
Psicose: dados clínicos e genéticos costumam barrar tratamento
Pesquisadores da Unifesp e colaboradores avaliaram a eficácia de diferentes modelos em predizer quais pacientes podem se beneficiar com o uso do risperidona
compartilhe
Siga noEmilio Sant’Anna
Disponível gratuitamente na rede pública de saúde, a risperidona costuma ser a primeira opção de tratamento para quadros de psicose. Contudo, uma parcela significativa dos pacientes não responde à terapia, o que pode estar relacionado a fatores clínicos e ambientais, além do perfil genético do paciente.
-
06/12/2017 - 19:01 Paris e Londres têm as maiores taxas de psicose -
20/07/2023 - 07:53 Estudo descarta uso de maconha associado ao surgimento da psicose -
12/07/2020 - 14:58 Delírio e psicose: cientistas alertam para distúrbios cerebrais em casos de COVID-19
- Gene pode prever risco de psicose entre usuários de maconha
- OMS: cerca de 15% dos trabalhadores no mundo têm transtornos mentais
Participaram do ensaio clínico 141 pacientes que estavam passando pelo primeiro episódio de psicose e que nunca haviam utilizado nenhum antipsicótico. Eles foram avaliados antes e após dez semanas de tratamento com risperidona. Os resultados mostram que 72 pessoas (51%) responderam bem ao tratamento, enquanto 69 não apresentaram melhora significativa nos sintomas.
Os pesquisadores utilizaram algoritmos de aprendizado de máquina (inteligência artificial) para predizer o nível de resposta ao tratamento dos pacientes. Eles criaram diferentes modelos usando três categorias de dados para predizer a resposta terapêutica: apenas dados clínicos, apenas dados genéticos e a combinação dos dois tipos (modelos híbridos). Este último apresentou o melhor desempenho, acertando as respostas em 72,9% dos casos. Já os modelos que usaram apenas dados clínicos alcançaram 63,3%.
Na avaliação da geneticista e professora da Unifesp Sintia Belangero, uma das autoras do artigo, esses resultados reforçam o potencial da psiquiatria de precisão, integrando informações genéticas e clínicas para otimizar o tratamento de pacientes com psicose.
“Por se tratar de uma doença de etiologia complexa com efeitos genéticos e ambientais, idealmente, deveríamos levar em conta tanto fatores genéticos quanto clínico-ambientais para melhorar a predição dos desfechos clínicos, a resposta ao tratamento e, quem sabe, poder realizar prevenções ao menos em nível secundário [quando a doença já está estabelecida e o objetivo é evitar a piora do quadro]”, diz Belangero.
Entre os fatores clínicos analisados, a duração da psicose não tratada (DUP), que é o período entre o início dos sintomas psicóticos e do tratamento medicamentoso, foi o mais relevante para prever a resposta terapêutica. Estudo anterior do mesmo grupo já havia mostrado que a duração da psicose não tratada mais longa resultou em sintomas agravados e pior funcionamento global de pacientes psicóticos.
“A DUP está associada a piores resultados após o tratamento, mas não modifica o perfil clínico de base dos pacientes, o que reforça a importância da intervenção precoce”, ressalta a pesquisadora.
Outro fator ambiental que se mostrou importante nos modelos híbridos foi o uso de cannabis. “Assim como a DUP, é um fator modificável, podendo mudar o curso da progressão e o desfecho. Embora haja controvérsias, outros estudos já mostraram que seu uso está relacionado com maior número de internações hospitalares e prejuízo no tratamento, pois os pacientes que fazem uso de cannabis têm maior risco de não adesão ao tratamento farmacológico”, explica.
Além de trabalhar com milhares de variantes genéticas e tentar integrá-las a outras variáveis clínicas, os pesquisadores se viram, muitas vezes, diante de situações complicadas. “Um dos principais desafios foi acessar os pacientes e seus familiares em um momento tão crítico quanto o primeiro episódio psicótico, ainda no serviço de emergência e antes do início da medicação”, afirma a pesquisadora.
Belangero destaca que os resultados da pesquisa podem orientar o desenvolvimento futuro de novas formas de tratamento. Entre as variáveis que os médicos precisam analisar estão o antidepressivo/antipsicótico a ser escolhido, a segurança e a eficiência dessa escolha e a forma como essas drogas serão metabolizadas, entre outras.
“Em teoria, esses problemas serão resolvidos por meio da psiquiatria de precisão, que nos permitirá saber, desde a primeira consulta, quais tratamentos são mais benéficos e toleráveis para cada indivíduo. Mas ainda não estamos no ponto de uma psiquiatria de precisão eficaz, estamos apenas caminhando em direção a ela”, afirma a pesquisadora da Unifesp.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Agora, a equipe – que inclui os pesquisadores Giovany Oliveira, Vanessa Ota, Ary Gadelha, Cristiano Noto e Diego Mazzotti – pretende validar esses modelos preditivos em amostras maiores e com grupos com diferentes ancestralidades genéticas. “Nosso objetivo é testar esses preditores em populações mais amplas e de diferentes etnias para verificar a robustez e aplicabilidade dos resultados”, diz Belangero.