Amostras coletadas em laboratório indicarão a existência do tumor, facilitando o tipo de tratamento a ser aplicado  -  (crédito:  Karolina Grabowska/Divulgação)

Amostras coletadas em laboratório indicarão a existência do tumor, facilitando o tipo de tratamento a ser aplicado

crédito: Karolina Grabowska/Divulgação

Uma simples amostra de sangue poderá revolucionar a detecção e, consequentemente, o tratamento do câncer. Já utilizadas para orientar o tratamento personalizado, as chamadas biópsias líquidas passaram por melhorias recentes, com o desenvolvimento de agentes mais hábeis na identificação de "assinaturas" deixadas pelo tumor na corrente sanguínea. A expectativa de cientistas, que há mais de uma década trabalham com essa abordagem de diagnóstico, é que, em vez de remover tecidos dos pacientes, apenas uma furadinha na veia possa confirmar ou descartar a doença.

O número de casos de câncer, cujo dia mundial é lembrado hoje, acompanha o envelhecimento e o crescimento da população, e, nas estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), será 77% maior em 2050, comparado a 2022. Apesar dos avanços nas terapias, com aumento da sobrevida, a chave para o sucesso do tratamento é o diagnóstico precoce.

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Os métodos diagnósticos atuais são precisos, mas, além de invasivos, falham, muitas vezes, em detectar a doença ainda no início. Em muitos casos, como o de pulmão, o tumor não dá sinais até que esteja grande demais para ser eliminado. Não à toa, esse é o tipo com maior mortalidade em todo o mundo.

Mas, silenciosamente, os tumores liberam DNA das células mortas na corrente sanguínea, por um breve período, antes de o material ser decomposto. O que os cientistas buscam são exames de sangue capazes de identificar o código genético do câncer.

Fragmentos


"Uma possível aplicação da biópsia líquida é a de detecção precoce de tumores, ainda antes do mesmo se manifestar clinicamente ou nos exames de imagem", explica a especialista em oncogenética e oncologia de precisão Andreza Souto, do Oncoclínicas Brasília. "O método seria utilizado para população sem diagnóstico de câncer, para tentar identificar fragmentos do DNA do tumor no sangue ainda em estágio muito inicial e que ainda não seria identificado por métodos tradicionais de rastreio", destaca.

Porém, a quantidade de material genético tumoral circulante é muito pequena, e esse é um desafio para desenvolver testes sensíveis o suficiente para identificá-lo. Mas, agora, uma equipe de pesquisadores do Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Boston, descobriu uma forma de aumentar significativamente a assinatura do câncer.

Os cientistas desenvolveram duas moléculas injetáveis que chamam de "agentes de priming". Elas ajudam a segurar o DNA tumoral circulante na corrente sanguínea, dando tempo de ser identificado, antes de sair do organismo. Em um estudo com ratos, os cientistas mostraram que os agentes aumentam os níveis do material o suficiente para saltar de 10% para 75% o percentual de metástases pulmonares detectáveis. Além do diagnóstico precoce, a abordagem poderia ajudar a rastrear com mais precisão as mutações tumorais, orientando melhor o tratamento.

Leia: Biópsia líquida: exame de sangue permite acompanhar evolução do câncer

"Você pode injetar um desses agentes uma hora antes da coleta de sangue, e isso torna visíveis coisas que antes não seriam", diz Sangeeta Bhatia, professora do MIT e coautora sênior de um artigo sobre os primings publicado recentemente na revista Science. "A implicação é que conseguiríamos fornecer biópsias líquidas a todos, para qualquer finalidade."

Rotina

Atualmente, as biópsias líquidas são usadas clinicamente para identificar mutações nos tumores dos pacientes em tratamento. Mas, segundo Bhatia, com maior sensibilidade, a tecnologia conseguiria ajudar muito mais pessoas. A oncologista Andreza Souto afirma que, futuramente, o teste poderia, inclusive, ser um exame de rotina, assim como se monitora nível de colesterol e triglicérides. "Assim, a metodologia poderá contribuir para a queda da mortalidade devido ao diagnóstico mais precoce", aposta.

Christopher Love, também pesquisador do MIT e coautor do estudo publicado na Science, explica que, para vencer o desafio de encontrar o raro DNA tumoral na corrente sanguínea, a equipe decidiu tentar aumentar a quantidade da amostra, antes de o sangue ser coletado.

Love esclarece que o organismo utiliza duas estratégias para remover o material genético circulante: enzimas chamadas DNases viajam pela corrente sanguínea e decompõem o DNA que encontram. Ao mesmo tempo, células imunológicas conhecidas como macrófagos, absorvem esse "lixo" à medida que o sangue é filtrado no fígado.

Os pesquisadores decidiram direcionar cada um desses processos separadamente. Para evitar que as DNases quebrem o DNA, eles desenvolveram um anticorpo monoclonal que se liga ao DNA circulante e o protege das enzimas. O outro agente priming que idealizaram é uma nanopartícula projetada para impedir que os macrófagos absorvam o material genético livre de células.

Pulmão

Os testes foram realizados com ratos, que receberam transplantes de células cancerígenas formadoras de tumor pulmonar. Duas semanas após o procedimento, os cientistas demonstraram que os agentes aumentavam a quantidade de DNA tumoral circulante na amostra de sangue em até 60 vezes.

Depois que o sangue é coletado, ele pode ser analisado pelos mesmos tipos de testes de sequenciamento usados, hoje, em amostras de biópsia líquida. Para além da orientação no tratamento de pacientes que já tiveram a doença detectada por outros métodos, a expectativa é identificar o câncer antes de qualquer manifestação clínica.

"Um tubo de sangue é um diagnóstico muito mais acessível do que a colonoscopia ou mesmo a mamografia", diz Bhatia. "Em última análise, se essas ferramentas forem realmente preditivas, então conseguiremos incluir nos sistemas de saúde muito mais pacientes que poderiam se beneficiar da detecção do câncer ou de uma terapia melhor."

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Tecnologia em crescimento

Abraão Dornellas, oncologista

Abraão Dornellas, oncologista no Hospital Israelita Albert Einstein e integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer

Instituto Vencer o Câncer/Divulgação

Abraão Dornellas, oncologista no Hospital Israelita Albert Einstein e integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer

 

Quando falamos de biópsia líquida, nada mais é do que a coleta de uma pequena amostra de material do paciente, que, na maioria das vezes, é um simples exame de sangue. Com esse material, fazemos uma amplificação, buscando o DNA do tumor que está circulante no sangue. A biópsia líquida é promissora para diversos tipos de tumores. Hoje, ela é capaz de detectar a heterogeneidade tumoral, conseguindo guiar melhor o tratamento, sendo uma estratégia para identificação de biomarcadores de alvos terapêuticos para o câncer. Nós podemos detectar uma mutação que seja alvo, ou seja, para a qual nós temos um medicamento que a bloqueie. Essa tecnologia vem crescimento cada dia mais na oncologia clínica. Para o futuro, ela poderá ser usada em fases precoces e, até mesmo, em rastreamento do câncer. É claro que isso ainda não é uma realidade, mas com o passar do tempo, poderemos utilizar mais o exame na prática clínica. É possível, sim, pensar em um futuro em que um simples exame de sangue seja capaz de identificar tumores precocemente.

 

Para o câncer de próstata, terapia combinada é o melhor


O câncer de próstata é o quarto mais incidente no mundo e o quinto que mais mata, segundo um levantamento divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Um estudo de pesquisadores de Brasília apresentado no congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco) sobre tumores do sistema geniturinário, nos Estados Unidos, demonstrou que uma estratégia de combinação terapêutica é mais eficaz que a castração isolada.

"O principal tratamento do câncer de próstata é o que chamamos de castração química, que é pegar a testosterona do paciente e jogá-la a níveis baixos", esclarece o primeiro autor, o oncologista Paulo Sérgio Lages, da Oncoclínicas Brasília. O médico relata que os níveis do hormônio devem ficar abaixo de 50 ng/mL. "Mas, preferencialmente, abaixo de 20 ng/mL, porque, quanto mais baixa a testosterona, melhor a evolução no tratamento; o paciente terá melhores chances de cura", diz.

No estudo, os pesquisadores utilizaram 1.744 amostras de 240 pessoas, coletadas entre 2014 e 2023. Eles avaliaram o nível de testosterona dos pacientes tratados apenas com a leuprorrelina injetável (o hormônio que faz a castração química) e daqueles que receberam a terapia padrão, combinada com medicamentos de uma classe conhecida como Novos Agentes Hormonais (NHA), na forma de comprimidos.

Entre os primeiros, a monoterapia reduziu o nível de testosterona para menos de 50 ng/ML em 98%, mesma taxa alcançada entre os pacientes que tomaram o comprimido de NHA, além da castração química. Porém, o tratamento combinado mostrou-se mais eficaz para baixar para menos de 50 ng/ML a quantidade circulante do hormônio, aumentando a chance de sucesso.

Enquanto 80,5% dos pacientes da leuprorrelina alcançaram níveis abaixo de 20 ng/ML, o percentual dos que também receberam o NHA foi maior: 87,9%. "A gente sabe que a sobrevida dos pacientes que alcançam os níveis mais baixos de testosterona é maior. Então, a associação de tratamentos é melhor do que a injeção de castração isolada", resume Paulo Sérgio Lages.

Idade

No levantamento global divulgado há poucos dias em Genebra, na Suíça, a OMS ressaltou que, devido ao envelhecimento da população, os casos de câncer de próstata sofrerão um salto de quase 80% em 2050. Paulo Lages explica que esse é um tumor que tem a idade como importante fator de risco. "A grande diferença que temos entre homens e mulheres é que, quando elas envelhecem, param de produzir hormônio. Já o homem, não, e é exatamente esse hormônio que ele produz, a testosterona, que estimula as células da próstata a se multiplicarem."

Segundo Lages, como, no passado, a população vivia pouco, a doença não chegava a se desenvolver. "Não dava tempo de ter câncer. O que acontece, hoje, é que, vivendo até 75, 80 anos, a chance aumenta muito", explica. "Isso não significa que esse paciente vai precisar ser tratado, muitos vão morrer com o câncer, nunca tendo passado por tratamento e de outras causas, que não o câncer." (PO)