Se Minas é mesmo um país dentro do Brasil como muitos visitantes consideram, pela extensão do território, diversidade cultural, diferenças regionais e até o charmoso idioma próprio, o mineirês, vale prestar ainda mais atenção ao entorno da Serra da Mantiqueira – sem dúvida, um universo particular nessa geografia, talvez um “estado de espírito” entre as montanhas. Na porção ao Sul do mapa, o clima rima com magia, lendas se misturam à história, estradas costumam levar a descobertas e paisagens inesperadas.

São Thomé das Letras: Cachoeiras, Óvnis e Aventura em Um Só Lugar!

“Há um vilarejo ali, onde areja um vento bom...”, pode ser a trilha por esses caminhos, nos quais “mistério sempre há de pintar...”, conforme versos eternizados na música popular brasileira. E tem mais: “Vejo flores em você”, no  caso, o prato saboroso preparado com pétalas e verduras do quintal, temperado no capricho, mais carinho de sobra e hospitalidade em todo o serviço.   

Pois vamos lá, num passeio guiado pelos quatro elementos da natureza – água das nascentes, ar puro das montanhas, fogo a aquecer as panelas, vastidão de terra. Abra suas asas, solte a imaginação diante da possibilidade de um ET aparecer na reta e te convidar para dançar. Tudo é magia, encantamento, mergulho nas profundezas... então, sebo nas canelas para alcançar as altitudes deste “país” das Gerais.

O ponto de partida do passeio está na mística São Thomé das Letras, de onde, com certeza, ninguém sai do mesmo jeito que entrou. Não é conversa de mochileiro das galáxias ou “viajandão”, mas há algo no ar além de borboletas, pássaros, vagalumes. Aos poucos, um relaxamento vai tomando conta do corpo, as conversas saem do século 21 para seguir em plano infinito, todo mundo vai ficando “amigo de infância”, íntimos, quase inseparáveis.

Com 7 mil habitantes, São Thomé das Letras tem quase o triplo em número de leitos (19 mil) em hotéis e pousadas, com um crescimento do fluxo turístico que agrada empreendedores, a exemplo do proprietário da Pousada dos Sonhos, Guilherme Marcos Alvarenga, de 29 anos, graduado em engenharia de controle e automação. “Recebemos um público diversificado, pessoas de todas as idades. Nos últimos anos, a cidade vem se estruturando para atender a todos, com preocupação na acessibilidade e segurança nas muitas opções de passeio”, diz Guilherme.  

    

     

ENERGIA TOTAL

Vista da Serra da Mantiqueira com destaque para a Igreja Matriz, de 1785, está localizada no Centro Histórico de São Thomé das Letras

Tamás Bodolay/Secult-MG/divulgação

Para ganhar força e fôlego e cumprir toda a jornada, a boa pedida é almoçar no restaurante Panelinha (@tianadopanelinha). Localizado no Centro da cidade, a casa é comandada por dona Ana Zélia da Silva, de 84 anos, com a presença dos 10 filhos. Tradição, ancestralidade e cultura afrobrasileira se reúnem para oferecer aos visitantes o “sabor dos tempos”, a exemplo de um tutu de feijão muito especial. Mas nem precisa pedir a receita, pois é segredo de família e dificilmente alguém fará igual. É ver para crer, mais ou menos como faria São Tomé, o glorioso padroeiro municipal.

Junto ao lado místico, a cidade localizada no Circuito Turístico Encanto de Minas mantém profunda religiosidade, com patrimônio cultural valioso, sendo importante visitar a igreja dedicada ao padroeiro, que guarda uma relíquia de primeiro grau (fragmento de osso do apóstolo Tomé). Também deve estar no roteiro, para contemplação e muitas fotos, a Capela Nossa Senhora do Rosário, toda construída em camadas de pedra (quartzito, abundante na região e conhecido por pedra São Thomé), datada do início do século 18. Por sinal, o artesanato de pedra é bem variado, despontando as pirâmides decorativas como as feitas por Cristiane Maria de Souza Lima. “São Tomé está no auge, em fase muito boa, com muitos atrativos. O movimento de turistas triplicou após a pandemia”, celebra a artesã que também faz sabonetes e velas aromáticas.

Um beijo de despedida do Sol na mamãe natureza

A sensação de paz e relaxamento se torna mais evidente no alto da Casa da Pirâmide, um dos destaques do Parque Municipal Antônio Rosa, aonde se chega numa caminhada de minutos a partir da Igreja Matriz São Thomé, do século 18. Num fim de semana ensolarado, o lugar fica lotado, com um número de visitantes que pode chegar a 3 mil pessoas. O pôr do Sol é simplesmente espetacular – um beijo cinematográfico do astro-rei na mãe Terra. Nos finais de semana prolongados, o município chega a receber cerca de 40 mil pessoas.  

“Venho aqui pelo menos uma vez por mês, desde 1984. Este lugar tem uma energia muito forte”, conta Cízio Andrade, oficial de Justiça, de Pirassununga (SP). Como manda um bom figurino em paragens tão sensoriais, Cízio troca o habitual terno e gravata do trabalho pelo chapéu no formado de cone, manto e cajado e colar com pedras energizadoras. “O povo acolhe o visitante muito bem”, afirma o paulista.

Difícil transitar entre a multidão que se aglomera na Casa da Pirâmide, com gente subindo pelas paredes para chegar ao telhado panorâmico. Desse topo de montanha, com visão de 360 graus, é possível contemplar boa parte da região da Serra da Mantiqueira, um dos destinos turísticos promovidos pelo governo de Minas, via Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG) e Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge). Estão na mira, além de São Thomé das Letras, Três Corações, Varginha, Alagoa, Luminárias, Serra do Bico de Papagaio, em Aiuruoca, a Serra da Mantiqueira, claro, pois é a estrela-guia do roteiro, e trecho da divisa de Passa Quatro e Itamonte.

À frente da Secult-MG, a secretária Bárbara Botega destaca Minas como um estado que inspira e acolhe: “Queremos mostrar ao Brasil e ao mundo que nossos destinos são vivos, diversos e preparados para receber visitantes em busca de experiências transformadoras, com o encontro de cultura, natureza e gastronomia”.

NAS ALTURAS

Casa da Pirâmide, a 1,4 mil metros de altitude, é ponto mais elevado de São Thomé das Letras

Marden Couto/Turismo de Minas

“Na Casa da Pirâmide, estamos a 1,4 mil metros de altitude, o ponto mais elevado da área urbana”, explica o chefe do Departamento Municipal de Turismo de São Thomé das Letras, João Guimarães. Também curtindo o crepúsculo, desta vez no topo da Pedra da Bruxa, no Parque Municipal Antônio Rosa, cuja rocha tem o formato dessa “criatura”, um turista nordestino contempla o horizonte e dispara: “Este estado tem dimensão de um país. É montanha para todo lado”. Já na Serra das Letras, de onde originou o nome do município devido a inscrições rupestres, o ponto mais alto está na Serra do Gavião, com 1.550 metros.

Com certeza, o turista ainda vai ver muito mais na região da Serra da Mantiqueira, palavra que em tupi, uma das línguas dos povos indígenas originários, significa “serra que chora”. O motivo está na grande quantidade de nascentes existentes entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, por onde o maciço se alonga.

Mas agora, com a noite chegando, hora de jantar, e uma boa pedida está no restaurante O Alquimista (@oalquimistarestaurantes), sob o comando de Eduardo Marchetti, instalado num casarão centenário decorado com objetos de época. Comida típica mineira e, fazendo jus ao nome da casa, apresenta belas combinações culinárias, entre elas o frango atolado: pedaços da ave bem temperados, fritos e depois ensopados com mandioca cozida). Aberto há mais de 30 anos, a casa oferece simpatia e boa prosa, primando pela preservação do patrimônio cultural.

RUMO À GRUTA

Bolo e refresco feitos a partir da lavanda, planta aromática cultivada no Lavandário Mantiqueira Gustavo Werneck/EM
Casa da Pirâmide, a 1,4 mil metros de altitude, é ponto mais elevado de São Thomé das Letras Marden Couto/Turismo de Minas
Prove do queijo artesana com alma da Queijaria Velho Pitta Gustavo Werneck/EM
Vale muito a pena dar uma refrescada no Véu de noiva Gustavo Werneck/EM
Vista da Serra da Mantiqueira com destaque para a Igreja Matriz, de 1785, que está localizada no Centro Histórico de São Thomé das Letras Tamás Bodolay/Secult-MG/divulgação
Todos os dias, dezenas de pessoas sobem até a Casa da Pirâmide, em São Thomé da Letras, para apreciar o pôr do Sol Tamás Bodolay/Secult-MG/divulgação

Nos passeios pela região é sempre recomendado ir com roupas leves, tênis, passar bastante protetor solar e não se esquecer da hidratação. E ficar com os ouvidos bem atentos, afinal, é história que não acaba mais. Certamente, o viajante vai ouvir falar no lendário Chico Taquara, de quem há uma estátua na rua.

Contam que Chico Taquara, que teria vivido no século 19, era um curandeiro e eremita com grande conhecimento da natureza e poder de conexão com civilizações extraterrestres. Os animais, especialmente os cães, têm lugar especial nessa história, vindo daí o grande carinho dos moradores com os bichos. Dizem que Chico Taquara tinha verdadeira devoção aos cachorros, e pode voltar reencarnado num deles.   

Depois de ouvir as histórias de Chico Taquara, hora de seguir rumo às grutas Labirinto e Sobradinho, no distrito de Sobradinho de Minas, com 700 moradores. Na área de campos rupestres, na transição de mata atlântica e cerrado, com formação rochosa de quartzito, a primeira a ser visitada é a Gruta do Labirinto, com 130 metros de extensão. “Foi um local ferido pela mineração, agora recuperado”, diz a sócia-proprietária das terras, Eliane Deac, explicando que recebe 450 visitantes por mês. Antes de conhecer o patrimônio espeleológico, todos se protegem com lanternas e seguem as orientações de um guia.

Mas cuidado que nem tudo o que reluz é ouro. No caminho até a gruta do Sobradinho, as “piritas” podem ser admiradas. E o que são piritas? Trata-se do “ouro de tolo”, mineral semelhante ao ouro verdadeiro em cor e brilho, embora sem valor comercial. Na loja da recepção, podem ser adquiridos suvenires, pedras, sabonetes veganos e artesanato da região. O tom da região é dado também pelo dourado da mica, mineral usado na indústria de cosméticos.  

Quatro elementos abrem alas para descobertas e boa comida

Na manhã ensolarada, novos rumos para os visitantes. O destino agora é a Gruta do Sobradinho (@grutasobradinho), na qual é necessariamente obrigatório o uso de bota de borracha e demais equipamentos de proteção e iluminação (fornecidos no local). É exatamente aqui que os quatro elementos da natureza se tornam mais evidentes: águas de nascentes que adentram a cavidade, o sopro do vento, as paredes rochosas e o brilho do fogo. No atrito de dois cristais de quartzo rosa, é possível ver um tom flamejante remetendo ao fogo. Todas as ações obedecem a um plano de manejo, diz o proprietário José Geraldo Flauzino, informando que só podem entrar na gruta 10 pessoas de cada vez.

Depois do passeio, bate aquela fome, e o melhor endereço é o Restaurante da Rô (@mimorestaurantedarostl), de propriedade de Rosângela Leite. Ambiente mineiro extremamente acolhedor, com pratos muito saborosos e criativos, incluindo o “carboneiro”, receita particular que mistura sabores da Itália e Minas (massa carbonara, usando queijo canastra, e torresmo em vez de bacon).  À mesa, todos os sentidos ficam aguçados: contemplação dos pratos, aroma dos ingredientes, textura dos alimentos e paladar, tudo ao som da passarada. De entrada, há uma salada com flores do jardim.

BANHO DE CACHOEIRA

Vale muito a pena dar uma refrescada no Véu de noiva

Gustavo Werneck/EM

O dia ainda está longe de terminar e vale muito a pena dar uma refrescada no Véu de noiva – Complexo de cachoeiras (@cachoeira_veudenoivastl) e (@montanha_up) comandado pelo paulista Rodrigo Capelli. O local em meio à natureza exuberante e boa estrutura, tem sempre um evento interessante, festas e outros atrativos descobertos aos poucos. Bem perto da queda d’água, o visitante tem à disposição um tear sensorial para relaxamento total da coluna. Você deita ali e esquece da vida, antes e depois de entrar na água.  

Agora, cai o véu da noite e o jantar será no Jardim Secreto – Restaurante e Lounge (@jardimsecretostl), dono de uma premiada lasanha de quatro queijos, e pão de queijo frito recheado com requeijão. Mas o melhor ainda vem: o show de ETs, que rodopiam no meio da pista, convidam o visitante a dançar e empresta óculos verdes para compor o “look”. Impossível não embarcar nessa nave e voltar inteirinho para contar aos amigos sobre essa aventura no espaço.     

  

     

Itamonte inspira poesia e leva o visitante às alturas

Prove do queijo artesana com alma da Queijaria Velho Pitta, em Itamonte

Gustavo Werneck/EM

“Caminhos abertos de vento lavando o quintal. Sob o Sol. Folhas num riacho de vidro levando um jornal. Pela vida. Fotos e brinquedos do tempo tentando voltar. Outra vez. Fornos e fogueiras queimando, fazendo o jantar. Olha a hora”. Os versos da canção “Itamonte”, do cantor e compositor Zé Ibarra, remetem à infância dele na cidade do  Sul de Minas. E, assim, ele batizou essa bela música, que serve agora de trilha sonora para conhecer fazendas, percorrer caminhos, conversar com moradores e guardar eternamente na memória.

Porta mineira para o Parque Nacional do Itatiaia, na Serra da Mantiqueira (entre MG e RJ, Itamonte convida ao descanso – e até uma chuvinha no meio da tarde é extremamente bem-vinda, combinando com a paisagem bela e agradável. Depois de um passeio no parque, faça a refeição no Restaurante Cantinho da Truta (@paioldecima), no Bairro Paiol de Cima, sob o comando do casal Zélio de Moraes e Isabel Cristina Moraes.

Na altitude de 1.710 metros de altitude, parece até que a fome aumenta. Melhor ainda: garfo e faca a postos para saborear leitoa, truta, lambari, frango caipira e outras magníficas combinações da cozinha, incluindo moqueca de truta. Enquanto a refeição feita na hora e no capricho, o visitante pode se deitar nas redes, dispostas no jardim, ou apreciar os tanques para criatório de peixes, com água sempre gelada.       

Sempre importante lembrar que Minas é território dos queijos, e muitos deles têm produção na região da Serra da Mantiqueira. Para visita e compra de produtos, a dica é visitar a Queijaria Velho Pitta (@velhopitta), que dá as boas-vindas com uma frase escrita com palavras vindas do coração: “Queijo Artesanal Mineiro é feito com alma, temperado com história e curado com amor”. Ao dizer a frase em voz alta, a produtora Bianca Lamenha, mulher de Gustavo Pitta, proprietários, afirma que a receita da produtividade é essa mesma, pois sem “amor e qualidade” se torna impossível levar adiante o empreendimento.

Na parede da varanda da zona rural, com vista para as montanhas, é possível ver dezenas de quadros com diplomas de premiação. No total, são mais de 30 entre nacionais e internacionais. Na propriedade, dá gosto ver o empenho do casal e o carinho com o gado holandês criado no pasto. As vacas têm nome: Morena, Linda, Shakira, Folia, Cheirosa, Docinha.

O passeio chega ao fim com mais um mergulho sensorial. Desta vez, com café colonial e pôr do Sol no Lavandário Mantiqueira (lavandariomantiqueira), que tem à frente Marco Antônio Costa, conhecido por Marquinho do Dunga. A propriedade, que pertenceu aos antepassados de Marco Antônio, tem um vasto campo de lavanda, e da planta aromática são produzidos óleos essenciais e outros, com vasta gama de possibilidades também na culinária.

E foi à mesa do café da tarde que veio uma grande surpresa, com sabor “de quero mais é voltar aqui”. Ao lado da mulher Liliane Seixas, Marquinho serviu um delicioso bolo feito com lavanda. E ainda um refresco no tom lilás da planta, que surpreende em todos os aspectos. Só resta então agradecer a hospitalidade e dizer “até breve”.      

ROTEIRO COMPLETO

O roteiro da Serra da Mantiqueira inclui os seguintes municípios:

1) São Thomé das Letras – Cidade mística, marcada por formações rochosas, cachoeiras e céu aberto para observação astronômica

2) Baependi – Berço de fé e natureza, onde fica o santuário da Beata Nhá Chica e o Parque Estadual da Serra do Papagaio

 

3) Alagoa – conhecida como a “Terra do Queijo Parmesão”, referência em queijarias artesanais e gastronomia rural

4) Passa Quatro – Destino ferroviário histórico, com o famoso trem da Serra da Mantiqueira e trilhas que conectam Minas e São Paulo

5) Pouso Alto – Município de montanhas e águas cristalinas, com vistas panorâmicas e acolhida típica mineira

6) Itamonte – Porta de entrada para o Parque Nacional de Itatiaia, abriga picos e cachoeiras que atraem amantes do ecoturismo e dos esportes de aventura

 

7) Bom Jardim de Minas – Destino de natureza preservada, cachoeiras e culinária caseira, perfeito para o turismo de bem-estar

8) Andrelândia – Cidade de tradição tropeira, rica em manifestações culturais e festas populares que resgatam o interior autêntico de Minas

Fonte: Secult-MG

O repórter viajou a convite da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG) e da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge)

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