Um simples ferimento na boca que não cicatriza, rouquidão persistente ou nódulos no pescoço podem ser sinais de um tipo de câncer relativamente comum, mas ainda pouco discutido: o câncer de cabeça e pescoço. A doença consiste em tumores malignos que mais frequentemente acometem a boca, laringe e a faringe.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), anualmente, são estimados mais de 41 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço no Brasil. A enfermidade ocupa o 6º lugar entre os tipos de câncer mais comuns, com cerca de 900 mil novos casos por ano no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Apesar da incidência elevada, o diagnóstico ainda é frequentemente tardio. “Mais da metade dos pacientes chegam aos consultórios com a doença já em estágio avançado, o que compromete as chances de cura e pode gerar sequelas significativas”, explica Gilberto de Castro Junior, oncologista do Hospital Sírio-Libanês.

O câncer de cabeça e pescoço é passível de prevenção com algumas mudanças nos hábitos, como a cessação do tabagismo, a redução do consumo de bebidas alcoólicas e prática de sexo seguro. Embora o cigarro e o consumo excessivo de álcool ainda sejam os principais fatores de risco, há um vilão mais recente em ascensão: o vírus HPV, responsável pelo papilomavírus humano.

Uma dor de garganta 

O que parecia ser apenas uma dor de garganta intensa se transformou no início de uma batalha que mudaria a vida de Júlio de Camargo, gerente de projetos, de 54 anos. Em uma viagem de trabalho, ele acordou com uma dor repentina na garganta. “Fui dormir bem, acordei com uma dor insuportável”, conta. Sem febre ou outros sintomas, seguiu para o trabalho como de costume. Horas depois, a dor desapareceu e a rotina voltou ao normal.

Uma semana depois, no entanto, surgiu uma íngua no lado direito do pescoço. O inchaço regrediu, mas não desapareceu por completo. “Sempre que eu me barbeava ou virava o pescoço, sentia um caroço”, conta. O incômodo persistiu por três meses, até que, certo dia, Júlio percebeu também um nódulo na parte interna da garganta. Foi quando, por insistência da esposa, procurou atendimento médico. 

Após consulta e biópsia, o diagnóstico veio: carcinoma relacionado ao HPV, um tipo de câncer de orofaringe. Com o apoio da área de saúde da empresa onde trabalha, foi encaminhado a um especialista. Os exames confirmaram que o tumor havia se espalhado para a amígdala, o palato e estava prestes a atingir a língua. “Foi um choque, claro! Mas o médico foi direto: era um caso cirúrgico. E era urgente”, lembra.

Em agosto de 2023, Júlio foi submetido a uma cirurgia de esvaziamento cervical no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ficou internado por alguns dias e iniciou o acompanhamento pós-operatório com um oncologista e um radioterapeuta.

“Estamos observando um aumento de casos novos do câncer da orofaringe associado ao HPV, sobretudo entre pacientes mais jovens e não tabagistas”, explica Gilberto de Castro. A boa notícia é que a vacina contra o HPV é uma aliada importante e está disponível gratuitamente para meninos e meninas de 9 a 14 anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“A vacina é uma ferramenta importante na prevenção de tumores relacionados ao HPV, inclusive os de orofaringe, que afetam as amígdalas e a base da língua”, reforça. “Cabe lembrar que esta vacinação é, também, uma das armas mais potentes na prevenção do câncer do colo de útero”, complementa.

Assim como no caso de Júlio, feridas na boca que não cicatrizam - com o ou sem sangramento - dor ao engolir, alteração na voz, caroços no pescoço, estão entre os principais sintomas e merecem investigação, sobretudo se persistirem por mais de 15 dias. “Procurar ajuda médica diante desses sinais é fundamental. Quanto mais cedo o tumor é identificado, maiores são as chances de cura e menor a necessidade de tratamentos agressivos”, reforça o oncologista.

Tratamento

Neste caso, o tratamento, intensivo, inclui sessões de radioterapia e ciclos de quimioterapia durante cerca de sete semanas. “A parte física é muito pesada, mas a psicológica é ainda mais. O médico me dizia “cuide da sua cabeça”. E foi o que eu tentei fazer”, relata Júlio.

Mesmo com o apoio psicológico e familiar, Júlio enfrentou perdas consideráveis: foram 22 quilos a menos e uma rotina de terapias que exigiam força, disciplina e resiliência. “Comecei achando que estava tudo bem, mas a radioterapia é acumulativa. No meio do tratamento, o corpo sente. E muito”.

Hoje, quase dois anos após o diagnóstico, o gerente de projetos segue em acompanhamento médico, com exames e consultas regulares. Os resultados continuam positivos. “Estou bem, com a saúde estável, e retomando minha vida normalmente. Já passou. Minha conta com essa doença está encerrada”, comemora. “Demorei para procurar um especialista porque achei que não fosse nada. Fiquei três meses adiando. Se eu tivesse esperado mais, talvez não estivesse aqui hoje.”

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