Estudo publicado em novembro aponta que duas classes de pesticidas, que são inclusive utilizados no Brasil, estão ligados à infertilidade masculina e à queda da contagem de espermatozoides no mundo. O levantamento incluiu dados de mais de 1,7 mil homens e abrangeu várias décadas, com uma sentença: os agrotóxicos pertencentes às classes carbamatos e organofosforados são prejudiciais à fertilidade masculina. Eles são inseticidas de uso agrícola, doméstico e veterinário. “No Brasil, esses agrotóxicos estão em praticamente todos os alimentos agricultáveis convencionais (frutas, hortaliças, cereais e verduras), na água, peixes de rio, e produtos de origem animal, como leite e mel”, explica a médica nutróloga diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), Marcella Garcez.

“Essa é uma preocupação, já que a concentração média de espermatozoides por mililitro de sêmen declinou de 101,2 milhões para 49 milhões no período de 1973 a 2018. Os investigadores compilaram, avaliaram e analisaram os resultados de 25 estudos sobre certos pesticidas e a fertilidade masculina e descobriram que os homens que foram expostos a essas classes de pesticidas tinham concentrações de espermatozoides significativamente mais baixas”, explica o especialista em reprodução humana e diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo, Rodrigo Rosa.



Esses agrotóxicos são muito utilizados no Brasil, conforme mostra o relatório do Programa de Análise de Resíduos em Alimentos (PARA), realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em sua última edição, de 2019. Por exemplo, os agrotóxicos organofosforados, segundo o Sistema de Informações sobre Agrotóxicos da ANVISA, estão registrados 38 ingredientes ativos da classe dos organofosforados, entre eles, acefato, bromofós, clorpirifós, diazinona, diclorvós, etoprofós, fenclorfós, fentiona, malationa, metamidofós, parationa metílica, pirimifós e temefós.

A médica nutróloga explica que os resíduos de pesticidas encontrados em alimentos podem acarretar problemas agudos e/ou crônicos. A intoxicação aguda por agrotóxicos pode ocasionar tonturas, cólicas abdominais, náuseas, vômitos, dificuldades respiratórias, tremores, irritações na pele, nariz, garganta e olhos, convulsões, desmaios, coma e até mesmo a morte. “As intoxicações crônicas, pela exposição prolongada, podem gerar problemas graves de saúde, como paralisias, lesões cerebrais e hepáticas, tumores, alterações comportamentais, danos reprodutivos entre outros”, elucida a médica.

Hoje, segundo Marcella, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e essas substâncias, criadas para reduzir a quantidade de pragas e facilitar a vida do agricultor, podem também ser responsáveis por consequências indesejáveis para a saúde do produtor, do consumidor e do meio ambiente. “É possível que esses produtos químicos atuem, de forma crônica, como desreguladores endócrinos, que imitam os hormônios do corpo e, portanto, enganam nossas células." Isso explicaria, conforme os médicos, como a fertilidade pode ser afetada. O especialista em reprodução humana argumenta que essa exposição, além do declínio na contagem de espermatozoides, pode estar ligada a um número crescente de espermatozoides defeituosos, de forma que muitos nadam sem rumo, em círculos, em vez de nadar furiosamente em busca de um óvulo.

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No estudo, a conclusão dos cientistas é a de que há uma associação persistente entre o aumento dos níveis de inseticida e a diminuição da concentração de espermatozoides. “É fundamental que esses dados sejam utilizados como forma de buscar alternativas para evitar o uso desses pesticidas. Esperamos que o estudo chame a atenção dos órgãos reguladores que procuram tomar decisões para manter o público protegido contra impactos inadvertidos e não planeados dos inseticidas”, diz Rodrigo.

O especialista explica que, durante décadas, os cientistas têm tentado desvendar questões intrigantes sobre a fertilidade masculina. “As concentrações de espermatozoides são um dos vários fatores que constituem um indicador útil. Um relatório do ano passado concluiu que a contagem de espermatozoides estava a diminuir em todas as regiões do globo e que o ritmo desse declínio estava a acelerar."

De acordo com Marcella, para reduzir os riscos de intoxicação, além de escolher e consumir alimentos orgânicos, várias estratégias podem auxiliar na redução do consumo de agrotóxicos, mesmo em alimentos de cultura convencional, como: procurar usar sempre legumes, verduras e frutas regionais e da safra, pois trarão menos defensivos; desconfiar de vegetais muito grandes e que duram muito, pois podem ser resultado de adubação e defensivos em excesso; lavar legumes, verduras e frutas em soluções de água sanitária, água oxigenada, vinagre, hipoclorito, bicarbonato de sódio ou carvão ativado, por exemplo.

“Vale ressaltar que essas soluções nem sempre funcionarão para remover agrotóxicos de frutas e verduras. Se o agrotóxico for de superfície, com aplicação limitada à parte externa do alimento, elimina-se o risco na maioria das vezes com uma boa higienização. Mas, hoje, os agrotóxicos empregados são predominantemente sistêmicos ou metabólicos. Lavar os alimentos somente elimina o agrotóxico presente nas cascas, mas o grande problema está no interior do alimento. Então, a solução é que os agrotóxicos realmente sejam usados na quantidade e tempo permitidos, para minimizar os problemas, e, sempre que possível, consumir vegetais orgânicos”, destaca a médica.

Rodrigo lembra que o excesso de exposição a produtos químicos provenientes da poluição e de agrotóxicos pode induzir a diversos tipos de danos no DNA, levando então a mutações que inviabilizam o espermatozoide, contribuindo para a infertilidade masculina. O médico enfatiza que um estilo de vida saudável, adotando uma alimentação balanceada, dormindo bem e praticando exercícios físicos com regularidade, é a melhor maneira de manter o bom funcionamento do organismo e assim melhorar a fertilidade e as chances de sucesso na gravidez. “De qualquer forma, qualquer casal que experimente uma dificuldade em engravidar no período de um ano deve procurar um especialista”, indica o médico.

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