Pela primeira vez na história, na última Assembleia Geral da ONU, a nova Declaração Política Global sobre Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNTs) incluiu os distúrbios do sono — em especial a privação crônica — como um fator de risco primário. Isso significa que condições como insônia e apneia obstrutiva do sono foram incluídas como fatores de risco primário para doenças crônicas como obesidade, diabetes e hipertensão.
Por décadas, os esforços de prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) estavam direcionados ao tabagismo, sedentarismo, álcool e alimentação não saudável. Porém, de acordo com Renata Aurichio, Fisioterapeuta em Sono, certificada pela Academia Brasileira do Sono, embora cruciais, esses pilares ignoravam um elemento essencial da saúde humana, cuja privação e baixa qualidade atinge a maioria da população: o sono.
Protagonismo brasileiro e mineiro
Pesquisadores brasileiros, representados pelo Fórum Intersetorial de Condições Crônicas Não Transmissíveis (FórumCCNTs), negociaram diretamente com o Ministério da Saúde para que o tema fosse incorporado ao documento que orientará as políticas públicas de 195 países.
O município de Araguari (MG), por exemplo, já implementou uma linha de cuidado para Apneia Obstrutiva do Sono com diagnóstico domiciliar simplificado e alta taxa de engajamento ao tratamento (mais de 70%). “Isso mostra que a inovação e a redução de custos são possíveis, servindo de modelo nacional e até mesmo reconhecido pela OMS, destaca Renata Aurichio.
A especialista, que atua em Minas Gerais como referência no tratamento e acompanhamento a longo prazo dos pacientes adultos jovens e da terceira idade com distúrbios do sono, destaca que o Estado tem um desafio: avançar no diagnóstico, tratamento e políticas para essa ‘nova’ frente da saúde. “Este reconhecimento representa uma mudança de paradigma: o sono, até aqui muitas vezes relegado a questão individual ou de comportamento, passa a assumir papel estratégico na saúde pública”, reforçou.
De acordo com Renata Aurichio, em Minas Gerais, esse alerta chega em meio a estatísticas preocupantes. “Uma pesquisa revelou que 26% dos mineiros afirmam ter insônia, índice cinco pontos percentuais superior à média nacional de 21%. Além disso, estudos mostram que distúrbios do sono agravam doenças crônicas como diabetes, hipertensão, obesidade e depressão”, acrescentou a especialista.
Situação e lacunas em Minas
Renata alerta que, diante desse cenário, o Estado e os municípios de Minas enfrentam três frentes principais:
Rastreamento e diagnóstico precoce: A inserção da rotina de sono nas consultas de atenção básica — como perguntar sobre roncos, sonolência diurna, dificuldades para dormir — ainda não está sistematizada em muitos municípios. Por exemplo, em pequenas cidades e zonas rurais a oferta de exames como polissonografia ou dispositivos domiciliares é limitada.
Tratamento e seguimento: A fisioterapeuta especialista em distúrbios do sono Renata Aurichio destaca que “a apneia obstrutiva do sono é uma condição potencialmente tratável e exige uma aliança terapêutica entre paciente e profissional de saúde. Contudo, o que se observa frequentemente é a ausência de continuidade no tratamento — adesão ao aparelho de CPAP, acompanhamento multiprofissional — especialmente fora da capital.”
Promoção e educação em saúde do sono: Campanhas municipais (como a realizada em BH pela Prefeitura de Belo?Horizonte que promoveu palestra sobre distúrbios do sono) mostram iniciativa, mas não chegam a todos os 853 municípios. Há necessidade de maior articulação para que o sono seja visto como eixo de prevenção de DCNTs — e não apenas como sintoma.
Como especialista em saúde do sono, Renata Aurichio afirma que o sono não é apenas uma etapa da nossa rotina onde esperamos o próximo dia. “O sono de qualidade deve ser visto como prioridade. Sem ele, o corpo não repõe energias, o cérebro não consolida memórias, e os sistemas imunológico e metabólico ficam em risco.” Para ela, a urgência diagnóstica está no momento em que sinais como roncos intensos, fadiga física e mental, sonolência diurna ou insônia persistente aparecem — “adiar o encaminhamento equivale a permitir que doença crônica se instale silenciosamente”, diz.
“Entendo que em Minas é imperativo integrar a saúde do sono às políticas de atenção primária, com captação de dados municipais, articulação entre municípios menores e centros de referência e financiamento que assegure tratamento contínuo — não apenas diagnóstico pontual.
Desafios e oportunidades em Minas
A especialista e empresária do setor público-privado exclusivo em saúde do sono complementa sua análise com os desafios e as oportunidades para avançar em Minas Gerais: “Os municípios do interior de Minas precisam de maior acesso a especialistas em medicina do sono e fisioterapia do sono. Além disso, programas que tratem o sono como parte da prevenção de DCNTs - e não só como “sono ruim” devem ser implementados. É importante também que indicadores de sucesso precisam sejam definidos em relação ao rastreamento, diagnóstico, adesão ao tratamento e qual foi o impacto nas hospitalizações e nas DCNTs. Por fim, ao levar em conta que 1 em 4 mineiros relata insônia, as campanhas de promoção do sono saudável têm enorme potencial de impacto”, pontuou Renata.
Para finalizar, Renata acredita que Minas Gerais tem a chance de se colocar à frente nessa qestão. Mas isso exige sair da retórica e colocar em prática: diagnóstico precoce, tratamento acessível, acompanhamento contínuo, educação e integração com saúde da família. “Dormir bem deixa de ser privilégio para virar ferramenta de saúde pública”, concluiu a especialista.
