A automedicação para acalmar os animais é comum, mas médicos veterinários alertam que alguns remédios normalmente usados podem trazer efeitos negativos -  (crédito: Getty Images)

A automedicação para acalmar os animais é comum, mas médicos veterinários alertam que alguns remédios normalmente usados podem trazer efeitos negativos

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Nas últimas semanas de dezembro, o interesse por um remédio costuma estar em alta nos sites de pesquisa da internet.

O sedativo acepromazina é visto como uma alternativa para aliviar o estresse de cães e gatos que sofrem com o estampido e as luzes dos fogos de artifício.

Esses incômodos relacionados ao foguetório representam um perigo à saúde dos pets: eles podem trazer efeitos imediatos, com fugas, atropelamentos e convulsões, ou de longo prazo, como doenças cardíacas, imunológicas e metabólicas.

Muitas vezes, na tentativa de trazer alívio ao animal de estimação, os donos acabam recorrendo a remédios anestésicos e relaxantes.

Eles são vistos pelos tutores como meios para acalmar os animais no final de ano, especialmente na virada dos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro, nas comemorações do réveillon.

O uso desses fármacos, porém, também significa uma ameaça aos bichinhos.

Sem a orientação de um médico veterinário, essas substâncias podem causar sérios efeitos colaterais.

A própria acepromazina é um exemplo disso: apesar de o animal parecer mais relaxado e sonolento após receber o tratamento, ele segue com os sentidos em pleno funcionamento.

Ou seja: na prática, o pet continua a ver e a ouvir todos os estímulos visuais e sonoros ao redor. Ele só não consegue reagir com os comportamentos esperados, como correr, se esconder, procurar os donos, latir, miar…

"Nós vemos na prática como a automedicação está crescendo. As pessoas têm facilidade de conseguir esses remédios e dão aos animais na melhor das intenções, mas acabam colocando a saúde deles em perigo", alerta o veterinário Pedro Parussolo, do Hospital Veterinário Sena Madureira, em São Paulo.

"Além disso, o retorno do cachorro ou do gato ao estado normal após a acepromazina não é muito legal", acrescenta o também veterinário Guilherme Soares, professor da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.

"Alguns ficam com alucinações e desenvolvem comportamentos compatíveis com uma crise de dor de cabeça", afirma o especialista.

"Não se trata, portanto, de uma alternativa boa para lidar com essas situações."

Mas por que alguns cães e gatos têm tanto medo dos fogos de artifício?

As origens do estresse

As luzes e os barulhos dos fogos de artifício representam um forte estímulo visual e sonoro para diversos animais.

E esses dispositivos são acionados justamente à noite, no momento em que as coisas costumam estar mais calmas, escuras e silenciosas na natureza.

Também é preciso ter em mente que a visão e a audição de gatos, cachorros e outras espécies costumam ser mais sensíveis que a dos seres humanos.

Com isso, eles conseguem captar muito mais estímulos do ambiente — e o que é um ruído para nós, vira um barulhão para outros seres vivos.

Soares aponta que o medo dos fogos de artifício possui raízes genéticas e evolutivas.

"No passado, os animais que fugiam do barulho sobreviveram para deixar descendentes. Isso nem sempre acontecia com aqueles que não reagiam da mesma forma", compara.

Pessoas de costas observam fogos disparados do mar
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Várias cidades e Estados brasileiros aprovaram leis que proíbem fogos de artifício com barulho

"Os primeiros meses de vida também são decisivos para isso: a infância é um período crítico. Se, enquanto filhote, o cachorro teve alguma experiência positiva com relação aos barulhos, ele tende a desenvolver menos comportamentos patológicos dali em diante", diz o veterinário.

Vale destacar, portanto, que nem todo cão ou gato desenvolve essa reação aguçada de estresse e medo diante do foguetório.

O comportamento varia muito de acordo com cada bichinho.

Uma revisão de estudos realizada no Centro Universitário São Camilo, em São Paulo, destaca uma pesquisa que ouviu 383 proprietários de cães.

Desses, 49% disseram que os seus animais de estimação davam alguma resposta específica quando eram expostos aos ruídos.

Em 96,8% desses casos, os sinais eram de medo, como procurar os donos para se proteger, tremer, se esconder, fugir ou latir.

"Dos cães que apresentaram fobia de ruídos, 83% tinham medo de fogos de artifício, 65% de sons de tempestades, 30% de sons produzidos por armas de fogo, 28% de sons de escapamento de carro, 18% de outros ruídos ambientais altos e 12% de barulhos altos na televisão", calcula o artigo.

E esses incômodos têm consequências imediatas e de longo prazo.

Durante eventos barulhentos, gatos e cachorros têm uma diminuição do bem-estar e ficam mais agressivos ou retraídos. Alguns podem até sofrer convulsões.

Há uma parcela dos pets que, no desespero, fogem de casa ou pulam de janelas altas. Isso também representa um perigo, já que eles podem se machucar, se perder ou virar vítimas de atropelamentos em ruas e avenidas.

"Com o passar do tempo, os animais mais suscetíveis ainda sofrem com baixas na imunidade, doenças cardíacas e até problemas no metabolismo relacionados a quadros como o diabetes", descreve Soares.

Nos últimos dez anos, todos esses desdobramentos incentivaram campanhas e até mudanças na lei em vários lugares do Brasil: no Estado de São Paulo, por exemplo, é proibido soltar fogos de artifício com barulho desde julho de 2021.

Há projetos parecidos para todo o país em discussão no Congresso.

O que fazer?

Soares sugere que os tutores comecem a se preparar com alguns meses de antecedência, se possível.

"Se você percebe que o cão ou o gato tem problemas com barulhos, vale buscar um especialista três ou quatro meses antes [do período de festas]", orienta Soares.

"Com isso, já é possível colocar em prática treinamentos e mudanças comportamentais. Em alguns casos, também prescrevemos medicamentos", relata.

Que fique claro: como citado no início da reportagem, o uso dos fármacos depende de cada caso e deve sempre respeitar a orientação e a dosagem prescrita pelo veterinário, para minimizar o risco de efeitos colaterais indesejados.

Gato embaixo de sofá ou cama
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Os tutores devem ficar atentos aos sintomas de algo mais sério — como abandono de hábitos, falta de apetite e poucas idas ao banheiro

As medicações que os profissionais costumam prescrever nesses cenários não são os sedativos ou anestésicos. A primeira opção vem da classe dos ansiolíticos, que ajuda a aplacar a ansiedade.

Para as pessoas que não conseguiram se planejar com antecedência, Parussolo indica uma série de estratégias que auxiliam na virada do ano.

A primeira delas é manter o animal num espaço mais calmo e tranquilo da casa, que tenha o menor contato com os ruídos do exterior.

Se possível, vale deixar algum som ambiente na hora do foguetório — colocar uma música relaxante ou deixar a TV ligada com o volume baixo são algumas das ideias.

"Também podemos usar alguns fones de ouvido desenvolvidos para os animais, que abafam um pouco o som externo", acrescenta.

"Alguns animais se sentem mais confortáveis com a presença dos tutores. Então fazer companhia para eles nesses momentos pode ajudá-los", diz o veterinário.

Na hora de selecionar o melhor cômodo da casa para manter os bichinhos protegidos das luzes e dos barulhos, também é importante atentar-se à segurança: para evitar fugas ou acidentes, confira se janelas e portas estão bem fechadas.

Por fim, o veterinário pede que os donos fiquem atentos a sintomas prolongados, que indicam algo mais sério.

"Se os animais deixam de comer, beber água e fazer cocô ou xixi por muito tempo, é importante fazer uma avaliação", conta.

"A virada de ano é um momento em que a maioria das pessoas está feliz e comemorando. Mas temos que pensar que a nossa festa pode ser uma fonte de aflição para outros seres que vivem perto de nós", conclui Parussolo.

Reportagem publicada originalmente em 30 de dezembro de 2022.