa que der, é suficiente’”, aponta a auditora fiscal do setor de trabalho infantil da Seção Minas Gerais do MTE, Christiane Azevedo.

Por causa dessa ilegalidade escancarada, o ministério tem suspendido os programas municipais que contratam os menores de 18 anos sem respeitar a legislação trabalhista. A ideia, segundo o ministério, não é multar, mas fazer com que esses locais façam uma readequação dos programas de acordo com o que rege a lei. Na maioria das vezes, segundo a investigação, esses menores estudam e trabalham como office-boys ou como recepcionistas, têm quatro horas de jornada diária e idade entre 16 e 18 anos. Mas há casos em que foram encontrados meninos e meninas de 12 anos nessas condições. Em outros, por intermédio das prefeituras, os jovens atuam em gráfica, padaria, fábrica de fralda e até mesmo na atividade de fiscalização do rotativo Faixa Azul.

FLAGRANTE A última fiscalização do órgão foi feita no fim de setembro em Ouro Preto, na Região Central do estado. No município, o alvo foi o Programa Jovens de Ouro, que existe há cerca de 30 anos e dava emprego a 78 adolescentes. Nos documentos do MTE, ele estava totalmente irregular. Os adolescentes eram encaminhados para serviços na prefeitura e também na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) sem respeitar nenhum direito trabalhista e previdenciário. Ali, a irregularidade era agravada por ser o presidente do programa o diretor do conselho tutelar, segundo o MTE. “Não é incomum os conselhos tutelares terem adolescentes trabalhando”, afirma Christiane Azevedo.

O EM foi a Ouro Preto uma semana depois da intervenção do ministério. Nenhum jovem estava trabalhando nos órgãos públicos e alguns deles conversaram com a reportagem, sem se identificar. “Entrei este ano no Programa Jovens de Ouro e estou gostando muito. Não deixei de ir à escola, quando estava no trabalho atendia a telefonemas e fazia ofícios”, conta A.L.C. S, de 17 anos, que trabalhava na Prefeitura de Ouro Preto e ganhava cerca de R$ 200. Com a mesma função de A.L.C.S, T.D.N, de 18, diz que ficou na Secretaria de Desenvolvimento Social, Habitação e Cidadania de Ouro Preto durante um ano e meio. “Comecei ganhando R$ 190 por quatro horas de trabalho. Depois, passaram para R$ 206. Gostei muito de trabalhar. Com a grana, paguei um curso de gestão para mim, que custava R$ 100”, diz a jovem, que, ao ser perguntada sobre o motivo de ter que pagar por um curso, respondeu que no programa de aprendizagem não há nem qualificação.

Ambas não sabiam que seus direitos trabalhistas eram violados. O correto seria que fossem remuneradas com o salário mínimo de acordo com a hora trabalhada. Ou seja, no caso delas, R$ 362, quase o dobro da remuneração paga pela prefeitura. Além disso, deveriam receber todos os benefícios garantidos aos trabalhadores e ser inseridas em programas de aprendizagem. Somente quando foi suspenso o programa na cidade é que veio a pulga atrás da orelha nas duas jovens. “Agora que o ministério interveio, penso que, realmente, poderíamos ganhar melhor, já que fazíamos as mesmas funções que muitos adultos e tínhamos que ter o mesmo ritmo que eles”, conta A.L.C.S. Com a suspensão induzida pelo ministério, ela agora está sem trabalhar.

RETORNO Um dos focos dessas fiscalizações do MTE está em Diamantina, na Região Central. De acordo com informações do ministério, havia cerca de 200 jovens, de 14 a 17 anos, trabalhando nos órgãos públicos da cidade sem os direitos respeitados. Em 2013, então, a atividade foi suspensa pelo ministério e, segundo conta a secretária de Desenvolvimento Social de Diamantina, Leana Maria Rabelo, o município foi orientado a fazer um acerto com esses menores. Hoje, depois de toda reformulação no programa, há 30 adolescentes que estão trabalhando legalmente, tendo acompanhamento, inclusive, de profissionais da psicologia. “Na época, foi um transtorno muito grande, porque muitos jovens precisavam do dinheiro que recebiam. Mas a lei está aí para ser cumprida”, comenta Leana.

O caso de Diamantina é destacado pelo MTE como de uma cidade que cumpriu com a legislação depois da fiscalização. Porém, segundo reconhece a fiscal do MTE Christiane Azevedo, muitos são os municípios que, depois da autuação, fazem os acertos com os menores e, tempos depois, voltam a praticar a ilegalidade.

O QUE DIZ A LEI

Lei Federal 10.097/2000 – Lei do Aprendiz
A legislação substitui os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) redigidos em 1943, governo do presidente Getúlio Vargas
Artigo 403
É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.
Artigo 428
Parágrafo 1º – A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem.
Parágrafo 2º – Ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora.
Artigo 432
A duração do trabalho do aprendiz não excederá seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada.


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